domingo, 13 de outubro de 2019

Eu e o Chico



Arrumar armário só é suportável porque existe o Chico. Faz tempo, já.
Porque um dia ele escreveu Apesar de você. 
Entre tantas outras. Tanto sentimento. Todo. Tanta genialidade.  Toda.
Mas Apesar de você é a música de hoje. Para este meu agora.
Aumenta o volume e canta bem alto, deixa a gaveta das meias para outro dia.
Porque faz calor, e é preciso fazer poesia. Ou escutar poesia. Ou ler. Um livro. Ver um filme. 
Fazer amor, afim de não deixar a gente se perder da gente. Resistir, em sambas e versos. Em letras e música.
À espera de um tempo da delicadeza. De colocar tudo de volta no corpo, outra vez.
E de volta ao armário, agora.
Amanhã vai ser outro día
Amanhã vai ser outro día
Amanhã vai ser outro día
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão, não
A minha gente hoje anda
Falando de lado e olhando pro chão
Viu?
Você que inventou esse Estado
Inventou de inventar
Toda escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar o perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser outro dia
Eu pergunto a você onde vai se esconder
Da enorme euforia?
Como vai proibir
Quando o galo insistir em cantar?
Água nova brotando
E a gente se amando sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros. Juro!
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Esse samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora tenha a fineza
De "desinventar"
Você vai pagar, e é dobrado
Cada lágrima… 

domingo, 6 de outubro de 2019

Exílios




Três poemas e a melancolia acentuada pela economia das palavras
Todos os poemas têm um traço de dor, uma pitada de tristeza, não seriam poemas se o poeta não fosse, em alguma instância, alguém que capta o sofrimento do mundo, qualquer mundo, pequeno ou grande, particular ou não, não fosse o poeta ele mesmo um sofredor, ou apenas alguém que finge a dor como ninguém. Portanto, uma poeta, eu, quanta pretensão, é também uma fingidora. Sou. 
Se no zodíaco houvesse uma representação para a poesia, ela seria de câncer- ou de peixes- por seu jeito de olhar, pelo drama, pela lua. Jamais seria de leão, se fosse seria aquela poesia exibida e cheia de si, toda alegre e vaidosa, que cansa já no segundo verso, de capricórnio também não, ainda que haja beleza na concretude, ai de quem disser o contrário, uma pedra no caminho nunca será uma pedra no caminho de quem sabe usar as palavras e ressignificá-las. Uma pedra vai ser sempre outra coisa nas mãos da poesia. Mas nunca para um capricorniano.
Três poemas tristes.
Leio que a melancolia é um estado mais grave que a tristeza, um vazio que não pode ser preenchido, um abandono de si mesmo. Outro dia, por causa de um conto no livro novo, me perguntaram se eu era melancólica. Não sou, quase nunca, só quando escrevo. Aí sou, então. Quase todo o tempo.
Três poemas.
O saldo do domingo, para a segunda. O tema: exílio, estranhamento, desapego.
Meu jeito de ver as coisas: aceitar a tristeza que se esconde em cada alegria. Se na minha escrita tem dor, mágoa não há.
Um dia já falei que escrever era meu jeito de chorar, de botar para fora. Não deixando que a melancolia tome a forma do meu corpo, e nem que tome conta de mim, ela se transforma nas palavras que eu verto, na sempre complexa tentativa de traduzir alguma coisa- e entender.


Daniela Altmayer