quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Meus desejos para 2021


 A sorte de um ano tranquilo, com sabor de vacina aplicada, nós no embalo da vida, algum dinheiro pra dar garantia, a paz de um amor bom, de muitos amores ótimos, a doçura infinita dos amigos, muitos abraços apertados e sorrisos abertos, um mar de águas mais calmas, marinheiros de tempestade já somos, muita ciência e seriedade, e paciência, e disciplina, e cuidado, auto e hetero, tolerância e paciência, paciência de novo e sempre, porque a virada do calendário não vai virar mais nada, por decreto ou por milagre, o ano que nasce amanhã ainda vai nos exigir álcool em gel e máscara e muita empatia, e muita paciência, em doses altas e eficazes, que o nosso melhor remédio continue sendo a prevenção contra o vírus, a ignorância, a maldade, o descaso e o desamor.

A sorte de um ano bom, e se não for, a sorte de sermos muitos e estarmos vivos, e juntos, mais fortes.
Para 2021, desejo cura, paz, amor, saúde.
E muita paciência. 

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Vê se não vai demorar

 






Para não dizer que não falei das flores, em meio a tantas dores, eles pensam que a maré vai e nunca volta, olha a voz que nos resta, vem, vamos embora, esperar não é viver, quem sabe faz a hora, mas quem sabe o quê, se as rosas não falam, se as narrativas nos calam, confundem, nos batem com suas botas sujas de lama de medo, Terra, o que fizemos contigo, nossa casa, nós os errantes navegantes, predadores de teu glorioso esplendor, gente é outra alegria canta o poeta, ele está errado e certo, o homem é o lobo do homem, poesia é o que nos resta para passar para o outro lado, a travessia deste ano inesquecível, mascarado, marcado, que não termina por decreto do tempo, este senhor tão bonito, compositor de destinos, o tempo que ficou suspenso e não, viver e não ter a vergonha de não estar feliz, nós os eternos aprendizes de uma lição que nunca será ensinada, somos uma gota ou mistério profundo, sabe lá, sabemos quase nada e podemos tão pouco, sozinhos, juntos podemos tanto, não tudo, farol na escuridão,  lanterna dos afogados, há uma luz no fim do túnel, porque a vida é curta e a noite pode ainda ser longa, mas sempre haverá um nascer do sol, enquanto houver sopro. Enquanto houver sol, haverá de existir um caminho. Basta poder se ajudar.



Não é verdade que não aprendemos nada, não.
A gente este ano aprendeu a fazer pão, a lavar a mão, a ser doação.
A gente aprendeu a parar e ficar por dentro, a buscar novas formas de encontro, a ser mais atento. Mais alento.

Foi um ano desafiador, e eu agradeço a todos que estiveram comigo neste 2020.
Deixo aqui minha homenagem e minha gratidão especial para os meus amigos e queridos colegas que trabalham na área da saúde, todos sem distinção. Vocês são mais que heróis, são super.
Só quem estava ali, dia após dia, sabe.
Obrigada por, mesmo cansados, não desistirem nunca.
Que venha um bom ano, um ano melhor.
Para toda a humanidade.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Alinhamentos e reencontros


 

Então é Natal. Ou quase. Na maior praia do mundo eu escrevo na areia palavras soltas, desejos desenhados com os dedos do pé:
Paz, cura, saúde, amor.
À tarde assisto na casa do pai ao documentário AmarElo, do maravilhoso Emicida, e ele me ensina e me comove, ele fala de esperança. Que tudo, tudo, tudo que nós tem é nós.
Nós e nossos laços de afetos, frouxos ou apertados na garganta deste ano insano, histórico, que desfez tantos planos, que nos levou tanto e tantos, que escondeu os sorrisos sob as máscaras, que desvelou tanta gente, um ano de medo e cansaço, de incansável trabalho, de impensáveis angústias e saudosas ausências. Um ano de rompimentos, e eu queria muito poder dizer, de aprendizados, mas eu ainda não sei o que vai ficar depois de tudo.
Só sei que é urgente o amor. Alguma (r)evolução. Que é tudo para ontem.
E que a chama da esperança precisa ser acesa a cada dia, de um jeito ou outro.
Chegamos vivos até aqui, e isso não é pouca coisa.
A vista da Lagoa dos Patos me faz chorar. Rio Grande me põe comovida feito o diabo. Amo o Cassino e até seus ventos e o frio estranho das manhãs.
Abraço o pai depois de dois testes negativos e uma breve quarentena. Abraço meu pai pela primeira vez em 2020. Ao fim de 2020. E sou imensamente grata.
Tudo que nós tem é nós. É isso que mais importa.
É quase Natal, e meu desejo tem 4 palavras: paz, saúde, amor, cura.
Cura individual e coletiva.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

O escritório da casa velha

 


O escritório da casa velha

O abajur sempre aceso o cheiro de madeira e cigarro a escrivaninha escura de mogno o carpete puído
as estantes até o teto a barsa laranja a coleção de revistas geográficas os livros proibidos nas prateleiras bem de cima as gavetas repletas de cadernetas e segredos os dedos rápidos da mãe na máquina de escrever o atlas de medicina do pai aqueles olhos vermelhos aqueles corpos estranhos os enfeites as tapeçarias mexicanas um berimbau um cachimbo o cinzeiro de pedra as baganas a coleção de pesos o abridor de cartas os envelopes rasgados a nossa senhora em madeira a bíblia aberta em papel de seda aquelas gravuras bonitas as canetas douradas um globo onde habitavam dinossauros e caravelas aventuras naquela ilha perdida era eu a descobrir a soma das letras e um mundo inteiro que só cabia ali.

sábado, 12 de dezembro de 2020

Luto






Sete horas da manhã e o suor escorrendo na nuca, touca, avental, máscara, óculos, luva, álcool, mais um plantão.

Porto Alegre quarenta graus, faz dezembro, já vai ao meio, findando este ano estranho de números redondos, de números indecentes, cento e oitenta mil e contando. Cento e oitenta mil mesas brasileiras onde vai estar faltando alguém e a saudade tanta está doendo em si.

Os números assim postos, estratosféricos, gráficos que sobem, descem sem convicção, sobem novamente, e o cansaço de fim do ano, tudo trocado de lugar, coração e corpo e descrença, tudo posto junto e ao contrário, e mais a falta que um bom norte nos faz, todo o desenho aponta o desastre, porque quando eu não te humanizo eu faço o oposto.

Quanto tudo é numeral, eu que detesto matemática, e não sei fazer a conta, eu deixo de te enxergar. Em respeito aos milhões, milhares, centenas, mas principalmente em respeito a cada unidade, a cada indivíduo, a cada amor de alguém que perdeu a vida, a saúde, a sanidade, um amigo, uma família, a quem ficou sem rumo e sem chão nesse terrível 2020, deixo meu sentimento, meu profundo pesar, um abraço apertado.

Tua dor é tua. Minha. Minha dor é tua. 

Seguimos. 

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Serendipidade


 

Uma vez em uma vida acontece
ele chega fazendo ninho sem cerimônia ele
se enfia entre os lençóis
edredom de plumas que cobre
acolhe sem pesar
os avessos cotidianos

travesseiro de conversas perfumadas
de soslaio olhares de sol pela fresta da janela em dias de chuva
entre vivas e gozos e poemas e lágrimas
sem lástimas sem sonhos recortes
ilusórios retalhos sem borda
colcha da realidade fugidia

em algodão de linhos envolta por brumas e lavandas
a lenta descoberta do prazer e a dor
de se estar sempre
nua



domingo, 6 de dezembro de 2020

Dezembrite

 



Dezembrite (na pandemia)

A tarde se esvai no cinza deste dia
feito a fumaça distante
numa chaminé imaginária

é aniversário de um amor ao longe

eu busco adjetivos que definam e não traiam e não digam
mas toda palavra é asa e corrente
limita livra acoberta uma outra coisa que não cabe

tem alguém cantando em algum lugar não aqui
aqui toda festa foi cancelada e o vento corta o silêncio triste dezembro
de um ano que também se esvai

um ano que não vai terminar
neste exato instante
só os pássaros sabem cantar a pungente urgência

só eu sei
que todos os afetos adormeceram
e também as melodias

mas chove agora

Daniella Altmayer

(o poema que nasce da tentativa do poema)

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Mirtilo





Um punhado enfio na boca

enrolo na língua mastigo
pequenas explosões azuis

gozo azedo em gostos sutis
agridoce como tudo que há
como
tudo

que amo