domingo, 25 de abril de 2021

Redenção


Num domingo qualquer, qualquer hora

Ventania em qualquer direção
Sei que nada será como antes amanhã"

A cúpula dourada de sol poente
a redonda lua não espera a noite
o calor temporão atiçando os sentidos

a moça de beca posa para a fotografia
o sonho emoldurado ao fim da tarde
a faixa verde na cintura anuncia

juramento de cura
First, do no harm
Primum non nocere

a moça do pão de mel faz
arte em miniatura a cinco
reais pequeninas casas
de João e Maria

mas não há migalhas
no chão a dirigir
seus passos têm fome
os pássaros e os homens

uma bicicleta e um menino
o difícil equilíbrio da vida
      sobre duas rodas
         sob a pandemia

o parque vivo das nossas lembranças
somos todos ao mesmo tempo
reféns e algozes

a primeira estrela vespertina
a nova liberdade vigiada
que nome tem

as máscaras não nos deixam
esquecer
que nada será como antes

na lentidão dos dias iguais o tempo
venta

E não há tempo que volte, amor

Hoje choveu. Agora, faz sol. Mas ainda vai.


sábado, 24 de abril de 2021

Gatilho


Vejo uma fotografia nas lembranças. 


Uma foto antiga, dez anos atrás. Mais colágeno, com certeza. Onde foram parar as bochechas? Pensar que tem gente que paga para se livrar delas, não julgo mas não entendo. Eles não sabem a falta que vão fazer, lá adiante.O cabelo mais comprido, mais cheio ( ah, hormônios, por que me abandonaste?) aquele óculos mais discreto que eu usava porque tu achava meus "olhos tão bonitos, pena que usa óculos." O sorriso sem alegria. Tantos anos ao teu lado, sem muita alegria, driblando teus argumentos com a habilidade de quem nunca jogou bola na vida. Não escrevo com mágoa, não mais, mas a mágoa demorou a passar quase o tanto de anos que passei tentando te curar de ti. Ou seria, tentando me curar de mim?
Eu era infeliz, e não sabia.
Levou tempo e textos inúmeros, até elas  ( a dor, a mágoa, a confusão) irem embora, e deixarem no lugar esta coisa amorfa, inócua, indolor e maravilhosa a que chamamos indiferença.
Quem já esteve preso numa teia de aranha e conseguiu sair, vai me entender.
Hoje eu olho para esta foto e ainda me espanta a ausência de espanto e brilho.
Não trocaria o prazer e as descobertas de hoje por aquela pele mais firme e viçosa.
É uma pele que não me serve mais.
 

quarta-feira, 21 de abril de 2021

"Uma borboleta amarela?"

 


A dança do vento no cabelo das árvores as folhas secas o ar mais frio denunciam com certo atraso a estação das frutas maduras das noites cobertas de mantas leves e vinhos tintos ontem a lua usava um véu esvoaçante de noiva cobre descobre o mistério que esconde alguém me disse do  reflexo no lago rio há qualquer coisa com a lua o poeta versando é sempre um espanto de primeira vez o amor é sempre um espanto o outono tardio é um convite para dentro, vem amor o outono é o acalento do inverno luz inclinada sobre um tapete amarelo
  de flores vivas e de flores mortas 



Mas as que morrem são as mais bonitas.


sábado, 10 de abril de 2021

Amordaçada




Se escrever sempre foi um jeito de chorar, a ausência das palavras em mim é o aviso de que as lágrimas sumiram. Ando amortecida. 

Vou ao dicionário e descubro que, mais do que sedada, estar amortecida é estar quase morta.

Espremo um limão bergamota, comprado na feirinha da praça. O suco doce e azedo me arde na língua, gosto e preciso das coisas azedas e doces, das pimentas e temperos que me despertam a pouca fome que resta, os prazeres escassos destes dias de marmota. 

A solidão que encobre o céu de um verão que se recusa a ceder, o que antes era poesia e solitude, era bonito, e agora é somente este quase nada e um calor dos diabos no segundo abril deste inferno.
Insisto em te buscar, letra por letra. AMOR. 
Amor e vida. Amor é vida.

Mas o que espremo é mais uma fruta seca e um pouco amarga. 
Amadurecida demais. Equivocada demais.