quarta-feira, 22 de maio de 2013

Gente que Cai

A umidade do ar está em cem por cento. Cento e cinquenta por cento. O chão está molhado, e você escorrega. Sabe que vai cair. Será inevitável. Não existe corrimão, nenhuma mão, nem parede onde se apoiar. Nada em que se agarrar. A queda é certa. O que você faz?  Cai. Mas cai consciente. Cai da melhor maneira possível, tentando minimizar os danos e manter um certo grau de elegância. Uma certa dignidade. Difícil. Não existe dignidade na queda. Ela é sempre, ou ridícula, ou dolorosa. Ou as duas juntas, ridícula, e dolorosa. Falo com conhecimento de causa. Sou especialista em quedas, batidas de pernas, cotovelos e afins. Colecionadora de hematomas.
A queda, na hora em que acontece, é geralmente apenas ridícula. A dor costuma vir depois de algum tempo. Ela é, ou consequência da queda em si, ou da maneira como tentamos evitá-la. Por exemplo, outro dia eu ia cair da escada. Devido a um contorcionismo maluco, deixei de me estatelar totalmente no chão. Resultado, escoriações nas duas mãos e uma dor improvável, e bem forte, na coxa direita. Estiramento muscular. Eu não caí. Mas não faria diferença, se tivesse caído. Talvez até fosse melhor, cair de uma vez. Nunca se sabe, se um hematoma na bunda não seria melhor do que uma perna manca. Talvez, se eu não tivesse evitado a queda, o dano fosse menor. A gente nunca sabe, não tem como saber. Tem horas em que, se é para cair, dane-se. Que se caia mesmo. Para doer de uma vez, e não no dia seguinte, e nos outros após. Nada pior do que dor a prestação.
Cair é falta de atenção. Cai-se por distração. Não adianta culpar o chão molhado, o buraco, o sapato, a chuva. Menos ainda a casca de banana. Desculpa esfarrapada. Tudo isso só ajuda a atrapalhar. Cair é descuidar. Quem cuida, não cai. Ou cai ,mas de leve. Suavemente. Cai na cama. No tapete. Na rede de proteção. Cai nos braços de alguém.
Tem quedas evitáveis.  Outras não. A gente cai desde pequeno. Tentando sentar. Tentando engatinhar, aprendendo a caminhar.Tentando equilibrar-se para ficar em pé. Cai, e levanta, e cai de novo. A cada queda, evitável ou não, ridícula, ou não, a gente aprende. Ou deveria
A gente percebe que tem que estar atento, a todo instante, o tempo inteiro. Para não cair a qualquer hora. Por qualquer bobagem. Para não cair além da conta. Para não se machucar muito feio.
Mas, para haver equilíbrio, tem que relaxar um pouco também. De vez em quando. Deixar a cabeça voar alto, se distrair. Permitir-se sonhar, e quando não der mais, acordar. E então, até cair. Do contrário, corre-se o risco de se ficar rígido demais, duro demais, sério demais. Robôs nunca caem. Gente de verdade cai o tempo todo. E ganha experiência. Flexibilidade. Jogo de cintura. Alguns arranhões e roxos nas pernas.
Gente que cai aprende a levantar mais rápido. Aprende a levantar, quando cai.
Mas principalmente, e porque cair é sempre ridículo, gente que cai aprende uma coisa ainda mais importante. Aprende a não se levar tão a sério. Aprende a rir de si mesmo.
Gente que não ri de si mesmo, não acha graça na vida. Pesa.
Gente que ri de si mesmo aprende a ser pluma. Quando cai.

Dani Altmayer

4 comentários:

  1. Bonito texto. De muita lucidez. Devo me tornar uma pena, um dia! Abraço para vc.

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  2. Bah..esse chapéu serviu certinho em mim. E eu que pensei, algo anda errado comigo. Mas, teu texto me consolou bastante 😘

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  3. Adoro ler o que vc escreve.Ah, devo ser muito madura...
    Bicicleta. Caiu.

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