domingo, 28 de julho de 2019

Um conto na madrugada



Desabou de whisky e trepar.
Um sono de bruços, pesado, absoluto, um nada.
Ardia em chamas e líquido.
O lençol ondula com os movimentos dele, mas ela já sonhava.
Pode sentir nas coxas a areia áspera, o mar de ondas calmas acariciando os corpos, o formigamento entre as pernas- abertas feito conchas sob o sol.
Os sonhos se confundem com o sexo de antes, dois animais de línguas ávidas, o torpor interrompido por uma mão gelada e úmida, a dor súbita, e depois outra onda, e outra mais forte, que os engole, afogando o grito da madrugada.
Ela se mexe sem despertar, geme, se acomoda, e goza baixinho, de olhos fechados.
Acorda horas depois, ainda tonta, sorrindo de um ardor inconfundível. 
Será?
Olha para o lado.
Ele dorme, serenamente nu.


Daniela Altmayer
(uma tradução)

domingo, 21 de julho de 2019

a palavra amor não faz falta










no prédio ao  lado um garoto acaba de ganhar uma bateria mas 
não importa
nesta sala é tudo música silêncio e poesia

a luz que entra através das frestas faz dançar a poeira do assoalho
o poente tinge de vermelho tua pele e a minha
na boca de café sabores quentes se provocam

buscas com a língua o que só para ti eu guardo
aquele fio delicado que escorre entre os dedos 
o suor imperceptível da minha nuca
a saliva espessa de açúcar e sal

nossos sussurros são gritos na penumbra
e o sorriso despertado é de quem sabe
que a felicidade mora no exato instante 
dessa hora 

vem a noite nos teus braços o sol 
se deita 
e o mundo cala


Daniela Altmayer






sábado, 13 de julho de 2019

Ghazal


na soma dos dias finda o ano
à subtração do nosso amor, desengano

teu sotaque falso
teu beijo gasto de cotidiano

tua voz teu olhar
tua tez teu corpo de piano

tua fuga covarde
os passos lentos de bichano

nas sombras é que o amor finda
engolido por outro ser tirano

e na solidão sou eu quem resta
praia deserta de um verão insano


Daniela Altmayer

exercício para a oficina de poesia
 O Ghazal



sexta-feira, 12 de julho de 2019

Sete, a carta para Isabella de número 8


      De repente, sete.

sete é número de sorte.
um número que pula alto
sete ondinhas sete anjos
sete é um número mágico
sete vidas tem o gato 

sete é um número bonito
sete as cores do arco-íris
sete pétalas da bela rosa
sete dias da semana
sete notas musicais

sete é número especial
não é redondinho, como oito
mas vem antes
é pontudo e forte 
nas sete pontas da estrela

e é assim, bem de repente:
sete voltas ao redor do sol
sete graus de perfeição
sete anos de puro amor


Já começo a pedir para o tempo ir mais devagar, Bella, quero ele se prolongue na doçura da tua infância que hoje completa um ciclo importante, o ciclo dos primeiros sete.
Quero que ele se demore na fantasia desses primeiros anos, em fadas, duendes, bruxinhas, histórias sem pé nem cabeça, mágicas e maravilhosas como só tua imaginação de menina com asas sabe inventar.
Por falar em asas, desejo que os unicórnios continuem reais por muito e muito tempo ainda, e que o mundo real entre (só porque tem que entrar) devagarinho pela tua porta, descalço e pisando leve, na maior gentileza possível, deixando a janela do sonho sempre aberta.
Minha guriazinha inteligente e linda, artista, cientista, cantora e feiticeira de coração gigante, que tu siga dona da tua razão e sensibilidade, e que tu seja sempre, sempre, muito dona de si. 
Te amo, estrelinha. Princesa, pirata, mulher-maravilha. 
To the moon and back. And to the moon and back, again. And again, infinito.
Feliz aniversário!
    ti Dani

PS: See you soon.


domingo, 7 de julho de 2019

Perdão





Perdoa minha falta de tato, minha falta de jeito, meu olhar assustado.
Perdoa meu julgamento apressado, esse meu jeito de ver o teu mundo, distorcido pela ótica do meu.
Desculpa esse lugar de estranheza, esse altar de onde te observo e não te posso alcançar, desculpa as minhas fronteiras, limites, trincheiras.
Perdoa meu medo do estrangeiro de ti, do estrangeiro em mim, do estranho em nós.
Perdoa se me falta a delicadeza de te ouvir na língua que não compreendo, a tua, se nem tento entender teu país.
Desculpa não atender teus apelos, não respeitar teus quereres, perdoa minha soberba, minha vaidade exposta e a escondida, vaidade em pele de cordeiro.
Perdoa as certezas erradas, encrustadas, perdoa a razão que eu gosto de ter.
Desculpa se me falta a fineza de não te inventar, se minhas lentes embaçam tua cor, se meus desejos te moldam, me revelam e nos deformam.
Desculpa minha hipocrisia, minha falta de empatia, a empáfia que não me permite te enxergar.
Perdoa todas as vezes que penso em ser teu vigia, perdoa a dureza que visto no peito, as palavras que profiro sem te escutar.
Desculpa as feridas que sangro, as cascas que arranco, as oportunidades perdidas -de ficar calada para somente te ouvir.
Perdoa essa falta de silêncio e sol.
Desculpa o desequilíbrio, a ausência de abrigo, as brigas sem fim. A falta de abraço, de toque, o cansaço.
Desculpa esse meu egoísmo de te pensar igual e não outro, espelho quebrado, perdoa a indiferença, as doenças que matam. A raiva, a dor, o medo. Perdoa.
Me perdoa toda injustiça desses tempos de condenações antecipadas, as crenças, preconceitos e prejulgamentos- mais rápidos que a luz, me desculpa se sou teu juiz.
Perdoa as bandeiras vermelhas, as amarelas e as verdes, desculpa todas as bandeiras que nos separam,  dividem e não te incluem. Bandeira branca, amor. Te quero paz.
Perdoa a minha cegueira. É que a trave no meu olho é a única que não enxergo, ou não quero enxergar.


Daniela Altmayer