domingo, 26 de maio de 2019

sexo na piscina

-oficina de poesia-

bar do colégio





a fila era sempre grande e
os folhados acabavam primeiro
as espinhas no rosto e os óculos de garrafa
o garoto preferido a preferir as pernas
sob a minissaia da menina bonita
a melhor amiga e a sirene
engolindo balas de papel crepom
a agonia inútil de ser invisível

as balas e as coisas todas de plástico
os canudos e o pó
os cabelos grisalhos da menina bonita
a melhor amiga e o marido barrigudo
o garoto preferido a vida prevista
e a incrível alegria
de ser invisível

Daniela Altmayer
(oficina de poesia)

Rodízio de pizzas




você calabresa e peperoni
eu, brócolis e milho verde
você cerveja e coca-cola
eu, vinho e água mineral
não fosse a de quatro queijos
o espumante e teus olhos de fome
nosso romance não sairia
vivo dessa mesa


Daniela Altmayer
(oficina de poesia)

domingo, 12 de maio de 2019

Maternidade em linha torta







e eu, tantas vezes cansada, tantas vezes chata, tantas vezes má
eu, tantas vezes irresponsavelmente egoísta,
indescupavelmente mulher

eu, que tantas vezes não tive paciência de sentar no chão
e brincar, tantas vezes séria
irrespondivelmente ocupada,
eu, que mal vi o tempo passar

eu, que tantas vezes fui e sou louca, absurda
eu, que sou essa pessoa confusa que grita
e se descabela e logo perdoa, esquece
e te acolhe nos braços já curtos para
tua enormidade

eu que tantas noites acordei e acordo com teu murmúrio,
com teu choro, tua febre, teu vômito
tua chave no buraco da fechadura

eu, que sou ridícula, que rio na hora errada,
que digo palavrão o tempo todo
que me emociono toda e choro à toa

eu, que falo de coisas sem nexo,
que te ligo para lembrar que existo
e também encher teu saco
para não perder tão cedo tua conexão

eu, que não sei fazer bolo, que não prego um botão,
eu, que só cozinho o que quero,
e quando
que tenho na pipoca minha melhor opção

eu, que sou modelo de nada,
abnegada de nada
exemplo de coisa alguma

em resposta ao poeta, confesso
não o pecado mas a infâmia
de amar tanto e tão profundamente
e ainda assim ser tão descuidada

o que me consola são os teus olhos
tua altura
o teu amor implicante, inequívoco
nosso afeto disfarçado de cotidiano

na perfeição que não existe
nos reconhecemos, os dois

o que me consola em ser tão falha
é saber, diferente do poeta,
que eu não ando só

tenho em mim todas as mães (e as mulheres)
do mundo

Daniela Altmayer

Para todas as que vieram antes, as que vieram junto e as que ainda virão
Para todas que tem outro coração batendo fora do peito e não entendem nada
e se atrapalham também
Que sejam revogadas, desde o princípio, todas as culpas.

sábado, 11 de maio de 2019

O nome do silêncio



cai a tarde em teus braços 
na calma que prenuncia tempestade 

tu esperas um vento 
qualquer gota de chuva

buscas em volta um ruído 
que te embale o sono 
pequena cantiga que diga
a palavra que não pronuncias

o vazio da tua voz
vagalumes ao redor da lua,
buracos de estrelas mortas
há muito

que nome tens, infinito?



Daniela Altmayer

domingo, 5 de maio de 2019

O nevoeiro de domingo




Sento na pedra do Iberê sob o sol do veranico, o rio- lago reflete o azul do dia em pontos prateados, ao longe uma neblina encobre o centro e turva o perfil histórico dos edifícios.
São as brumas de Porto Alegre- acho linda essa palavra-que brotam da água e do calor e ficam suspensas no ar, feito um véu sobre a cidade nua.
Paro ali para abastecer os meus olhos de lágrimas, sou de uma terra líquida onde o doce e o sal se confundem, cresci entre velas e vento, preciso de oceanos para prosseguir. Me contento com o rio, na falta do mar. Lago.
Há tantos corpos que suam. O meu também.
Pedalo de volta devagar, porque domingo não é dia de se andar apressada, e porque está quente, que diabo de outono esse, é maio mas ainda não chegaram as frentes que trazem o frio e a sopa ( já fiz, mas foi por teimosia). Estão atrasadas esse ano.
Nas esquinas das ruas eu paro, escuto, eu olho. Lembro dos trilhos de trem, nas encruzilhadas da minha infância.
Nem tudo consigo ver, e, mesmo quando vejo, não consigo entender muito bem o que vejo e porquê.
Minha cabeça se enche então de nuvens. São as brumas.
As brumas de Porto Alegre, nas esquinas da minha rua.

Passa o dia e vem a chuva, do tipo que faz tremer a menina da poesia, só que rápida, depois dela vem o silêncio sem frio, sem frente, a noite antecipa a chegada e abro um livro, sempre ele. Sempre ela, a Clarice, para me salvar dessa minha melancolia
Com a sua.

Daniela Altmayer

quarta-feira, 1 de maio de 2019

poema raivosamente simples






como são bobos os homens
não todos -não todos, eu sei
mas tantos
com seus brinquedos caros
as armas, as rodas
os troféus, suas bolas
orgulhos, penduricalhos

com suas lutas insensatas
as guerras infinitas
os joguinhos de poder
o futebol de quinta-feira
o seu sexo meia boca
a sedução infalível

na indefectível altivez
eternamente deslumbrados
consigo, com seus iguais
e com seus brinquedos

entre eles, nós

Daniela Altmayer
( oficina de poesia)