quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Não presta

  "Não presta colar coisa quebrada". Entre tantas outras coisas que não prestam, como porta de armário aberta, bolsa no chão, sapatos virados, passar embaixo de escada e etc.
  Se presta ou não, eu não sei. A gata, que é maluca até no nome (só para constar, não é preta, tá?), acabou de quebrar um patinho de cristal que foi da minha mãe. Mas não vou colar. Não porque dê azar ou algo do tipo, não acredito em sorte ou azar. Não vou colar porque as coisas, depois de quebradas, se modificam. Não voltam de jeito nenhum à forma original. Por mais meticuloso que você seja,  nunca mais será o mesmo vaso. Ou o mesmo pato. Nada que se quebra se conserta colando. Já tentei, muitas vezes, e o resultado foi sempre um objeto remendado. Parece óbvio, mas às vezes não é. A gente gosta tanto, mas tanto de uma coisa que quer que ela permaneça, mesmo que meio estropiada, um pedacinho faltando, enfim , ao menos ela está ali. Já não tem uso ou função, a beleza se foi, mas, por apego, ou costume, deixamos na prateleira, fazemos vista grossa aos remendos, negamos a realidade de que aquilo de que tanto gostávamos já não existe mais. Foi embora naquele dia, quando caiu e se espatifou em mil pedaços. Naquele dia  quando choramos, inconformados, e catamos um por um os caquinhos, para remontarmos tal qual quebra cabeça depois. Colamos e deixamos ali, na estante, ocupando espaços, impedindo o novo. Energia estagnada. Já fiz muito isso. Nunca prestou. Simplesmente existem momentos em que só o que podemos fazer é botar fora mesmo, tacar no lixo, sem dar  maiores significados. Deixar ir.
   Por outro lado,  tem algumas vezes em que o material é tão bom, tão bonito e valioso que, mesmo em pedaços, você consegue ver. Que vale a pena. Não consertar. Não tentar voltar ao que era. O que era, já foi, passou, não tem conserto. Isso eu já aprendi, que não adianta chorar sobre o vidro quebrado. Não remendar, ou colar, mas pegar todos os pedaços daquela coisa tão preciosa e transformar. Criar algo totalmente novo. Fazer arte com aquilo. Inventar. Investir. Tentar fazer diferente, totalmente diferente. Achar a melhor forma, e reaproveitar. Acredito que dá para fazer , sabendo que nunca será o que era. Mas que poderá ser até melhor, quem pode dizer que não? Um novo começo, uma segunda chance. Pode dar trabalho. Mas pode ser possível. Desde que você queira muito. Desde que se  reconheça o que realmente tem valor. Desde que valha a pena reciclar.  Agora, preste atenção, olhe muito bem, reconheça. Porque o resto, o resto é  apenas lixo, na grande maioria. Lixo comum. Pode jogar fora, sem pena. "Não presta,  não mais."

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Qual amor?


amor
a.mor
sm (lat amore) 1 Sentimento que impele as pessoas para o que se lhes afigura belo, digno ou grandioso. 2 Grande afeição de uma a outra pessoa de sexo contrário. 3 Afeição, grande amizade, ligação espiritual. 4 Objeto dessa afeição. 5Benevolência, carinho, simpatia. 6 Tendência ou instinto que aproxima os animais para a reprodução. 7 Desejo sexual. 8Ambição, cobiça: Amor do ganho. 9 Culto, veneração: Amor à legalidade, ao trabalho. 10 Caridade. 11 Coisa ou pessoa bonita, preciosa, bem apresentada. 12 Filos Tendência da alma para se apegar aos objetos. Antôn: aversão, ódio. sm pl





Estas são algumas definições de amor segundo o dicionário Michaelis.Há várias outras, acredite. De onde se conclui que se o amor tem tantos significados, ele deve significar muito. Uma dedução assim, digamos, brilhante. E se os Beatles estavam certo, e tudo o que queremos é amor- e arrisco dizer que em última análise é mesmo- por que somos tão incompetentes neste assunto? Não é uma ironia que absolutamente todo ser , humano ou quase, busque incessantemente este estado/sentimento/qualquer coisa parecida e que quase todos os seres, humanos ou nem tanto, se atrapalhem desta maneira nesta busca? Fazem as coisas mais malucas e põem a culpa no pobre amor. Até matam,e ainda dizem que é em nome do amor. Criamos verdades, escondemos mentiras, criamos mentiras e encobrimos as verdades, na tentativa de acertar e erramos tanto. Somos personagens meio patéticos de uma peça esquisita, onde não o amor, mas o medo de amar é o astro principal. Todo frio na barriga, todo coração disparado, não são os mesmos sintomas do medo? Quando eu era mais nova, tinha um sonho recorrente em que de alguma forma, me via nua em plena rua, acordava no susto. Quem nunca teve este sonho? O medo do amor é o medo de ficar nu. De ficar vulnerável. Exposto. Por isso colocamos peças e peças de roupas e inventamos figurinos, não só para impressionar, como para disfarçar. Nossos eus imperfeitos, que vai ver não achamos dignos de tão nobre sentimento, este tal amor. E fazemos exigências absurdas, mas é por amor. Sentimos ciúmes, por amor. Queremos controlar, por amor. Afastamos o outro, por amor. Que amor nada, é medo. Medo de que o outro nos descubra, nus, vulneráveis, entregues. E machuque, ria de nós, nos exponha. É um não confiar tão grande que acabamos nos tornando personagens que não existem, além de nos apaixonarmos por personagens que também não existem. Quanta confusão por medo e falta de confiança, no outro e em mim. Que encontros podem acontecer com tanta roupa e tanta máscara e tanto cenário? Não sei. Mas sei que todos nós queremos participar. Pertencer. Ficar sem roupa e tocar pele com pele. E todos, conscientemente ou não, precisamos de amor. Qual amor? Estou longe de saber a resposta. Mas de uma coisa eu sei: esta resposta não está no dicionário

domingo, 26 de agosto de 2012

Nada

Domingo, chuva, friozinho. Casa cheirosa. Banho quentinho, sem pressa.
Nada para fazer, tudo feito. Pipoca e bolo novinho. Um filme bem leve.
Chimarrão. Uma gata, um cachorro, um sofá ocupado.
Por todos eles, mais um adolescente. Calmo.
Uma visita querida. Um papo bom. Matar a saudade.
Um corpo saudável. Em forma. Sem dores.
Um coração forte. Cicatrizando. Quase sem dor.
Uma mente em paz.
Quietinha.
Uma simplicidade.
Não fazer. Nada.
Nada para fazer.
Não precisar mais nada.
Uns chamam de tédio.
Eu, felicidade.

Medo de água fria

Gato escaldado tem medo de água fria. Eu e os ditos populares, sempre com um na cabeça. Fazer o que, se é sabedoria, ainda que popular? E deve vir de um tempo em que o povo ainda pensava, acredito que sim.
Bom, mas voltando ao gato, como é verdadeiro isso. Quanto reflexo condicionado levamos ao longo da vida? Reflexos que vamos adquirindo, um a um, com nossas experiências, as boas e as ruins, e vamos guardando em caixinhas como se fossem peças de coleção. Memórias que ficam armazenadas em nossos cérebros, prontas para serem usadas a qualquer momento. Memórias, conscientes e  inconscientes, que ditam nosso comportamento na maior parte do tempo, sem nem mesmo percebermos. Muitas vezes uma palavra, um gesto, um cheiro, ativa esta lembrança e agimos de forma automática, reagindo exatamente da mesma forma, repetindo padrões incessantemente. E depois ainda reclamamos, porque isso sempre acontece comigo? Ora, porque você assim pediu, acredite.Outra frase bem batida é que não se pode fazer sempre a mesma coisa e esperar por resultados diferentes. Batida, mas verdadeira. O problema aqui são os condicionamentos e as crenças que vamos incorporando no decorrer do tempo, sem ao menos pararmos para questionar o quanto de verdade existe ali. Porque as coisas mudam, né, o tempo todo. Naquele dia a água estava quente, hoje está morninha, amanhã pode estar fria. Mas não, a gente não quer nem saber.Toma como verdade, e pronto. Nem pensar em colocar o pé devagarinho, e experimentar a temperatura. Arriscar um pouco.Nada disso, já saímos correndo, com medo da queimadura.
Levamos estes condicionamentos também e principalmente para nossos relacionamentos. Esquecemos de estar atentos e observar, perceber que ninguém é igual a ninguém. Generalizamos, trazemos dores passadas, e pronto, ninguém presta. Está acontecendo de novo.  Ele sempre faz isso, ela sempre faz aquilo. Eu sabia que não ia dar certo.Claro, né, você faz tudo para que não dê,  para confirmar sua crença.Ele demora para ligar, você lembra do outro que sumia por 15 dias, e pronto, arma o maior barraco. Briga com o coitado, que só estava dormindo, tranqüilo.  Faz drama. Sente-se abandonada. Ferra tudo, mais uma vez.Até pode ser que você atraia sempre a mesma história para a sua vida, e ela se repita em ciclos, mas ainda assim, você é quem a está criando. Com suas memórias condicionadas, sua falta de atenção, seu medo de água fria.
O medo é protetor, na medida certa. Alguns reflexos condicionados são importantes. Não tocar no fogo, por exemplo. Não atravessar a rua sem olhar para o lado. Não embarcar naquela canoa que você já viu, está toda furada. Mas não é deste medo que falo.Este é um medo amigo, bem dosado, e se chama equilíbrio.Falo do medo inconsciente, viciado, que te impede de mudar e viver plenamente. Experimentar o novo. A liberdade de fazer diferente, a cada instante.
E, antes que você diga, falo primeiro: não, eu não acho que é fácil. Se desfazer de crenças e perder medos requer muita coragem. Muita vontade. Percorrer novos caminhos, aceitar desafios, e olhar bem no fundo dá um trabalhão mesmo. E nem sempre é bonito. Mas pode valer a pena.Prestar atenção. Libertar-se de antigos padrões e parar de repetir. Porque, como diz outra frase também conhecida: figurinha repetida não completa álbum. Sabedoria popular.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

É sempre assim

                                                                 
                                                      É sempre assim

                                                        Você espera,
                                                         Espera
                                                         e espera,
                                                          muito.
                                                        Nada.
                                                        Um dia você cansa.
                                                        Esquece.
                                                        Esquece de esperar
                                                        Se distrai.
                                                        E acontece.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Do chão não passa

E tem um ditado que diz: quanto maior a altura, maior a queda. É verdade, claro, considerando-se que haverá uma queda. Porque pode não haver, né? Você pode conseguir o equilíbrio perfeito e nunca cair. Ou você pode não ter o equilíbrio perfeito, e ainda assim conseguir ficar, de um jeito ou outro. Mas considerando-se que seja inevitável o tal tombo da maior altura,o que você faz? Desiste de subir? Fica quietinho na segurança do seu chão? Não arrisca? E se a paisagem lá em cima for imperdível, e linda, e te deixar sem fôlego? Ainda assim você prefere ficar, tem certeza?
Às vezes, quando sinto muito medo, escolho não subir. Prefiro permanecer na minha zona de conforto, onde eu conheço os caminhos e onde, se eu cair, será tropeçando nos meus próprios pés. Já outras tantas vezes eu arrisco, com o palpite de que vale a pena. A subida, tão alto. Subo sabendo do risco, sem me importar muito.Subo apesar do medo. Subo pelo prazer do vento na cara, pela vista que se descortina. Pela adrenalina. Para me sentir viva. E vivo cada minuto, desfrutando o sabor de  estar lá em cima. Mesmo sentindo medo, mesmo sabendo que a queda pode ser feia. E que posso me machucar muito. Mesmo sabendo disso, muitas vezes eu arrisco. Porque vale a pena.
E dessas vezes não me arrependo, nunca. Mesmo estropiada e toda quebrada, não lamento. Porque coração e osso partido tem conserto, isso já aprendi.Tem cura. O que não tem conserto e não tem cura é uma vida pela metade, um amor perdido por medo, a paralisia. A morte.
Essa não tem conserto nem volta. Viver é correr riscos, e, como diz outro ditado, quem está na chuva é para se molhar. Medo de cair? Do chão não  passa. Além disso, nunca se sabe. De tanto subir, você pode aprender a voar.

Dani Altmayer

sábado, 18 de agosto de 2012

Uma carta para JP

Esta carta foi escrita em 13/02/2004, achei em uma de minhas arrumações, em um receituário já amarelado de uma empresa que nem existe mais.Ele tinha três anos e meio. Transcrevo para o blog, para que não se perca no tempo, como tantas outras coisas... O legal de escrever é isso, poder reler um tempão depois e recordar momentos da vida.  Aqueles pequenos detalhes que se perdem na memória.E ver que o tempo só acrescentou a este amor mais amor, se é que é possível.O maior amor de todos. Feliz aniversário, JP!

Para meu menino dos olhos de água
( Porto Alegre, 13/02/2004)
Outro dia me fizestes a seguinte pergunta:"Por que todos me amam?" Estás na idade dos porquês, e perguntas tudo, o tempo todo. Mas esta pergunta, em especial, me tocou. Primeiro, porque é verdade, todos te amam, muito. E segundo, me fez pensar na resposta. Quase respondi que era porque eras lindo, com esta cara de anjo endiabrado, uma boca maravilhosa que se abre em sorrisos do tamanho do mundo, o tempo todo. Ou que era por causa dos teus olhos, lindos, olhos de água. Olhos azuis, transparentes, que se perdem dentro da gente. Que nos deixam perdidos de amor quando olhas, do jeito que costumas fazer, bem dentro da nossa alma. Ou que era porque és um menino inteligente, rápido nos questionamentos, nos argumentos, no uso da linguagem, que já dominas tão bem desde um ano e pouco de idade.Ou ainda, porque és amoroso, perceptivo, carinhoso. Enfim, as razões são muitas para "todos te amarem". Pensei em todas elas, mas respondi diferente. Percebi o pouco que este tanto poderia ser. E respondi para ti que todos te amavam, porque eras "tu", especial e único para cada um de nós. E isso simplesmente por SER. Por existir.
Não te amamos por este ou aquele motivo, por algo que fazes ou deixas de fazer, por ser feio, bonito, inteligente ou não. O simples fato de existires já basta. e vou falar agora por mim, como mãe, que te amou desde o primeiro instante, naquele dezembro de 1999, (século passado), quando soube que ias chegar. Te amo desde lá, te amei  já naquele dia, sem ter a menor idéia do que me esperaria meses depois.
E é isso que quero que leves para o resto de tua vida.Este amor incondicional que aceita, que não depende de nenhum fator externo, que celebra a vida apenas porque este é o maior dom que a gente pode receber. A vida, que vejo transbordar de ti, que está sempre celebrando,que tem uma energia incrível e um amor gigantesco. Que estes olhos de água mantenham esta pureza, esta inocência, este saber, mesmo depois de ter visto e vivido muito. Que a tua essência, que é o amor na sua forma mais pura, permaneça sempre contigo. Não me deixa te estragar, não deixa a vida, os outros, roubarem isso de ti. Não esquece do teu valor. Lembra do valor de ser. Do SER. Lembra que te amamos tanto, mas lembra, principalmente, que o maior de todos os amores sempre vai ser o teu amor próprio. Teu, meu amor, por merecimento,o teu amor.





sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Gripe?

Parece que o corpo tem uns 100 quilos, praticamente o dobro do seu peso. Está difícil de carregar a si mesma para lá e para cá com este peso todo. Principalmente porque quase não consegue comer. Sente- se fraca e pesada ao mesmo tempo. Dói cada músculo, cada osso, dói até a pele. E pesa, pesa muito. Levantar-se, vestir-se, sair e trabalhar, tudo pesa. Faz, mas com esforço. Segurar o choro pesa, muito. Faz uma força danada para falar normalmente, para articular as palavras, para entender o que falam. A cabeça está vazia, mas pesa muito, e ela se move como um zumbi, com os olhos abertos sem ver nada. Os olhos também estão pesados, ardidos, vermelhos. Está pesada, e dói tudo, e não, não é gripe.Não está gripada, só está doendo.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lembrar de esquecer

Pelas manhãs era pior. Ela acordava, nem mesmo abria os olhos e lembrava. Lembrava que precisava esquecer. E sentia aquela dorzinha chata do coração apertado. Lembrando que tinha um dia inteiro pela frente para esquecer. E pensava que era estranho, em que afinal ela pensava antes de precisar pensar que precisava esquecer? Antes de ocupar as vinte e quatro horas de seu dia pensando nisso, ela pensava nele, todo dia. Mas e antes dele, em que ela pensava? Não conseguia lembrar. Mas precisava. Para poder esquecer.Esquecer de ter vontade de pegar o telefone e dizer bom dia. Esquecer de checar as mensagens a cada dez segundos. Esquecer de querer contar para ele que ele tinha razão, que a gata tinha caído da janela. Esquecer de querer contar para ele qualquer coisa. De querer ouvir ele contar qualquer coisa. Esquecer dos apelidos carinhosos e das palavras doces . Esquecer que ele podia ser muito chato, às vezes, mas mesmo assim ela gostava, muito.Esquecer o modo como ele adivinhava, mesmo longe, como ela estava se sentindo.Como ele a conhecia bem. Esquecer para lembrar como era antes. Para se sentir como antes. Sem dor. Sem aquela dor matinal, que durante o dia, na distração do cotidiano, ela disfarçava com um sorriso triste. Sem aquela necessidade de fingir. Que era madura e entendia, quando na verdade tudo o que ela queria era deitar no chão, esperneando como uma criança, tendo um ataque de birra, e dizer que não, não entendia merda nenhuma. E chorar. Ela queria chorar, mas não podia.Não tinha tempo. E ela não queria ouvir aquelas frases feitas, de que a vida segue, e se for para ser  teu, e etc, porque ela sabia disso tudo, já tinha falado isso tudo para outras pessoas, milhões de vezes, mas ela nem acreditava muito.Paliativos. Ela não acreditava em mais ninguém.Estava desiludida. Só queria esquecer cada detalhe, e só o que fazia era lembrar.De cada pequeno detalhe.Afinal, tudo era detalhe, do começo ao fim. E, se fosse verdade que o tempo cura tudo, ela queria que o tempo passasse bem rápido, e já fosse amanhã, daqui a uma semana, três, quatro, sei lá quantos meses. O suficiente para ter esquecido de lembrar que precisava esquecer. O suficiente para secar suas lágrimas, tirar o sorriso falso do seu rosto e fazer com que as manhãs voltassem a ter sabor de doce, ao invés daquele gosto amargo, de coisa mal digerida, com que tem acordado nos últimos dias.Que o tempo voasse, e o futuro chegasse logo. O futuro de um passado onde ele não estava presente.Nem ausente como agora. Nem nada. Que voasse o tempo,então, para que ela pudesse voltar.Sem precisar lembrar.Sem precisar esquecer.

Mudando a estação

Técnica da distração. Funciona, quase sempre. Minha terapeuta do reiki foi quem me ensinou. É o seguinte; cada vez que você pensa em algo que te deixa triste, ou preocupado, ou chateado, procura identificar a emoção associada a este pensamento, e, se esta emoção te incomoda, muda a estação.Como uma frequência de rádio. Se você não está gostando da música, troca a estação. Simples assim. Se você não está  gostando de como está se sentindo, pense em algo diferente. Pense em algo que você sabe que vai te trazer um sorriso, lembre de algo ou alguém que te deixa feliz, recorde um momento, um lugar, um sonho. Não precisa ser nada importante ou complexo, pode ser apenas ouvir uma música nova, sentir o calor do sol de inverno, ou lembrar de um abraço bom. Qualquer coisa que te distraia e te tire da tua dor, que mude a frequência de energia, porque pensamento é energia. Funciona. Quase sempre. Só não funciona sempre porque às vezes nós queremos sofrer. Escolhemos o papel de vítima. Nos achamos superiores ou profundos,  por nos preocuparmos e pensarmos tanto. O sofrimento nos confere uma importância. Uma certa dignidade. Muitas vezes escolhemos a dor. Às vezes até é preciso. Ficar mais um pouco. Revisitar para absorver. Mas sem exageros.Esquecemos que  que só as vacas precisam ficar horas e horas ruminando o alimento para processá-lo e digeri-lo. Não somos animais ruminantes. Pensar demais atrapalha.Ficar tentando entender tudo também. Preocupação não resolve nenhum problema. As boas idéias geralmente acontecem em um momento de relaxamento. De entrega. De distração. As soluções também. E às vezes não tem solução mesmo. Mas você pode se distrair. Você pode trocar o canal.  Escolher o caminho mais fácil , sem que isso signifique que você é um bobo. Que não se importa. Você pode fugir da dor, e fingir o sorriso, e mudar a frequência, tantas vezes quanto for necessário. Escolher sempre a música que você quer ouvir, sua trilha sonora, a realidade em que você quer viver. A gente complica, mas a verdade é que é bem simples. É só se distrair.

domingo, 12 de agosto de 2012

Perdão

Perdoa minha falta de jeito. Perdoa meus atropelos. Perdoa minha carência, perdoa. Perdoa eu te querer tanto, mas te querer do meu jeito. Perdoa toda vez que eu esqueço, e eu sempre esqueço. Que você já estava aqui antes. E vai estar depois. Perdoa tudo que eu adivinho. Eu nada sei. Perdoa tudo que eu imagino. Você já estava aqui antes. Você não nasceu de mim, e não vai morrer em mim. Você não faz parte de mim. E eu esqueço,sempre, me perdoa. Perdoa eu ser tão esquecida. Perdoa minha falta de respeito. Ela tem nome, se chama medo. Perdoa meu medo, por favor. Ele é parte de mim, você não. Você é o outro. O desconhecido. Que medo. De te querer. E por te querer, e ter medo, eu te transformo. Naquilo que não me dá medo. Eu tento. Mas aquilo não é você. É meu reflexo no espelho, não é você.Me perdoa. E ainda chamo isso de amor.Você não sou eu e eu não sou você. Dois universos. Duas órbitas.  Duas velocidades. Duas histórias. Me perdoa por esquecer. Por tentar transformar dois em um. Não funciona, não pode funcionar. Perdoa meu medo. Minha falta de atenção.  Me perdoa por não te ver de verdade, muitas vezes. Você já estava aqui. Você. Diferente de mim. Outro alguém. Perdoa eu não lembrar. Que isso é tão somente um encontro. De duas almas distintas. De duas vidas. Dois corpos. Um belo encontro. Mas apenas isso.  Perdoa a minha falta de jeito. Meu esquecimento.Meu amar imperfeito.

sábado, 11 de agosto de 2012

A língua do pê

Pai.
Pedra que te sustenta,
Porto que  te acolhe.
Pão que te alimenta.
País de tua origem,
Parte do teu nome.
Porta que não se fecha
Princípio da tua vida,
Teu primeiro príncipe.
Primeiro tudo.
Ponte dos teus afetos,
Parte da tua história.
Protetor das tuas dores,
Pátria dos teus valores.
Pegada grande,
para teu pé pequeno.
Parceiro de tua aventura.
Portador dos teus amores.
Ponto de partida,
Ponto de chegada.
Parte de ti.
Para ti. 


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Tá tudo certo

"Tá tudo certo, tá tudo certo, tá tudo certo"...ela ficava repetindo mentalmente, como um mantra, está tudo certo. Tudo bem. "Tá tudo bem." Mas ela sabia que nada estava certo, e também não estava bem. Sem conseguir definir exatamente o que não estava funcionando. Era mais uma sensação meio vaga, indefinida, de que as coisas não estavam saindo do jeito esperado. Estava tudo ali, os ingredientes todos, mas sei lá, talvez na hora de misturar tudo tenha esquecido de algo. Ou mesmo acrescentado algo a mais, algo demais. Não conseguia lembrar exatamente o que, mas o certo é que não estava dando certo. Não tinha o gosto que era para ter. A consistência. Não tinha a consistência certa. Ou talvez tivesse. Talvez esta  falta de consistência fosse o que era para ser. Ela nunca fora muito boa nisso mesmo. Mas ela queria tanto, então ficava repetindo seu mantra solitário, tentando se convencer de que estava certo, tudo certo, tudo bem. Mas não se convencia. Porque não estava, né. Ou será que estava?
Ela sabia que pensava demais, muitas vezes. Quase sempre. Tinha este mau hábito. De pensar, sobre tudo. Ela também tinha a péssima mania de sentir demais. De se envolver demais. De não conseguir, simplesmente, jogar tudo fora e fazer de novo. Não, ela persistia, sem saber direito como consertar a massa disforme que tinha nas mãos, mas ela insistia. Cheia de idéias e ideais, com sua capacidade de pensar e sentir sobre tudo, sua auto análise. Sua hetero análise.
Achava engraçado como algumas pessoas colocavam tudo no automático. E viviam uma vida de fazer e ter que não parecia ter fim. Ela conversava com estas pessoas e obtinha uma descrição detalhada de seus dias, desde a hora de acordar até o anoitecer, e era uma sucessão de fatos sem importância, e de coisas adquiridas sem consequências, e de uma ausência de valores e uma falta de qualquer coisa, e um excesso de banalidades que a deixava espantada. Você acorda, toma café, sai para trabalhar, compra uma bolsa nova na liquidação, discute longamente a cor do esmalte com a manicure, vai ao cinema, vê um filme que não entende, sai para jantar em um restaurante da moda, volta para casa, escova os dentes e vai dormir. No outro dia tudo de novo. Ela conhecia pessoas assim. Que para ela pareciam fúteis. Talvez não fosse futilidade, e sim, sabedoria, afinal.Porque  ela sentia uma certa inveja. Da capacidade delas de seguir sem trégua, dia após dia, vivendo suas vidas cotidianas, sem precisarem de mantras. Sem pensarem demais. Sem se preocuparem com massas de bolo que desandam, ou coisa parecida. Algumas vezes ela queria ser assim, ter menos cabeça para pensar. Ter menos, muito menos coração para não precisar se importar tanto. E ter muito mais coragem.Para aceitar que, mesmo que não esteja tudo certo, pode estar tudo bem.Que mesmo não parecendo, pode estar tudo certo. Porque ela sabe que  a vida não precisa de análise diária.Ela sabe, mas  não sabe viver assim, sem sentir nem pensar. Um dia atrás do outro, um momento e depois outro e outro. Ela gosta de respostas, de consistências, de coerências. Vive num mundo incoerente e inconsequente, mas não desiste de ser consistente, a louca. "Tá tudo bem, tá tudo certo, tudo certo". Ela sabe. Que certo é apenas um conceito. Que errado é apenas o conceito oposto. Ela sabe que está tudo bem, assim. Certamente é assim que tem que ser.Ou não.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Às vezes tudo parece tão quieto.
Parece tudo tão certo.
Às vezes.
Bem lá no centro
Onde nada se mexe,
Onde as águas são fundas,
Onde mora o silêncio.
São águas paradas
Onde nada se move.
Nem uma onda sequer.
Águas profundas,
Cristalinas.
Escondem segredos,
Guardam tesouros,
Lá, bem no meio
Onde mora o silêncio.
Lá, bem no fundo
Onde é tudo tão quieto.
Tão certo.
Tão claro.
Mas  só lá.
Só às vezes.
Mas sempre-
Lá.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Os nós

Na longa viagem de volta, de Lisboa para Porto Alegre, meu filho assistiu a seis filmes. Eu, que estava com muito sono, apenas um, e ainda entrecortado por várias pausas para cochilos necessários.O filme a que assisti, e quero ver de novo, desta vez em melhor estado de atenção, foi o excelente " O Exótico Hotel Marigold". Filme inglês, com os melhores atores, se passa em um hotel na Índia. Cheio do ótimo humor britânico e cheio de pequenas lições de vida. No meio da minha sonolência, consegui anotar um pequeno diálogo, entre tantos outros também dignos de nota. Uma senhora diz: " Nothing here worked out as I expected." Ao que a outra responde: "Most things don't. But sometimes what happens instead is the  good stuff." Tradução minha: a senhora estava reclamando que nada havia saído como o esperado, e a outra, sabiamente, retruca que, na maioria das vezes, nada é como o esperado mesmo. Mas que muitas vezes a coisa boa é o que acontece ao invés. No lugar daquilo que esperamos. Basta que consigamos enxergar. Ver o que acontece sem o filtro insano de nossas expectativas. Eu falei basta? Como se fosse simples, matar expectativas sem destruir sonhos. Não, não é, nem simples, nem  fácil. Desfazer nó por nó este complicado emaranhado de desejos e frustrações e sentimentos contraditórios que muitas vezes se enrola em nossas pernas impedindo o caminhar. Há que se ter paciência, e delicadeza. E bons olhos. Para saber qual fio se deve puxar, e quando.

sábado, 4 de agosto de 2012

Prenúncio de uma grande saudade



Já com saudades antecipadas de ter meu dia regulado por horários de mamadas, trocas de fraldas e adivinhação de choros. Já com saudades de dar banho, de dar colo, de fazer dormir. Já com saudades da imensa paz de uma criança dormindo. De ver seu rostinho sereno, sonhando sorrisos. Já com saudade de sua carinha engraçada de fazer cocô. Da sua perninha inquieta quando fica furiosa. De seu olhar de quem sabe muito. De seu sorriso sem dentes, de sua boquinha perfeita. Já com saudades de seu cheiro gostoso de bebê bem cuidado. Já com saudades de cantar desafinado, com você decidindo dormir para não ter que me ouvir. Já com saudades de um amor que já não cabe em mim.  Já com muita saudades de você, minha bela .