quarta-feira, 26 de junho de 2013

Palavra Que Eu Entendo

Palavra enfeita a mesa, não mata fome. Fome se mata no abraço.

Palavra é disfarce, arremedo. É tempero, cheiro verde, noz moscada.

É gostoso. Condimento, um quê de de sentimento, uma pitada de emoção.

Finalização. Inicialização. Potencialização.

Mas não é tudo, é quase nada. E mesmo nada, quando é tudo.

Na palavra, cabe muito. Cabe mundo.

A palavra acalenta, ensurdece. Acalma e enlouquece.

Se registrada, danou-se. Nunca esquece.

Palavra sobra, às vezes. E, faz falta, tantas vezes.

É prova de nada, de coisa nenhuma.

Jogo de verdade e consequência.

Ficção, ou biografia. Difícil decisão.

É apego, afago. Sossego, ilusão.

Martela a cabeça, aperta no peito.

Toca, no violão.

Justifica, explica, enquadra.

Procura, tenta, significa.

É em vão, e também não.

É por modos, até maldade.

Mas também consolação.

Tudo dito, agora não tem mais jeito.

Chega bem perto, e não fala.

Cala a boca, e não demora.

Desta busca, inquietante, incessante,

A palavra é só um instante.

O silêncio do teu beijo, eternidade.

  Dani Altmayer

sexta-feira, 21 de junho de 2013

É Preciso Lavar o Rosto ao Acordar


Acordar não é bem assim. Levantar da cama, e pronto.Sair para a rua.
Acordar é um processo. Como todo processo, leva tempo. Exige dedicação.
A gente tem que se espreguiçar, abrir bem os olhos, lavar o rosto, tomar um banho, escovar os dentes.
Tomar uma xícara de café, escolher a roupa mais apropriada, pentear os cabelos, organizar as ideias.
Projetar o dia, escolher o trajeto, o modo, o meio. Deixar a preguiça. abandonar o sonho, o medo.
Tudo isso leva um tempinho. O tempo de despertar.
Senão, a gente corre o risco de sair de qualquer jeito. De pijama. Com os olhos cheios de remela, e semicerrados. Corre o risco de caminhar dormindo. Quem anda dormindo é sonâmbulo.
Sonâmbulos não tem consciência. Quem não tem consciência, não é responsável. É massa de modelar. Presa fácil. De gente mais acordada. Mesmo de gente bem intencionada.
Sonolentos e desatentos, é fácil cair, se deixar levar. Ir no embalo. Sair só por sair. Gritar só por gritar.
Caminhar sem rumo até que é legal.  Divertido. Só não dá para querer adivinhar onde vai dar. Não dá para reclamar, depois. Se escolheu o caminho errado, e se perdeu, na via lindeira. Se seguiu outra voz, uma voz alheia. Se distraiu-se, com um canto de sereia.
Um belo dia raiou, e isso é muito bom. Já não era sem tempo.
Amanheceu, e já se faz tarde. Acordar é preciso. Inevitável. Imprescindível.
Mas acordar é processo.
É arregalar de olhos. É acender de luzes.
É despertar, consistente.
Um levantar consciente,  sem qualquer ilusão.
É sair na rua vestido,  arrumado, armado. De convicção.
Com foco, e com direção.
Prestar atenção, e não esquecer da cautela.
É ter muito, mas muito cuidado. Cuidado nunca é demais.
Porque tem gente que acorda muito, mas muito mal-humorado.
E nem a gente sabe do que esta gente é capaz.

  Dani Altmayer



quarta-feira, 19 de junho de 2013

Com Hora Marcada




Eu estou tendo uma crise de rinite, daquelas. Alergia ao pólen, foi o que o otorrino me disse. Meu nariz parece uma batata vermelha. Ou seria um tomate? A caixa de lenços de papel está quase no fim. Logo hoje, eu penso, logo hoje. O dia está ensolarado, e ventoso. Ainda faz um pouco de frio para esta época do ano, aqui na praia. O jardim está lindo, todo em flor. Mas não posso aproveitar, as flores são as culpadas pela minha alergia. Elas e o vento, desta terra de ventos. Entro em casa, fecho as janelas e penso em tomar um antialérgico. Não posso. Logo hoje, esta rinite. Ele deve estar chegando em poucos minutos, talvez em uma hora. O trânsito anda complicado, mesmo neste fim de mundo. A estrada em obras não ajuda, em nada.

Olho meu reflexo no espelho da sala. Não poderia estar pior. Bom, poderia. Se começasse a chorar. O que, provavelmente, iria acontecer, mais tarde. Paciência. Ainda bem que não coloquei rímel.

Deito no sofá, e, entre um espirro e outro, quase adormeço, envolta em uma névoa de pensamentos.

Quase um ano se passou. Fazia calor naquele dia, e tinha chovido mais cedo. Por causa disso, meu cabelo estava horrível, todo arrepiado. Engraçado o tipo de coisa que a gente lembra. Eu estava em Porto Alegre para fazer um estágio de trinta dias na área de oncologia pediátrica. Era meu primeiro dia, e eu cheguei atrasada, para variar. O grupo de colegas e residentes já estava reunido, fazendo o round, discutindo os casos clínicos. Tentei ser discreta, mas o chão estava úmido, escorreguei, e quase caí. Apoiei-me na primeira coisa que vi pela frente, e que, por acaso, foi o braço dele. Já ia pedir desculpas, quando ele se virou, e me olhou. Sorriu para mim, entre debochado e curioso, e eu quase caí de novo. Fiquei vermelha. A meu favor, tenho a dizer que sou do tipo que fica ruborizada sempre. Por qualquer coisa. Imagino que ele tenha me achado uma completa idiota. Ele nega, claro.

Rodrigo era residente do último ano de oncologia geral na Santa Casa. Ele estava passando pela oncologia pediátrica, também, naquele mês. Cabelos escuros, olhos verdes, um sorriso meio torto que desmanchava qualquer mau humor. Braços fortes (ainda bem) e temperamento tranquilo e gentil. Ele gostou de mim, apesar do nosso começo atrapalhado. E eu gostei dele, desde o começo. Logo estávamos sempre juntos, dentro e fora do hospital. Ele foi meu guia na capital, que era um caldeirão fervente naqueles dias. Refugiávamo-nos do calor em shoppings, e cinemas, e em chopps gelados. Ele me ajudava com os pacientes e prontuários, e acobertava meus atrasos recorrentes. Contava histórias engraçadas e improváveis para as crianças, e nos fazia rir, a todos. Tornava mais leve o que era tão pesado. Eu me apaixonei em bem menos de um dia. Ele, eu não sei quanto tempo levou. Mas, quando trocamos o primeiro beijo, foi logo avisando que não podia se envolver com ninguém. Em outubro iria para a Espanha, Barcelona, onde faria uma subespecialização de três anos. Pensava em se estabelecer por lá. Ele não queria compromisso, e deixou isso claro. Eu também não, então tudo bem.

Quando acabou o estágio, no fim daquele mês, voltei para a cidade onde vivia. Eu estava terminando a minha residência em pediatria, e morava sozinha, em uma pequena casa próxima ao mar. Tinha saído de minha cidade natal anos antes, para estudar medicina em Rio Grande, e acabara ficando. Aprendera a gostar da cidade ventosa, e, principalmente, a amar as dunas da praia do Cassino. Gostava de caminhar em suas vias de areia, e ver o sol nascer no mar, tendo como companhia apenas os cachorros de rua. Morava na maior praia do mundo, como gosta de dizer, com muito orgulho, a gente daquela terra. Já no primeiro final de semana, Rodrigo veio me visitar. No seguinte, eu fui a Porto Alegre. Logo estabelecemos uma rotina. Sempre que os plantões permitiam, ou eu ia, ou ele vinha. Enfrentávamos as longas horas de viagem sem nunca cansar. O amor engolia os quilômetros. O assunto Barcelona não foi mais mencionado, por um bom tempo. Era um futuro distante. E, por ser distante, e por ser futuro, ele não existia.

Alguns meses mais tarde, a mãe do Rodrigo ficou muito doente. Tínhamos planejado uma pequena viagem, juntos. Mas acabei tendo que passar o mês de férias em Porto Alegre, com eles. Todas as manhãs, caminhava com ela na Redenção, empurrando sua cadeira de rodas entre as folhas secas que cobriam o parque. Sentávamo-nos em bancos, sob o sol cálido, e observávamos os arco-íris que se formavam no chafariz. De vez em quando Rodrigo se juntava a nós. Seus olhos claros refletiam dor e gratidão. Eu estava lá, e, desta vez, quem o segurou fui eu. Foi nos meus braços, dentro do meu abraço, que ele caiu.

Algum tempo depois, Rodrigo recebeu uma correspondência do hospital em Barcelona, confirmando a bolsa integral. Era um dia gelado, e estávamos em casa, no Cassino, tomando um vinho, quando ele me contou, as faces rosadas, e os olhos brilhantes de excitação. Não consegui falar nada. Apenas virei o rosto em direção ao fogo, que ardia suavemente, na lareira da pequena sala. Fiquei olhando a chama sem piscar, até meus olhos arderem e minha visão se borrar. Chorei baixinho, e ele me abraçou forte. Não dissemos nada. Nós dois sabíamos, desde o início. Outubro. Era dali a três meses.

É este mês, já. Ele viaja no próximo fim de semana. Hoje é a nossa despedida. Ou deveria ser. Não sei mais nada. Levanto do sofá, espio as horas no celular, e olho para o envelope em cima da mesa. Como pudemos ser tão descuidados? Escondo o envelope na gaveta, volto a tirar. Ele parece queimar em minhas mãos. Coloco em cima da mesa novamente. Rodrigo está demorando tanto. Olho mais uma vez no espelho, o nariz desinchou um pouco, mas os olhos estão vermelhos, e duas olheiras escuras me conferem o aspecto de um guaxinim. Logo hoje. Meu coração se aperta ao ouvir o barulho do carro. Em poucos segundos ouço o som de seus passos no cascalho da entrada, e sua voz, gritando meu nome. Abro a porta, e um enorme buquê de rosas vermelhas esconde seu sorriso torto. Ele está mais lindo do que nunca.

- O que houve com você, andou chorando?

- Rinite- respondo, calmamente- Alergia ao pólen.

Ele pede desculpas pelas flores, constrangido. Não tem problema, explico, são as flores do jardim que me fazem espirrar. Elas e este vento. Ele sorri, aliviado, e diz:

-Tenho uma surpresa para você.

 Ele me entrega um envelope grande. Dentro, um bilhete, escrito apenas -“Vem   comigo?”  E uma passagem aérea, em meu nome, para janeiro.

Ele me observa com insistência. A pergunta se repete em seus olhos.

Não consigo responder. Não falo nada. Olho para o meu envelope em cima da mesa. Sei que preciso mostrar a ele. Não é uma carta, nem um bilhete. Contém apenas uma palavra. Positivo. Resultado de um teste que fiz ontem.

Eu, mais uma vez, atrasada.
Dani Altmayer


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Olho por Olho



Eu contenho
 Tudo que me contém.
   Tudo o que me move,
       E aquilo que me detém.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Amor e lógica

Lógica é a organização estruturada do
  pensamento.
Tem como sinônimos,  coerência, método e raciocínio.
Conclusão: o amor não tem lógica. Nenhuma.
Amor é puro sentimento.
O amor inverte a lógica. Bagunça a ordem.
Acaba com o raciocínio, e vai além.
Ainda bem.
Não entendo nada de lógica, mesmo.
Coisa alguma.
Bom, nem de amor, pensando bem.
Amar, é como viver, e ultrapassa qualquer entendimento.

Dani Altmayer

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Toda a Vida, Menos um Dia

  Ela esperara por ele por muito tempo. Toda a vida, e mais um dia. Estranho dizer isso. Pensar isso. Logo ela, que era meio cética, e não acreditava nesta história de alma gêmea. De felizes para sempre. Amor romântico, estas coisas. Esgotara todas as possibilidades nos inúmeros romances que já lera. Nos tantos fracassos que já vivera. Da vida não esperava muito. Há anos aprendera que certas coisas só são possíveis em livros, filmes e músicas. Na vida real é conta para pagar e problema com filho. Basicamente. Com alguns intervalos para um pouco de diversão. Dizem que a arte imita a vida.A arte enfeita a vida. Põe trilha sonora e pôr do sol, romance em Paris e o Bradley Cooper na sua cama. Não dá nem para comparar. Assim ela pensava. Até ele acontecer.
  Conheceram-se no cinema. Ela tinha mania de ir ao cinema sozinha, em algumas sextas feiras, depois do trabalho. Escolhia a dedo, o filme e o cinema, em geral algum filme austríaco-russo-coisa parecida, em salas fora do circuito de shoppings. Ela detestava shopping centers, e não tinha paciência para estes filmes americanos blockbusters. Só que desta vez, fora diferente. ela decidira assistir ao argentino " O Segredo de Seus Olhos", e acabara no shopping Moinhos, com um saco gigante de pipoca doce, sentada na última fila. Distraída, não o viu até que ele reclamou do barulho da pipoca. Ele achava de última comer pipoca no cinema. Ela olhou para ele, e fez uma careta. Ele riu da careta dela. Ela achou ele interessante. Ele achou ela engraçada. Quando acabou a sessão, meio que naturalmente, eles desceram as escadas juntos, ainda surpresos com o final da película. Foi inevitável que comentassem o desfecho inesperado, e daí a sentarem na cafeteria e engatarem uma conversa, foi um pulo.
 Conversaram por horas, como se já se conhecessem há anos. Não faltou assunto, era fácil falar com ele. Ela descobriu que ele era engenheiro ambiental, morava em São Paulo, e tinha vindo a Porto Alegre como palestrante em um congresso. Estava no cinema para matar o tempo até a hora do vôo. Ele descobriu que ela era ilustradora de livros infantis e amava pipoca doce. Descobriu que tinha pipoca até no cabelo dela. Ele era separado, e tinha uma filha de vinte anos. Ela era separada, e tinha um filho de dez anos. Ela deu uma carona para ele, até o aeroporto. Trocaram telefones e emails. Ela achou esquisito, mas ele não tinha facebook. Falou que não gostava. Ela não falou nada. Despediram-se com um beijo. Ele foi embora. Ela estava apaixonada. Ele também.
 Trocaram emails e telefonemas, mensagens e poemas. Corresponderam-se por cartas, como faziam os namorados de antigamente. Cartas compridas, cheias de detalhes. Ridículas cartas de amor. Ela passava os dias em suspenso, como se não houvesse chão sob seus pés. Flutuava na sua nuvem particular. Ouvia músicas na sua cabeça. Não escutava as amigas, que lhe diziam para ter cuidado, para ir devagar. Que contavam histórias de namoros virtuais, de tantos enganos e desenganos. Era diferente, ela dizia. Ele é real. É de verdade. Ainda guardava seu sorriso e o gosto do seu beijo. Pensava saber dele mais do que de qualquer outra pessoa. Ela sabia que ele tinha medo de escuro, por exemplo. Que não gostava de doces. Que amava cães.Era fã de beisebol. Ele sabia muito dela, também. Sabia que ela tinha um fraco por perfumes. Que colecionava caixas. Que amava chocolate. Que adorava dançar. Compartilhavam pensamentos e afinidades, fraquezas e alegrias. Tinham muitas diferenças. Tinham tanto em comum. O mesmo gosto por livros, pelos mesmos livros. Um jeito parecido de ver a vida, um misto de desconfiança e otimismo. A paixão pelo mar. Adivinhavam-se, um no outro. Refletiam-se, e gostavam do que viam. Tentavam definir uma data para se reencontrarem, estava difícil, sempre uma coisa ou outra. Meses se passaram, um, dois, três. E finalmente, a boa notícia. Ela teria que ir a São Paulo por uma semana, a trabalho. Ele a esperaria no aeroporto.
 No dia da viagem, ela quase perdeu o vôo. Foi uma correria, mas deu tudo certo. Desembarcou do avião com o coração aos pulos. Tinha um pouco de medo de não o reconhecer. Olhou ao redor, e nada. Ninguém parecido. A sala de desembarque ficou vazia, e nada. Talvez ele estivesse atrasado, o trânsito em São Paulo é um caos. Ligou para o celular, caixa postal. Ligou muitas vezes. Esperou duas horas, e foi para o hotel. Checou seu email, nada. Ligou, no dia seguinte, e no outro. Nada, sempre caía na caixa postal. No terceiro dia, uma mulher atendeu o telefone. Ela desligou, imediatamente. No final da semana, voltou para Porto Alegre e pegou uma gripe que a deixou de cama por muitos dias. Há anos não pegava nem resfriado. Uma dor no corpo terrível. Caixas e caixas de lenços de papel depois, decidiu deletar todos os contatos, bloquear emails e retomar sua vida. Recuperar sua saúde. Ganhou um celular novo da editora onde trabalhava, aproveitou para trocar o número. Nenhuma amiga teve coragem de dizer, mas ela sabia. Via nos olhos delas. Fora uma boba. A dor no corpo curou rápido. As outras demoraram mais tempo.
 Anos se passaram. Um dia, enquanto estava, com o filho e o namorado, almoçando na calçada, em um restaurante na Padre Chagas, ela o viu. Com o passar dos meses, a lembrança que tinha dele se desbotara e perdera o foco, como em uma daquelas fotografias antigas mal tiradas. Quase se apagara. Ela pensava que esquecer é um pouco assim. Como quando uma pessoa vai se afastando da gente. No início a imagem ainda é grande, nítida. Depois vai ficando menor, cada vez menor, mais distante, até que vira um pontinho e desaparece. Mesmo assim, não teve dúvida. Ele estava mais velho, com menos cabelo, e mancava de uma perna. Usava uma bengala de apoio. Mas era ele. Tinha certeza. Não estava sozinho. Sentaram-se em uma mesa próxima, ele e a bela mulher que o acompanhava. Então ele a viu. Levantou-se com dificuldade, e veio até ela. Chamou-a suavemente pelo nome. Ela ficou de pé, e olhou para ele. Foi quando percebeu a enorme cicatriz em sua testa. Acidente, ele disse, em resposta à pergunta silenciosa e não formulada. Naquele dia. Traumatismo craniano, fratura exposta na perna. Uma semana em coma. Dois meses de internação. Quase um ano em recuperação. Sinalizando com a cabeça, em direção à mulher que estava na outra mesa, completou: a Ana foi  minha fisioterapeuta.
 Sem saber o que falar, ela sussurrou: sinto muito. Eu também, ele respondeu baixinho. Eu também.

Dani Altmayer

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Até onde você vai?

Quem corre maior risco? Quem se atira do segundo, ou do vigésimo andar?

Conversando sobre riscos com um amigo economista, ele definiu risco como variação de valor. E explicou: valor é diferente de preço. Valor é percepção. Cada um sabe do seu. O que tem valor para mim, pode não ter para você. O que é muito para uns, pode ser pouco para outros. Tá, mas e o risco, o que tem a ver com isso? Simples. O risco muda em função do valor. Quanto maior o risco, maior a recompensa. Quanto menor o risco, menor o ganho. 
Ok, então o risco, e o valor, quem define sou eu e você. É isso? Ou seja, dependendo do valor que se dá a uma coisa, se decide se vale a pena arriscar, ou não. Deixar o dinheiro no fundo de renda fixa, ou aplicar na bolsa de valores?  Você pode ganhar muito. Ou perder tudo. Vale arriscar trocar o emprego público por um na iniciativa privada?  Vale gastar toda sua poupança em uma viagem dos sonhos? Vale arriscar aquela declaração de amor, e correr o risco de  ver sua vida virar de ponta cabeça? A disposição para arriscar depende do retorno esperado. E do valor concedido. 
Tem gente que acha que risco e perigo são sinônimos. Não são, apesar de terem praticamente uma relação estável. Nem sempre a atitude mais arriscada é a mais perigosa. Por vezes, é a mais necessária. E riscos não precisam ser evitados, a qualquer custo . Riscos indispensáveis podem ser bem administrados. 
Em economia, risco é sinônimo de incerteza. E incerteza é pimenta, na vida. A vida, uma sucessão de incertezas.
Respondendo a pergunta lá de cima. Corre maior risco quem se atira do segundo andar. Corre muitos riscos. Quebrar uma perna. Quebrar a cabeça. Morrer. Ou mesmo nem se machucar. Já quem se atira do vigésimo, não corre risco. Já sabe, né? Tem certeza. 
Risco é o grau de incerteza em relação ao investimento. Quem investe espera retorno sempre, claro. O retorno aumenta na mesma proporção do risco. Não existe retorno alto com risco baixo. E isso já deu um nó na minha cabeça, e na sua talvez. Esta coisa de economia não é comigo. Nunca foi. E pode ser que eu tenha entendido tudo errado. Mas é mais ou menos isso. Para resumir, e todo mundo entender, como minha mãe sempre dizia: quem não arrisca, não petisca.
Não é?

Dani Altmayer

terça-feira, 4 de junho de 2013

Angústia

Não sei o que está acontecendo. Não consigo respirar. Quer dizer, consigo, mas mal. Estou respirando mal. O ar não chega nos meus pulmões. Quer dizer, chega, mas chega mal. O ar mal consegue passar pelas minhas narinas, acho que estão inchadas. Mas acaba passando. Mal, mas passa. O problema é quando chega lá. Nos pulmões. Mal consigo respirar. Meus pulmões não se enchem direito. Não se expandem, nem esvaziam. É como se uma barra de ferro estivesse me oprimindo o peito. Como se as quatro paredes de um cubículo estivessem se fechando sobre mim, como acontece nos filmes. Como se estas paredes deixassem só um mínimo espaço. Um espaço de sobrevivência.O que é uma sacanagem. Melhor seria se as paredes se fechassem logo. De uma vez por todas. Porque neste espaço mal dá para respirar. Mas dá. Respiro mal. Apertada. É isso, estou sendo apertada. Me sinto sufocada. Este ar, também. É muito esquisito. O ar é pesado. Úmido. Quase palpável. Nojento. Difícil de inalar, espesso. Melhor seria não ter nenhum ar. Do que este ar. Nenhum espaço. Não dá para chamar isso de espaço. Nem posso gritar. Não consigo. Meus pulmões não expandem. Meu peito mal se mexe. Nem adianta gritar, eu acho. As paredes são à prova de som, tenho quase certeza. Devem ser. Não sei o que está acontecendo. Que lugar é este. Só sei que respiro,  mas muito mal. Vontade de suspirar. Nem isso eu posso. Nem isso. Não consigo. E se eu nunca mais conseguir suspirar? Eu adoro suspirar. Engraçado. Não tenho medo de morrer aqui. Quase tenho é medo de sair daqui. E tenho medo de me acostumar. A mal respirar. Nunca mais gritar. E nem suspirar. Nem nada.

Dani Altmayer