sexta-feira, 29 de junho de 2012

Cotidiano

Parece com a música do Chico. Todo dia ela faz tudo sempre igual. Acorda todo dia às 6 horas da manhã. Todo dia toma banho, dia sim, dia não, lava o cabelo. Todo dia ela acorda o filho. Todo dia ela olha para o closet lotado de roupas e pensa  no que vai vestir. Acerta na escolha, dia sim, dia não.Todo dia ela pensa que tem coisas demais. Todo dia ela pensa que não tem nada para vestir. Todo dia ela desce com o cachorro. Prepara o café da manhã. Todo dia ela espreme 4 laranjas para fazer suco. Todo dia ela come fruta. Todo dia ela reclama que o filho se enrola. Todo dia o filho reclama que não quer o suco. Todo dia ela sai de casa ás 7 da manhã. Espera o ônibus, que, dia sim, dia não, passa no horário certo. Todo dia ela trabalha. Todo dia ela volta para casa para almoçar. Todo almoço tem briga e risada, e conversa e correria. Todo dia ela sai toda tarde, e trabalha. A tarde toda. Todo fim de tarde ela volta. E desce com o cachorro. E toda noite ela vai para a academia.E volta para casa. E todo dia ela dá janta, toda noite.E desce com o cachorro, de novo. E pega água, e revisa tema,  e briga mais um pouco. Noite sim, noite não, nem todos os dias, ganha um "eu te amo". E senta exausta na poltrona, todo dia, todas as noites. Cansada. E chora um pouco. Não todo dia. Mas chora. De saudade. De cansaço. De dia a dia. Tem dias em que não chora, ri. Ri de si mesma e de tudo isso. Mas todo santo dia ela dorme. Dorme, toda a noite. Para começar tudo de novo, no outro dia.
E todo dia ela se pergunta : por quê? E dia sim, dia não, ela sabe a resposta. E quando lembra, ela sorri. Porque sim, né,porque sim! Todo dia. Ou dia sim, dia não.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Hein?

Tenho o costume de ler quase todo dia alguns blogs de que gosto, escritos por mulheres inteligentes e bem humoradas. Um destes fica em um espaço descrito como comportamento-mulher, em um portal bastante conhecido.E hoje, por falta do que fazer, resolvi dar uma olhada nos assuntos em pauta. Fiquei chocada com o conteúdo. Ou melhor, com a falta de conteúdo. Matérias fracas, superficiais, sobre assuntos idiotas e banais. Pesquisas sobre comportamento que, sinceramente, não dizem nada. Um monte de lixo.
Aí vem a pergunta: será que somos estas imbecis que vocês pensam que somos? Um bando de mulherzinhas sem cérebro, que engole qualquer merda como se fosse verdade? Que precisa ser atualizada diariamente sobre as 10 maneiras de chegar ao orgasmo sem tocar no parceiro? Que precisa saber os cinco segredos de um relacionamento longo e duradouro? Que não pode dormir sem saber os dez passos para uma pele jovem e bem tratada para sempre? (Gostou, né, eu conto, é bem fácil) É só você reservar todo dia meia hora antes do  seu horário de dormir ( e cancelar o sexo, lógico), e acordar no mínimo 30 minutos antes do seu horário de acordar, para remover, limpar, esfoliar, tonificar, hidratar, revitalizar, energizar e proteger a sua pele. Mas é todo dia. Duas vezes por dia.Uma horinha só. São só 7 produtos. Fácil. Pode-se adiar o botox indefinidamente.
Voltando ao assunto. É, a gente gosta de uma novidade.Gostamos de nos cuidar.Lemos o horóscopo, especialmente se estamos amando, ou tristes. Ou com dúvidas.Fingimos que acreditamos.Somos vaidosas, curiosas, e apaixonadas. Mas não somos bobas, né gente, não somos idiotas. Podemos ser presas fáceis para este tipo de publicação, por ingenuidade ou distração. Por simples curiosidade.Mas o universo feminino é mais que este amontoado de bobagem, com suas dicas fúteis e conselhos inúteis, e frases feitas de quinta categoria . Tem gente que pensa, do lado de cá. Existe inteligência na cor rosa. E nas cabeças de cabelos loiros, ruivos ou morenos. Não confunda vaidade com superficialidade. Futilidade com anencefalia. Merecemos mais. E vocês podem fazer melhor. Mais respeito, por favor. Ou tá difícil?

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Eu, você, o mar

Só um pequeno delírio, fruto de uma grande saudade.
Só um pequeno sonho, e uma enorme vontade.
Eu. Você. O mar. Hoje estou com saudades do mar também.
Saudades de você e do mar. Então, eu, você, o mar.
Talvez um barco. Talvez não,com certeza, um barco.
Porque cabe muito no meu delírio. Um barco, é isso. 
 Um barco, a vela.
Cabe no meu sonho. Cabe muita coisa nos sonhos.. 
Mas preciso de muito pouco. 
Para matar minha vontade.De você.
Minha saudade. De nós dois.
Só eu, você, o mar. E um barco.
Bom, talvez um por do sol também.
Pode ser?

terça-feira, 26 de junho de 2012

A primeira pergunta

Não sei como é para os homens, mas para as mulheres funciona assim: você conhece um cara, começa a sair com ele, conta para alguém. A primeira pergunta ,invariavelmente, é : "o que ele faz da vida?" Significando, claro, qual a posição social, traduzindo: "quanto ele ganha? " Segue-se, geralmente, a clássica: "solteiro, separado, tem filhos"? Como se isso automaticamente definisse o moço. Ah, é empresário. Separado, um filho. Ufa, um cara normal. Finalmente, hein minha filha! É? E se ele é dono de um bar que é ponto de drogas? Se separou porque batia na mulher ou vice- versa? E  se o filho é fruto de uma gravidez indesejada e faz terapia três vezes por semana desde os dois anos de idade ? ( E já está com 25). Bom, quem precisa saber disso? Não conta para ninguém, oras. O que importa é o que se vê. Como aparece lá fora. Aparências.Aparentemente é um cara normal. Defina normal , queridinha. Encaixa. Parece. Parece com o que, amor? Parece que pode te dar a vida que você quer? Suprir suas necessidades básicas e não tão básicas assim? Parece com todo mundo? Então,não importa se o caráter dele não é lá estas coisas, se vocês discordam sobre quase tudo, se seus valores  e os dele são linhas paralelas que não se encontram no infinito. Desde que os padrões externos de normalidade sejam preenchidos. Desde que ele seja um provedor em potencial, tá tudo lindo. Porque não interessa que você seja independente, bem resolvida e perfeitamente capaz de lidar com sua vida financeira.Não interessa se você não quer casar com ele, ou com ninguém. Ninguém vai querer saber se ele gosta de bichos como você, se ele encara a vida com coragem ou se esconde atrás de um passado que nunca passa. Se ele afoga seus medos na bebida ou exorciza todos num esporte radical. Não vão te perguntar o que ele não faz para viver, do que ele gosta,se ele é carinhoso com você.Se o sexo é bom .Bom, quanto a isso não tenho certeza, talvez perguntem, o povo é curioso. Mas em resumo, tudo que não aparece aparentemente não interessa. Os detalhes pelos quais ele te ganhou são irrelevantes. Não são. E daí? Detalhes não pagam contas, fofa, realiza! Cai na real. Que carro ele tem?
Não sei quanto aos homens. Mas tenho um palpite. Acho que eles conhecem uma mulher, começam a sair com ela, e contam para alguém. ( um amigo). E  acho que, a primeira coisa que este amigo pergunta, invariavelmente, deva ser  algo do tipo:"  ela é gostosa"? Algo assim. Profundamente prático.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Pintei o olho para disfarçar o cabelo

Pintei o olho pra disfarçar o cabelo. Foi ontem. Porque acordei daquele jeito, sabe, atrasada, mal deu tempo para um banho rápido. Com aquela umidade, mais a noite agitada, o cabelo desandou. ( Não é o que vocês estão pensando, infelizmente). Foi pesadelo mesmo, daqueles de acordar com o coração aos pulos. Resultado: atraso e cabelo ruim. Ruim, não, péssimo.Chapinha no conserto. Sem tempo para lavar. Reunião importante às 9 horas. E cabelo péssimo e com frizz não combina com apresentação de projeto. Não combina com nada. Aliás, conheço um terapeuta que se recusa a tratar mulher com o cabelo ruim. Diz que não funciona.
Aí resolvi pintar o olho. Porque não gosto de me maquiar, só uso filtro solar, às vezes um pozinho, um batom e olhe lá. Nem sei se não gosto ou não sei fazer, me dá pânico de pensar em ficar com aquela cara de palhaço triste. Invejo estas meninas de hoje, que parece que já nasceram sabendo tudo. Meninas de seus catorze, quinze anos, mega produzidas, maquiadas,  aquele cabelão. Uns mulherões. Como eu nunca fui. Nesta idade andava de camiseta do Led Zeppelin e alpargata, eu e as minhas amigas.Nem lembro a primeira vez que usei uma saia (exagero). Com o tempo mudei bastante. Adoro um vestido, uma saia, me arrumar.Bem mulherzinha. Mas algumas coisas nunca assimilei. Salto agulha. Maquiagem. Pose para foto.Mulherão. Nunca aprendi.  Voltando ao assunto, resolvi pintar o olho. Sombra, lápis ( delineador nem pensar, tá maluca?), e agora, a pior parte. Decisão difícil: passar ou não passar rímel. Bom, segundo todas aquelas revistas femininas "como seduzir seu homem e deixá-lo aos seus pés", rímel é fundamental. Importantíssimo. Essencial. Se você não puder usar mais nada, use rímel. Destaca, valoriza, aprofunda seu olhar. Tá, mas eu tenho um problema. Com o rímel. Porque sempre, sempre, nas raras vezes em que decido usar, eu choro. E borro tudo. Fico com aquela cara de guaxinim, sabe? Não sei se é coincidência, destino, ou o quê. Só sei que é assim. Então, ontem, de frente para o espelho, fiz um check list mental de tudo que poderia dar errado no dia, só para analisar as chances de choro eventual. Me senti assim meio maluca. Mas foi necessário.Fora um ou outro imprevisto, pouca probabilidade. Não estava chovendo, era início do mês, saldo ainda positivo no banco, ninguém doente no trabalho, namorado em fase carinhosa, sem TPM (eu e ele), enfim, tudo ok.. Rímel para arrematar, então. Como falei antes, pintei o olho para disfarçar o cabelo. Que estava horrível, pavoroso, etc. Deu certo. Fiquei super diferente, olhos amendoados com um ar de mistério, chamando atenção das colegas: "ué, se pintou hoje"? Ninguém nem aí para o cabelo amarrado de qualquer jeito, de modo displicente,  com fios arrepiados saindo para todos os lados e direções. Acho  que ninguém reparou.Não falaram nada, pelo menos. Bom, me senti ultra confiante,  a reunião foi nota dez, tudo certo. Até o horário do almoço, quando, depois de mandar 10 torpedos para o meu amor, me declarando, recebo um com a seguinte frase: " precisamos conversar". Só. Engoli o choro na hora. Na hora. Mas boa coisa não podia ser, né?  Fiquei muito nervosa.Convidei minha melhor amiga para almoçar. Precisava conversar. Fomos naquele restaurante vegetariano, indiano, podecrê que nós (ela) amamos. Chegando lá, a mistura de aromas  era enlouquecedora: temperos, iguarias, curry e aqueles incensos cheirosos por todo o canto. Musiquinha tãntrica. Zen. Ideal para relaxar e desabafar. Sem chorar. "Oi, oi, ué, você se pintou? Tá diferente". Ah, pois é, cabelo ruim, terapia, chapinha estragada, etc...mas deixa eu te falar, menina; atchim! atchim! E...atchim! E um atrás do outro, contei no mínimo 32 espirros, depois perdi a conta.Perdi a conta porque comecei a lacrimejar sem parar, e depois a sentir uma coceira terrível, e depois a coçar terrivelmente meus olhos. Meus olhos! Meus olhos! Chorando sem querer chorar, lágrimas pretas e espessas e alérgicas. E depois, já aos prantos, chorando lágrimas pretas, e espessas e desesperadas. Porque lógico que eu não tinha um lencinho, um removedor,  nada para dar um jeito na minha carinha de ursinho panda com dois olhinhos pretos. Muito menos a minha amiga neohippiepareinosanossetenta. Paz e amor! Cancelei minha agenda, coloquei meus óculos Jackie O (enormes, graças). Corri para o salão para fazer uma progressiva marroquina de chocolate, definitiva.Meu namorado ligou para dizer que me amava, mas que não conseguia responder 15 mensagens em 20 minutos, nem em uma hora, falando nisso. Gentilmente me lembrou que estava trabalhando. Que não responder cada mensagem não significava nenhuma tragédia.Que não responder NENHUMA também não (sério?). E que estava levando um vinho para a janta.Estava tudo bem, afinal.Mas só no que eu conseguia pensar era: pintei o olho para disfarçar o cabelo,eu pintei o olho para disfarçar o cabelo ...EU PINTEI O OLHO PARA DISFARÇAR O CABELO!

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Longe

"Eu não podia apenas sorrir quando me lembrasse de você?
Mas acontece tipo assim: lembro do seu rosto,
do seu abraço, do seu cheiro, do seu olhar,
do seu beijo e começo a sorrir, é assim mesmo, automático,
como se tivesse uma parte do meu cérebro
que me fizesse por um instante a pessoa mais feliz do mundo.

Eu sei, é lindo.
Mas logo em seguida, quando penso
... em quão longe você está sinto-me despedaçar por inteira.
E dói.
Uma dor cujo único remédio é a sua presença.
Então sigo assim, penso em você, sorrio, sofro e rezo,
peço pra Deus amenizar essa dor."

Caio Fernando Abreu.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Fakebook

Tem dias que acordo assim . Meio azeda. Sem paciência. Hoje é um destes dias. Dia limão.
Aí ligo o computador. Primeiro ato: espiar o facebook. Vício. Assumido. Adquirido ao longo de anos. Aprimorado por encontros e reencontros especiais. Muitos. E muito especiais. Mantido por muita curiosidade e alguns grupos secretos. Regado por mensagens carinhosas e amigas. Enfim. Fotos, antigas (sustos)e atuais, novos amigos e velhos conhecidos. Tudo está ali. Gratas surpresas. Jeito bom de saber da vida do outro.Eu gosto. Mas já gostei mais.
Porque, ultimamente, acho que o facebook tem perdido um pouco do sentido.Muita poluição visual. Muita repetição de bobagem. Muita falta de critério para compartilhar besteira. A julgar pelo que temos ali, não só o planeta está salvo, como a humanidade está a um passo da iluminação. Todos só pensamos e queremos ( e fazemos?) o bem. Todos cuidamos e adotamos animaizinhos abandonados. Todos embrulhamos o chiclete antes de jogar no lixo, salvando os passarinhos. Todos apoiamos a causa das baleias, dos golfinhos, dos ursinhos e das foquinhas. Todos sabemos ( e fazemos?) reciclagem de lixo. Ninguém tem preconceito algum, seja racial, social, religioso, sexual,enfim, preconceito não, de jeito nenhum, tô fora. Todos sabemos como educar nossos filhos. Sabemos votar bem. Sabemos como nossos pensamentos influenciam nossas ações que influenciam nossas emoções que influenciam nossos atos que influenciam a vida na terra, no ar e no mar. Afinal, todos sabemos que somos apenas um. (?). Cada dia mais interligados. Conectados. Estamos mais cultos, conhecendo citações desde Platão até Renato Russo e Cazuza.  Citamos Buda e Jesus, e suas filosofias. Copiamos textos e frases de autoria duvidosa. Compartilhamos e curtimos muito. No facebook somos todos cidadãos. Educados. Generosos. Confiantes. Gentis. Aham. Tá bom.
Claro que tem muita coisa legal. E divertida. E engraçada. Útil. Emocionante. Tem muita coisa legal. Mas tá meio poluído. Tá meio demais.Talvez só falte um pouco mais de critério.. Ou talvez seja  só eu, hoje. Azeda e sem paciência.


domingo, 17 de junho de 2012

Fernando Pessoa

"É fácil trocar as palavras,
Difícil é interpretar os silêncios!
É fácil caminhar lado a lado,
Difícil é saber como se encontrar!
É fácil beijar o rosto,
Difícil é chegar ao coração!
É fácil apertar as mãos,
Difícil é reter o calor!
É fácil sentir o amor,
Difícil é conter sua torrente!

Como é por dentro outra pessoa?
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.


Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição
De qualquer semelhança no fundo."

 Fernando Pessoa

Verdade...suposições, interpretações, expectativas. "Nada sabemos da alma". Acho que nem da nossa.

sábado, 16 de junho de 2012

A louca

Ela chega de mansinho. No começo você nem percebe.  Mas ela está ali, meio tímida ainda. Vai mudando uma ou outra coisa de lugar, sutilmente.Você não sabe bem porquê, mas sente uma necessidade urgente de passar na Confeitaria Princesa, comer um cachorrinho, duas empadas de camarão e um mil folhas com uma caçulinha. Depois sente uma culpa terrível e promete para si mesma: nada de janta hoje. Chega em casa, briga com o filho, discute com o cachorro e pronto: lá se foi um pacote de mariola. E pensa, com seus botões: que dia, meudeus, que dia! Você ainda não sabe. Não se deu conta. Pensa que está cansada, e vai dormir, afinal, pelo menos é o que dizem, amanhã é outro dia.
No tal outro dia você acorda bem humorada, até chegar no chuveiro e perceber que um dos seus 350 frascos de xampu acabou. Logo hoje? Que era dia da limpeza profunda com hidratação intensiva e reparação de pontas? Ai, não pode ser. Você fica à beira das lágrimas. Só pode ser perseguição. Sai do banho já irritada, derrama o leite e a torrada queima. Aí você chora, com razão. Respira fundo três vezes e sai pensando no quanto tudo é difícil, em como você é uma pobre coitada, que só trabalha, trabalha, e faz tudo, e ninguém ajuda, e é só você. Epa! Não. Não é só você. Não mesmo. Você tem companhia, embora possa não ter percebido ainda. Ela. A louca. Chegou. De novo.
Você não está sozinha. Está com a louca. Ok. Você já sabe então. Porque anda tão difícil entender o que os outros falam. De onde vem tanta emoção. Porque ontem você chorou assistindo uma comédia romântica. E depois chorou porque nunca foi pedida em casamento em Paris. Chorou porque nunca foi a Paris. Chorou porque nunca foi pedida em casamento. Enfim,  motivos justos. Afinal, sua vida é tão cinzinha, sem gracinha, como você não iria chorar vendo um filme lindo daqueles? Em Paris? Perdoada.
Mas hoje, hoje não. Hoje você já estava assim, né, bem sensível, e sobrecarregada, e pensando no quanto o mundo era injusto com você. Abre o facebook, sua amiga publica aquela citação tão perfeita, que se encaixou tão bem para você, que só podia ser coisa do destino. E a foto, que lindo aquele gatinho, tão fofo, nossa, você só podia ficar mexida, até derramar uma ou duas lágrimas. Obrigada querida, por ter a palavra certa na hora certa, amiga de verdade é assim. A amiga, que você não vê há dez anos não entende nada, só estava tentando defender a causa da adoção de animais abandonados.
É a louca.
E você segue, se emocionando com aquelas postagens de criancinhas e bichinhos, e aquelas frases feitas todas tão perfeitas. E pensa como é lindo o mundo no facebook, como as pessoas são felizes igual a comercial de margarina.Tanto amor, com suas famílias bonitas e estruturadas, suas férias no Caribe ou em Tramandaí. Porque no facebook até Tramandaí fica bonito. Você se irrita um pouco. Porque você ali, de plantão, se matando de trabalhar, solitária, com uma espinha no meio da testa e o cabelo daquele jeito. Gorda. Sem uma roupa no armário para vestir. Sem um filme bom passando na TV. O namorado foi escalar uma montanha, só volta quando a louca partir. Se voltar.
O filho se trancou no quarto para jogar videogame. O cachorro só mexe as orelhas. Você põe uma música e chora. Tira a música. Acende um incenso, se coloca na posição de lótus e, vamos lá, inspira, expira, inspira, e sai uma respiração de cachorrinho no parto. Você fica tonta. Aperta o peito. Dá nó na garganta. Tem vontade de gritar, de sair do corpo. De fazer uma viagem astral. E deixar a louca ali, ela que se vire com ela mesma.
Porque você está cansada de tentar parecer normal, exausta de ficar o tempo todo tentando reprimir, abafar, prender a louca. Jogou- se por cima dela, amordaçou, ameaçou: nada.
A louca é forte. Sempre dá um jeito de escapar.
Aí você desiste. Entrega-se, chora. Chora como se não houvesse amanhã.
E reza.
Para acabar logo, sem maiores danos.
Pega a caixa de bombons, e come.
Um por um. Vinte.


Dani Altmayer

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Noites sem sonhos, dias também

Menina, como você conseguiu? Criar tanta necessidade? Acumular tanta coisa? Precisar cada dia mais?
Como você fez isso, menina? Em que ponto do caminho você se perdeu de você? Como você conseguiu ter tanto e tão pouco ao mesmo tempo? Menina, você está soterrada, esperando um resgate. Soterrada de luxo e de lixo. Soterrada de medos e angústias e pensamentos inúteis. Aterrada por seus desejos insacíáveis. Aterrorizada. Presa na sua torre. Perdida no seu castelo. De areia. Dorme noites sem sonhos. Vive dias idem.Não sabe onde está seu amor. Perdeu. Enterrou no meio de tanta merda que acumulou e guardou. Precisa tão pouco, menina, por que você esqueceu?  Desliga um pouco a TV. Para de ver propaganda. Desliga o botão do eu quero. Tira a música. Tira da tomada . Tapa o ouvido para as vozes do mundo. O mundo não sabe de você. O mundo pensa que você tem que. Tem que qualquer coisa. Mas eles não sabem. Que você não tem que. Porque você não tem nada.Você não tem que nada.  Menina, o que você tem? Onde está você? Lembrou, menina? Tenta lembrar.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Meu melhor amigo


"Meu melhor amigo é o meu amor".Escutei esta música hoje bem cedinho, no rádio. Dia doze de junho, dia dos namorados. Fiquei pensando nesta frase. Em como seria bom se todos os namorados, casados, enrolados, etc, pudessem fazer esta afirmação. Porque a amizade é a melhor forma de amor. E o amor romântico, a dois, é, ou deveria ser, amizade mais tesão. E o tesão, este inconstante, muda de acordo com a fase da lua, o dia do ciclo, as contas para pagar, os problemas de saúde. O tesão não gosta da rotina, se entedia. É fogo,e consome. E some, muda, diminui, aumenta. Fica temporariamente fora de serviço. Você não pode contar com ele. Não sempre. Mas pode contar com o amigo. Mesmo que o tesão tenha ido dar uma volta, seu amigo ainda estará lá. Ele não irá passar a mão na sua cabeça, mas te dará a mão sempre que for preciso. Dará a mão, o ombro, um colo. Seu amigo emprestará seu tempo e seu ouvido, e, se não concordar com você, vai puxar suas orelhas, com carinho e respeito. Porque amigo, de verdade, respeita. Respeita acima de tudo. Respeita tempo, espaço, gostos e atitudes. Amigo de verdade sabe que alegria compartilhada se torna maior e mais bonita, e que tristeza compartilhada se torna mais leve e fácil de carregar. Ainda assim, amigo respeita individualidades. Porque amigo olha com a alma. E sabe a diferença entre gostar e amar. Sabe que não dá para gostar sempre. E que isso não diminui o amor. Amigo não tenta controlar, porque não precisa. Porque sabe seu lugar e não tem medo de perdê-lo. Não controla, admira. Cuida. E, de novo, acima de tudo, respeita.

Que bom seria, né, se nós tivéssemos com nossos amantes, namorados, maridos ou ficantes, a mesma atitude que temos em relação aos nossos amigos. Amor sem cobrança. Amor e confiança. Amor- liberdade. Parceria sem competição. Soma, e não divisão. Até o tesão, tão importante, seria presença mais constante.  Meu melhor amigo, o meu amor. Se não for assim, então para quê?

Dani Altmayer

sábado, 9 de junho de 2012

Sem ritmo

Porto Alegre zero graus. Sete horas da manhã de um sábado gelado. As ruas desertas. E ela acordada.
Pensando na vida. Em quanta coisa já aconteceu.Em tanta coisa que poderia ter acontecido. Pensamentos soltos. Quase inúteis. Sobre a vida. E seus desvios. Seus desvarios. Tanta coisa foi planejada. E não deu certo. Tanta coisa inesperada e tanta surpresa boa. Em meio a planos arruinados. Estudar, casar, ter filhos, era isso um plano? Acho que não. Era mais como um fluxo, um vamos que tem que ser assim. O andar da carruagem. Ela estudou, casou, teve filhos. Mas quase nada saiu como  pensado. Ou esperado. Porque a vida é mais do que isso.É mais que planos e planejamentos e projetos elaborados. Ela não sabia dançar conforme a música.. E não queria aprender. Ela queria gritar e cantar e dançar em outro ritmo.  Sem ritmo.Seguir outros caminhos. Queria ser de verdade, porque não sabia jogar aqueles joguinhos de faz de conta que eu não estou aqui. Faz de conta que  eu não me importo. Ela tentou. Ainda tenta. Porque precisa, né, algumas vezes. Seguir a boiada. Se disfarçar no meio da multidão. Necessário, vez em quando. E ela faz, e faz bem. Mas custa tanto, e custa caro.Toda vez que ela tem que usar a máscara e a fantasia. Ela se sente ridícula, uma estranha.. E ela é uma estranha, cada vez que abre mão de si mesma e joga  este jogo de cartas marcadas. Ridícula e cansada. Ela precisa de um café, bem quente. Sem açúcar.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Qual a idade do amor?

Não importa o quanto você tenha vivido. O amor tem sempre 17 anos. Sempre. Não importa a sua idade, se você tem 30, 40 ou 80 anos. Se você se apaixonar, volta a ter 17. Imediatamente. Irremediavelmente.   Você se considera uma pessoa madura, bem resolvida e já, digamos, experiente. Você pensa: nesta cilada não caio mais. Você acha que está no controle da sua vida adulta. Aí você se apaixona. E perde o chão, a fome e a razão. Imediatamente. Inacreditavelmente. Volta a ter 17 anos. Invariavelmente.Temporariamente.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Assim são as garotinhas

Assim são as garotinhas. Assim são as mulheres. Imprevisíveis. Ilegíveis. Doidas.
Mulher é algo que inventaram para enlouquecer os homens. Em todos os sentidos.
Não existe mulher simples. Não. Não se engane. Se for simples, ou não é mulher ou...
não é mulher. Não, não é. Porque mulher simples, que pensa com cabeça de homem, bem simples, não existe. Pode até parecer que existe, mas não, é ilusão, viu? Não existe. Eu, pelo menos, não conheço nenhuma.
Porque homem é simples, né? Se ele fala que uma coisa é azul, é azul mesmo. Não estou falando que homem é sincero, o que já seria algo bem diferente. Estou falando que homem é mais simples. Mais literal.
Mais preto e branco, mais concreto. Mulher não. A mulher  tem mil nuances, um sem número de nomes para definir uma mesma coisa. Sua cartela de cores é algo inimaginável para a maioria dos homens. Imaginem seus sentimentos então? Indescritíveis. Ou melhor, descritíveis, porque,  ela, além conhecer muito mais cores que os homens, também sabe muito mais palavras. E fala, descreve, escreve.  Adora falar de sentimento. Discutir a relação.Tagarela sem parar. Usa vinte palavras para definir qualquer merda, e depois que define, muda de idéia mais rápido do que muda de cor de esmalte. E pasmem, ela pensa xis e fala zê, de propósito,porque ela espera que ele,o homem, aquele ser básico, adivinhe seu pensamento. Seu pensamento que não é nada básico, nem simples,nem certo . Seu pensamento que ,como veio ,já foi, mudou e não deixou endereço. E não estou falando nem da TPM, quando a situação se agrava fortemente. Estou falando do dia a dia mesmo. E não é crítica, é constatação. Também não é reclamação, mas poderia ser. Porque não é fácil ser mulher e sofrer tanto, e amar tanto, e esperar tanto. Conhecer tantas cores, e ainda ter que combinar a bolsa  com a cor do cabelo e da unha. Não, não é uma reclamação. Porque não é fácil, mas é uma delícia.Vai entender.

sábado, 2 de junho de 2012

Resumindo

Ele queria saber porque. Haviam muitos porquês. Afinal, foi tanto tempo. Tanta coisa.
Ela não queria falar. Não mais. Não via mais sentido em falar. Não depois de tudo.
Mas então ela pensou. Numa frase que simplesmente resumia tudo.
E não falou, escreveu. Porque era mais fácil, para ela, escrever do que falar.
Ele não permitia a felicidade, porque não acreditava nela.
Era só isso. Mas não era só. Era muito, para ela. Era tudo.Porque ela, ela acreditava. E ainda acredita.

Baby I'm a want you

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Cargas desnecessárias

Lembrei de uma pequena história zen, que é mais ou menos assim: dois monges vinham retornando ao mosteiro, após uma viagem. Quando chegaram à margem de um rio, viram uma bela jovem, que não conseguia vencer as águas , com dificuldades para atravessar. O mais jovem ignorou a presença da moça e atravessou rapidamente. Ao olhar para trás, viu que o mais velho estava carregando a mulher nas costas. Ao chegar do outro lado, a jovem agradeceu e se foi. Os dois seguiram seu caminho, num silêncio constrangido. Nada foi dito no dia e noite que se seguiram ao fato. Quando já estavam às portas do mosteiro, o mais novo perguntou ao mais velho: por que você fez aquilo? Não sabe que é proibido? Não podemos tocar em uma mulher! Ao que o monge mais velho respondeu:"eu a deixei às margens daquele rio, ontem. Mas você , você ainda a está carregando."



Lembrei dessa historinha porque estava pensando nas cargas desnecessárias que carregamos. Por exemplo,  há pouco tempo, estive em Floripa. Foram dois dias apenas,  mas levei uma mala que daria folgado para uns 15 dias ou mais. Não usei um terço das roupas, e ainda tive um trabalhão na volta, para arrumar tudo.  E é sempre assim quando viajo. Não sei ser básica. Outro exemplo,  minha bolsa. É enorme, um sacolão sem fundo. Óbvio que está cheia de coisas, papeizinhos, comprovantes, embalagens vazias, bobagenzinhas inúteis. Cargas desnecessárias. Lixo mesmo. Que carrego todo dia, sem ter consciência, aumentando o peso sobre meus ombros gradualmente, até chegar no ponto em que a faxina é obrigatória. Aí me espanto com a quantidade de porcaria que venho trazendo comigo. É sempre assim.
E assim é, muitas vezes, na nossa vida. Vamos andando inconscientes da carga que estamos levando. Do peso que dia a dia vamos acrescentando, e incorporando, sem ao menos perceber. Quanto pensamento tóxico, quanta fixação no passado, quanto preconceito. Quanto de coisa que já era, não serve mais, mas continuamos levando como se ainda fizesse parte. Vamos acumulando, como aqueles colecionadores malucos que aparecem na TV. Acumulamos porque podemos precisar, porque temos medo de não  mais precisar, medo de mudar, e também porque nos acostumamos a acumular. Acumulamos principalmente por inconsciência. E vamos ficando soterrados por toda esta tralha. Sobrecarregados. Muito pesados. Necessitados de uma faxina também.  Interna. E de uma mala menor. Mais prática.
Por que será que é tão difícil viajar leve? Deve ser porque não conseguimos deixar na margem . Falta coragem para partir sem olhar para trás, e sem levar consigo o que já não é mais necessário.

Dani Altmayer