domingo, 26 de julho de 2015

O nome disso


Que nome tem isso, que não passa junto com todas as outras coisas que com o tempo passam?
Passa o tempo, passam estações, passa quase o ano inteiro. 
Passam novas pessoas, passatempos.
Pálidos reflexos, cafés sem nexo, beijos curtos.
Estranhos sem duração sem importância sem sentido.
Permitidos indevidos.
Sexo desconexo, palavras breves, desconhecidos, passageiros.
Passa tudo, passarelas, passarinhos, beija-flor. Batem asas.
Passa o calor, vem o frio, vento frio. Passa a dor. 
Só isso não passa, isso que nem nome tem, que nem o nome sei.
Isso, que não sei o nome, que sabe tanto de nós, que sabe tudo de mim.
Que nome tem isso, que não é pouco, nem muito, é mais, não é nada, e nem é só uma saudade, porque vai muito além.
É árvore não fruto, causa não consequência, de uma outra coisa ainda maior mais imensa.
Da lágrima cansada, de saudosa intensidade, de um minuto eternidade.
Que nome tem isso, que persiste, presente. Que pressente, consiste, defende e fere?
E lambe e cura, a fenda, a ferida.
Que se esconde, se afasta, aproxima, não desiste?
Não desiste, não passa... Não passa.
Outro quarto de hotel, outro corpo encaixado, outro gozo compartido.
A outra parte de ninguém.
A mesma pele, a mesma pele, o sorriso. O tempo, parado. Detido, derretido.
Em quem?
Que parte de mim, fora eu inteira, é feita dessa essência que se adivinha completa apenas numa outra frequência? 
Que parte de nós é essa insistência, de não deixar passar isso que não tem nome, e que, eu sei, é maior, muito maior do que qualquer coisa útil, e que por isso mesmo é a coisa mais inútil que você pode querer, e é bonita e triste, como só as coisas muito inúteis sabem ser.
Como só aquilo que você deseja e que não pode ter.
Que nome tem isso, a presença constante dessa ausência, desse nada, do tudo que não podemos viver?
Que nome isso tem?
Nomes nunca nos importaram, talvez sim. Não importam, agora.
Se fomos condenados por saber e não saber. Presos.
(Por casa ou muro ou grade ou gaiola. Por jaula, ou escolha).
Proibidos nos tornamos. Proibidos estamos, de estar.
Impedidos de passar. Impedidos de esquecer.


Dani Altmayer

domingo, 12 de julho de 2015

Carta para Isabella ( let it go)


Era uma vez uma menina cor de rosa que não gostava de usar calça, só saia "que rodava".
Era uma vez uma princesa pequenina, uma pequena bailarina, uma teimosa dançarina.
Era uma vez uma guria artista, de batom na boca e sorriso nos olhos, que amava uma história inventada.
Era uma vez uma criança muito amada, que fingia sujar o vestido só pelo gosto de usar roupa nova.
Era uma vez uma inglesinha que falava bem português, e cantava misturado, a música que fala de liberdade e de amor, de ser quem se é e de deixar ir o que não for.
Era uma vez uma artista princesa menina, cor de rosa e bailarina.

Hoje essa guriazinha faz três anos de idade. Uma mocinha compenetrada, que aprecia uma boa conversa, e gosta demais de uma festa.
Isabella, linda como a ilha onde mora, doce como um sorvete de chocolate, que adora.

Estava pensando no que te escrever dessa vez, Bella. Aí fui ouvir a música que é a trilha sonora da tua breve vida, para me inspirar. Resolvi então, dar uns conselhos de tia. Eu sei que conselho é coisa de gente chata, e você nem pediu. Mas vou falar mesmo assim. Porque te amo muito, o que é sempre uma boa desculpa. ( E uma grande verdade)

- Você não precisa ser a menina boazinha que "eles" querem que você seja. Você deve ser sempre quem você é, por dentro. Por dentro é bem mais importante do que por fora. Porque só por dentro é de verdade, o resto é cenário e fantasia. Muda a todo instante.
- O mundo pode ser um lugar frio, por vezes cruel. Cheio de tempestades de neve, e tal. Mas se a tua casa de dentro tem calor, tudo bem. Você sempre vai ter para onde voltar. E o frio não vai mesmo te incomodar.
- Você vai ter muitos medos, ainda. É normal, a gente sempre tem. Para o resto da vida. Mas não deixa eles te controlarem, meu bem, quase nunca. Toma distância, faz as tuas escolhas baseadas no amor, não no medo. Sempre, ou na maior parte das vezes. (Porque sempre é uma palavra que não existe, assim como nunca). E tenha bastante coragem, para se bancar, e mudar, quantas vezes seja preciso. Em frente, enfrente. 
- Ultrapassa tudo o que te limita, tudo o que tenta te impedir de ser, ou viver. Tipo a opinião dos outros. Os outros sempre tem opinião, mas nem sempre eles tem razão. Segue teu coração, e a tua própria razão. Nunca vai dar errado ouvir a intuição. Anda com teus próprios sapatos, não pede emprestado. 
- Você ama o rosa, mas sabe que tudo bem gostar de azul. Você agora sabe que cada um é de um jeito, ninguém é perfeito, nem mesmo você. E nem precisa ser, não vai depois esquecer. Você é única, especial. (Como todo mundo é ). Igual ou diferente, é a tua vontade, o que você escolher.
- Mas, por favor, escolhe sempre a liberdade. Em todos os níveis, de todas as formas. Não tem coisa melhor no mundo do que "livre estar." Livre para amar quem preferir, para dançar mesmo sem saber, para cantar só porquê. Para ter defeito, e não ter. Para ser, e não parecer. (Parecer não tem nada a ver.) Seja livre para não olhar para trás, e se arrepender. Aliás, nunca se arrependa. É desse jeito que a gente aprende, errando.( Por toda a vida). Pedindo perdão, se perdoando. Não tem outro jeito, não. Às vezes a gente faz a maior confusão, tem até vontade de chorar. E tudo bem, chorar. Faz parte, também. Afinal, emociona, viver.
- O que tiver que ser, será. Não tenta controlar, é inútil. Respira. Pouca coisa permanece, e quase tudo muda, com o tempo. Menos o que é importante, isso fica. Lembranças, memórias, algumas saudades. Sorrisos e afetos imensos, esses jamais saem de cena. Nem perdem valor. O resto é um vai e vem, inconstante. Incessante, chegar e partir.
Deixa vir, deixa ir. Deixa ir... meu amor...
Deixa ir, porque a vida é feita todinha de coisas assim, que vão e que vem.
Como flocos de neve que caem ao chão.
Como um balé esquisito, de bolhas de sabão.
Uma gangorra que sobe, depois desce, depois sobe. De novo, e de novo, eternamente.
Feito um balanço bom, que (nunca) tem fim.

Happy birthday, sweetie!
Seja feliz...quase sempre. Mais sempre do que nunca.
Com amor,  da tia Dani ( tiDani)


https://youtu.be/L0MK7qz13bU




domingo, 5 de julho de 2015

Apaixonada por impossíveis


Vários. Em um.
Um amor invulgar. Fora de tempo. De lugar.
Um amor interditado. Interrompido. Desabastecido.
Amortecido. Amordaçado. Esfarrapado.
Um amor desencontrado.
Um amor mendigo. Indigente.
Falido. Fálico. Pervertido. Cheio de defeito. Escondido. Mutante.
Um amor não correspondido. Perdido.
Secreto. Segregado. Proibido. Imperfeito. Partido. Indeferido.
Um amor desfeito. Relegado. Abandonado.
Um amor de instantes. De eternidades.
Platônico. Isolado. Improvável.
Único. Insubstituível. Gigante.
Inesquecível.
Mas não impossível.
Amor, amor, amor.
Amor, meu estranho perfeito.
De onde vens, que te cabem tantos adjetivos?
Amor é amar, de qualquer jeito.
E nenhum amar é nunca errado.
Ainda que errante, diferente.
Ainda que alguns amores apenas não sejam possíveis.
(Como o meu por você, viajante.)
Como vários, aliás. Não passíveis de.
Ainda assim.
Nenhum amor é impossível.
Que amor assim impossível é igual príncipe encantado ou sapo falante.
Não existe, fora do conto de fadas.
Fora de mim, de você, da gente.
E qualquer amor assim, possivel, ainda é um pouco melhor do que nada.
Talvez.


Dani Altmayer


quarta-feira, 1 de julho de 2015

De olhos bem abertos



O Amante

Quando a Laura falou da venda, topei na hora. Não que a gente precise dessas coisas, o sexo é sempre ótimo. Topei porque ela topa todas, nunca vi, que mulher mais disposta. Não tem posição ruim, não tem fantasia impossível, não que a gente precise de fantasia, não precisa mesmo. A gente não precisa de acessório, tem pele, cheiro, carne, boca. E que boca mais gostosa tem a Laura. Outro dia ela me chupou no carro, a caminho do motel, muito bom.
Ela levou a venda em nosso último encontro. Primeiro ela colocou em mim, no início achei esquisito não poder abrir os olhos, ela ria, e dizia " fica quietinho, relaxa". Relaxei, e ela foi me cheirando, me tocando, bem de leve. Tinha olhado um vídeo de sexo tântrico no YouTube, a Laura curte essas coisas indianas. Depois de me tocar, eu já estava bem duro, ela me beijou por tudo. Em algumas partes se demorou mais... Eu estava quase explodindo, e ela dizia: "segura." Quando percebia que eu ia gozar, se afastava e pegava um gelo, passava na minha nuca. Uma loucura, esfriava na hora. Ela me explicou que era para retardar o orgasmo ao máximo. Não sei como, mas funcionou.
Depois foi a vez dela por a venda. Ela ainda estava vestida,  eu tirei sua roupa devagar, apreciando aquele corpo delicado, os seios pequenos. Quem vê não diz do que essa mulher é capaz. Ela sempre usa lingerie branca e tem um perfume bom, doce, cheiro de sexo. Acariciei seu corpo, mordi, lambi, ela gemia muito. Aquilo me deu o maior tesão. Não resistiu quando abri bem suas pernas e a beijei, gozou forte. Adoro vê-la gozar, se contorcendo, só para mim. Agora era eu quem não aguentava mais esperar. Deitei sobre ela, arranquei sua venda, e pedi que ela abrisse os olhos, para acabarmos junto, de novo, bem gostoso.
Para falar a verdade, eu curto mesmo é poder olhar. Mas foi até bem legal o lance da venda. Não que a gente precise dessas coisas. Nosso sexo é incrível, ela gosta de tudo comigo. E eu retribuo. Gosto de fazer a Laura feliz.


O Marido

Não entendi a história da venda que a Laura inventou. Aceitei para ver no que dava, coisa rara ela estar a fim de sexo. Tem sempre uma desculpa, uma dor de cabeça, uma cólica, sono. Ela não gosta muito da coisa mesmo. Até aquele livro, Cinquenta tons, eu dei um tempo atrás, para ver se atiçava. Ela se recusou a ler. "Muita asneira." Agora veio com esse papo, deve ser coisa da aula de yoga, essas bobagens de sexo tântrico. Desde quando, sexo é coisa sem frescura, eu acho. Mas enfim, na seca que a gente anda, se for para ser com venda, tudo bem. Até amarrado. Foi o que disse para ela.
Ela quis colocar primeiro em mim, que coisa bem esquisita isso de não poder enxergar, dá a maior aflição. O quarto estava impregnado do perfume enjoado da Laura, mais incenso e velas (outra frescura), e comecei a espirrar. Rinite. Reclamei, e ela apagou o incenso. Começou me cheirando e tocando bem de leve. Deu cócegas, não aguentei e desatei a rir. Ela se irritou e arrancou a venda dos meus olhos. Achei que ia desistir, mas não. "Faz você, em mim", ela disse.
Ficou ali deitada, magrinha, de lingerie preta. Há dois anos eu quis pagar um silicone, recusou. Coisa de mulher intelectual. Parecia o Zorro, e eu continuava com vontade de rir. Mas me segurei, e comecei a fazer carinho nela, apalpar, tirei sua calcinha. Ela abriu as pernas, fui entrando no clima."Mais devagar, mais suave."
Quantas vezes, de madrugada, acordei com vontade, fui me chegando "suavemente", e ela me empurrou, furiosa? Perdi as contas. Agora quer suavidade, tá bem. Pura invenção, essa venda. Sexo para mim é básico, simples, uns beijos na boca, uma chupada (dela), penetração e deu. Mas mulher tem essa mania de complicar.
Fiz como ela pediu, fui mais devagar, beijei, toquei, acho que funcionou, porque não demorou e ela arrancou a venda dos olhos, subiu em mim, morrendo de tesão e pediu: "acaba logo com isso. "
Foi bom, eficiente, gostoso. A gente não precisa mesmo dessas besteiras, dessas fantasias, é só a Laura estar com vontade.
O que até agora não entendi foi o balde com gelo, nenhum de nós estava bebendo. Ela também não quis explicar. Virou para o lado e dormiu.

Dani Altmayer

(Exercício para oficina de escrita criativa, última aula do semestre. Um objeto e dois diferentes pontos de vista)