quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Papai e mamãe


Abri o computador dele, e num primeiro momento achei que era um site de pornografia. Fazia tempo que a gente não transava, uns três meses entre o final da gravidez e o nascimento da Alícia. Minha gineco inclusive já liberou, mas eu andava tão sem vontade que nem contei para o Artur.
Não estranhei então as fotos de peitos, bundas e bucetas, estava achando normal até perceber que era um catálogo enviado para o email dele. "Vai comer uma puta o filho da puta. "
Fechei o catálogo e comecei a olhar as outras mensagens. Pelos títulos imaginei que ele andara fazendo uma boa pesquisa de mercado. Estava achando meio engraçado, o homem quase nunca queria saber de sexo nem parecia gostar tanto. "Não vai saber o que fazer com essa loira peituda,"pensei com certa tristeza, olhando para a nenê que dormia no carrinho ao meu lado.
Já ia desligar o computador para ele não perceber a cagada que tinha feito (e que eu não tinha o menor interesse em discutir, do jeito que eu andava ocupada com fralda e mamadeira) quando vi um email da Cristiele, filha da minha irmã do meio. Ela tinha passado uns dias com a gente antes da Alícia nascer, veio para prestar vestibular para nem sei o quê. Eu, mais pesada que um hipopótamo, inchada do dedo do pé até a ponta do nariz e num humor do cão, estava era preocupada em montar o berço, lavar as roupinhas, comprar o que faltava. Mal podia comigo e a infeliz andava pela casa toda magrinha, de short e fone no ouvido, não me ajudou a pregar um quadro sequer na parede cor de rosa. O Artur foi quem fez a mão de trazer e levar de carro, e acabou despachando na rodoviária uns dias depois do parto. Eu estava no hospital ainda, porque a Alícia teve amarelão.
O título do email era titio.
Estou chegando na segunda e vou direto para o apartamento. Tudo combinado com o cliente. Me encontra lá depois?
PS -Estou nervosa.
Procurei nos enviados e achei a resposta dele:
Relaxa. Você vai se sair bem. Você é boa nisso.
É só fazer o que combinamos e não esquecer de usar salto alto.
Boa sorte! Passo lá depois para falar com todas vocês.
Voltei para o email do catálogo e examinei com mais atenção as fotos. Além da minha sobrinha de rabo empinado, achei duas alunas bem bonitinhas do Artur que haviam jantado aqui em casa no semestre passado quando ele foi paraninfo e dei de cara com a vizinha do 205 de peruca ruiva e peito de fora. Eu sabia que era silicone... Ah, e a menina da pet shop, essa nunca me enganou mesmo, com aquela boca vermelha enorme. Liguei para o número de telefone que piscava na tela e uma secretária eletrônica de voz sexy atendeu: "O que você procura? Deixe seu recado, entraremos em contato." Engoli um desaforo e desliguei com um grito, acordando o bebê.
Alícia acorda buscando meu peito. Estou só de calcinha, faz calor nessa sala e o ventilador mal dá jeito de um vento morno. Olho minha imagem no espelho, engordei mais de vinte quilos na gravidez, só perdi cinco no parto. Vejo minhas coxas grossas e cheias de estrias, a barriga mole e murcha, e a cabecinha careca com laço cor de rosa perdida como uma azeitona entre meus seios brancos e caídos.
Ouço o barulho da chave na fechadura e desligo o computador abruptamente.
- Oi meus amores. Como vão as princesas do papai?
Ele se inclina para nos beijar a testa. Recoloco Alícia no carrinho e puxo o zíper da sua calça para baixo. Ele me olha surpreso. Do meu mamilo esquerdo escorre um fio de leite, e eu falo com raiva.
- Me come, Artur. Agora.

Dani Altmayer
(texto para a oficina- uma história horrível. Era para ser anônima, mas me identificaram pela ironia...)

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