quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Mulheres e bruxas


Hoje é  comemorado o dia das bruxas, tradição importada dos Estados Unidos, mas que não tem origem naquele país. A origem desta festa é celta, e o termo halloween vem do inglês hallow evening, ou noite sagrada. O povo celta acreditava que no dia 31 de outubro, véspera de Todos os Santos, noite que marcava o fim do verão, os espíritos saíam do cemitério para tomar posse dos corpos dos vivos. Por ser uma festa pagã, lá pela idade média, a igreja católica a denominou dia das bruxas.
Bruxas, para esta entidade, eram todos os que se opunham às crenças cristãs ou judaicas, e eram, em sua imensa maioria, mulheres. Estas bruxas representavam perigo para a sociedade patriarcal criada pela igreja, e foram queimadas em fogueiras por aproximadamente quatro séculos. Bastava que se fizesse uma denúncia, não precisava haver provas, nenhum indício de bruxaria. Bastava a denúncia. E bastava ser mulher.
Com o passar do tempo, as bruxas foram descritas como criaturas feias e más, mas lá no início eram apenas mulheres que conheciam ervas medicinais, que faziam partos, que cultuavam deusas e deuses estranhos aos dogmas vigentes.
Eu não sei se algumas tinham ou não poderes mágicos, mas com certeza, o que assustava e assusta até hoje é o mistério feminino. A mulher é capaz de abrigar dentro de si por nove meses, depois trazer à vida um outro ser. E depois de dar à luz, a mulher alimenta e protege esse ser, incondicionalmente. As mulheres tem forças ocultas sim, principalmente no que diz respeito à capacidade de gerar, amar, e cuidar. Podem não ser bruxas, mas fazem mágica todo dia. São dotadas de poderes inexplicáveis, de humores variáveis e hormônios traiçoeiros. Mulheres seduzem. Criam lares. Adivinham pensamentos e desejos.
Voam até a lua, se preciso for. Defendem os seus com garras, dentes, e poções. Usam a intuição.
São criativas, loucas, e lindas.
Toda mulher é um pouco bruxa, sim.
E como qualquer mistério, toda mulher é um enigma. Impossível de ser explicada.
Como todo mistério, ela pode ser fascinante. Passível de ser aceita, ainda que não bem compreendida. Mais do que isso, toda mulher é digna de ser respeitada. De ser admirada, em toda sua complexidade. Sem necessidade de fogueiras. Sem violência. Sem medo.

Dani Altmayer

Mãe

Chega em casa
Chora baixinho.
Chora escondida,
Meio encolhida,
Um choro mansinho.
Uma mágoa sofrida,
Uma causa perdida,
Uma vida passando,
O peso dos dias.
Sente saudade
De um certo colinho,
Daquele carinho,
Daquele cantinho
Seguro que tinha.
Não existe idade
Para esta saudade
Para a falta que faz

Não existe limite,
De idade,
Razão,
Nem toda maturidade
Do mundo
É capaz.
De acabar
Com a saudade.
Não tem explicação.
Nem  tempo,
Nem nada.
Não passa,
Atenua.
Não cura, isso não.
Chora, sozinha,
A dor que é sua.
A saudade.
Do colo,
Aquele.
Que nunca mais.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Obrigada, de coração

Acho que pedir perdão e perdoar são duas das atitudes mais nobres e difíceis que há. Mas acho que, ainda mais difícil do que o perdão, é saber exercer a gratidão. Tempos atrás, precisava escrever um texto cujo tema era gratidão, e simplesmente não saiu. Nada. Nem uma linha sequer. Arquivei o assunto em um canto qualquer do meu cérebro, perdi o prazo, mas não esqueci. Nem poderia esquecer. Parecia tão simples, e não foi. Por quê? Afinal, você diz, ou deveria dizer, se foi bem educado, uma dezena de "obrigados" por dia. No trabalho, no táxi, no supermercado. Muitas vezes ao dia, você diz estas palavrinhas mágicas: muito obrigado. Só que diz de forma automática, superficial, educada.
Em um mundo de necessidades ilimitadas e desejos irremediavelmente insatisfeitos, qual o espaço para a gratidão? Reclama-se muito. Agradece-se pouco. Apesar de todos os "obrigados" que dizemos, quantas vezes paramos para olhar de verdade e agradecer? Se é um serviço que está sendo prestado, pensamos que não é mais do que a obrigação do prestador. Se é um favor que nos está sendo feito,  muitas vezes pensamos da mesma forma. Não passa de obrigação, não custa nada, etc. Para agradecer, de verdade, há que se ter humildade. Reconhecimento. Não basta ter educação. Toda educação do mundo não te dá a capacidade de valorizar. Não mesmo. A gente sabe pedir, mas não sabe devolver.
E você pode até achar que sua vida é uma merda, e que não tem motivos para agradecer. Que a sua estrela não brilha tanto assim. Mas isso é porque você não vê. E nem quer. Não vê que sim, todo dia a vida te dá motivos para ser grato, nem que seja pelo sol ter nascido, e você ter saúde, e ter ao menos uma pessoa no mundo que te ama. Isso não te basta? Então lembra daquele amigo que também lembrou de você, e te deu uma carona naquele dia de chuva, quando seu carro estava estragado. Lembra daquela massa deliciosa que você comeu no almoço. Lembra do telefonema inesperado. Lembra daquele sorriso, daquele abraço, daquele ombro sempre disponível. Lembra da água quentinha do seu chuveiro. Lembra daquele cheiro, hum, aquele perfume... Do passeio de bicicleta, do barulho do mar, das ondas quebrando na areia da praia. Do livro bom, do sexo bom, do sonho bom. É pouco?
Então lembra de todos que estão na sua vida. Seus amores e desamores. Você pode ser grato a todos eles. Aos amores, pelos motivos óbvios. Por estarem sempre aqui por você, com você. Por te darem conforto. Aos desamores, por te mostrarem o outro lado, por te fazerem chorar, e crescer. Por te tirarem da zona de conforto. Todos, sem exceção, fazem parte de quem você se torna, a cada instante.
Tempos atrás, perdi o prazo, mas não a oportunidade. De avaliar os porquês do meu bloqueio criativo. As razões da minha ingratidão. Precisei,  olha que coisa, procurar motivos pelos quais ser grata. E agradeço por isso. Então hoje, quero poder lembrar, todo dia, das tantas coisas que tenho para agradecer. E das muitas pessoas às quais sou grata. Quero lembrar que, por mais disponível que uma pessoa esteja, ela não está à minha disposição. Não tem que satisfazer minhas vontades. Mesmo que o faça. E, se o fizer, quero saber ser grata, de alma e coração. Certamente ela faz muito, muito mais do que sua obrigação. Até porque, vamos combinar, ninguém é obrigado. Não existe obrigação. Só  isso, e por esse tanto, meu muito obrigada.

Dani Altmayer

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Eu sei

Não preciso te mostrar que sei.
Cansei.
Saber que sei me basta.
Sem mais, me afasto
 Finalmente exausta.
Brisa suave
Na beira do mar.
Levemente salgada,
Completamente nua,
Exposta, num sopro.
Muda, cega e surda.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Por que uma prateleira?

  "Você está onde se põe." Tinha ouvido ou lido esta frase, não lembrava exatamente onde, ou de quem. Mas lembrou dela naquele momento, por mais esquisito que pudesse parecer. Por mais triste, envergonhada e humilhada que estivesse, ela sabia. Só estava ali porque tinha se posto ali. A responsabilidade era cem por cento dela. Estranhamente, este pensamento a libertou. Foi como se , subitamente, tivesse se transportado a outro nível, bem longe do chão. Como se tivesse ido parar na prateleira mais alta daquele armário caindo aos pedaços, e de lá pudesse observar toda a cena. Estava, ao mesmo tempo, lá em cima e lá embaixo, encolhida naquela cama desarrumada, e nua. Lá embaixo algumas lágrimas escorriam pela face. Lá em cima, um sorriso se insinuava em seu rosto. Lá embaixo estava vulnerável e exposta. Lá em cima, cruzara as pernas na posição de lótus e estava calma como há muito não se sentia.
   Ela lá de cima, olhando ela lá de baixo, e nem estava louca. Nunca estivera tão lúcida. Quase fria. Distante, conseguia ver claramente. Sabia que não podia culpar ninguém. Que estava ali porque quis, muito, estar ali. Naquele dia e naquela hora. Estava onde escolhera estar. Conhecia os riscos. Sabia que toda a mágoa e toda a dor que poderiam resultar dela estar ali, não tinham outro endereço a não ser ela mesma. Parou de querer achar culpados. Encarapitada em sua prateleira, de pernas cruzadas, não sentia nada. Nem a humilhação, a vergonha ou a tristeza. Nem ansiedade, nem cansaço, nem desejos. Nada. Talvez um pouco de compaixão, isso sim, por ela, por tudo. Compaixão, que é muito diferente de pena. Muito. Embora as pessoas confundam, algumas vezes. Mas é diferente. E sentia-se livre, finalmente, daquela angústia, daquela espera, daquelas expectativas que sua ilusão tinha criado. Se colocou ali sabendo, até esperando, que fosse sofrer. Mais um pouco, de novo. Só o que não sabia era que conseguiria se dissociar de tudo aquilo. Assim, como num passe de mágica, um pó de pirlimpimpim, ela subiu, e uma luz se acendeu.
   Isso era novidade para ela, mas pensando bem até que fazia sentido. E era merecido. Gastara tanto tempo e pusera tanto coração naquilo tudo, fora feliz e infeliz, confiante e desconfiada, tivera tanto amor e tanto medo. Criara castelos e pisara neles, como fossem de areia. Vivera tantas coisas tão opostas, ali, naquele lugar onde se colocara, de novo e de novo. Paradoxos. Insistindo, acreditando e desacreditando, tudo ao mesmo tempo e em momentos diferentes também. Ali, naquele lugar. Que fora um campo aberto e florido, e tinha se transformado em uma trincheira, de súbito, onde mal podia levantar a cabeça. Ali onde um dia correra livremente, e agora tinha que tomar cuidado com cada respiração. Ela criara as flores, criara as grades. Ninguém a havia prendido, obrigado ou iludido. Tudo nascera nela, e nela ia morrer, como tinha que ser.  Estivera ali por tempo suficiente para fazer o ciclo completo. Perdera-se mil vezes, e reencontrara-se, outras mil. Estivera inteira ali. Visitara cada cantinho escuro. Saboreara cada sorriso iluminado. Acabou. Ia levantar daquela cama, enxugar as lágrimas, se vestir e abrir a porta. Ela sabia que só se acha aquilo que se procura. E só se encontra aquilo que se mostra, que se deixa encontrar. Procurou muito. Iludiu–se por achar que encontrara .Correu tanto que cansou de brincar de pega-pega. Quando cansou, dormiu e voou. Quando voou, despertou. Poderia voar bem mais alto, ela sabia. Ir para bem longe. Mas sabia também que precisava estar ali por mais um tempo. Observar do alto daquela prateleira capenga. Sentada em posição de lótus, sorrindo para si mesma. Queria olhar bem para onde  tinha se colocado. Para enfim, mesmo sem entender nada, ainda assim, compreender tudo.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Este ser, o médico

Ser médico, muito mais do que ter uma profissão, significa adotar um modo de vida. Você não consegue ser médico por 6 ou 8 horas por dia, depois pendurar o jaleco, apagar a luz e desligar. Não, você é médico 24 horas por dia, até mesmo enquanto dorme. Quando você se torna médico, o médico torna-se você. Os dois se tornam um, inseparáveis, indivisíveis. É assim que acontece.Você pensa, raciocina e age como médico o tempo todo, mesmo que não se dê conta disso. Dá conselhos a amigos, tenta sempre achar um jeito, pensa o pior sempre que alguém que você ama adoece. Analisa em segundos todas as hipóteses diagnósticas e escolhe logo a bruxaria. Sofre, em dobro, por saber demais. Quem de nós já não desejou, ao ver um ser amado gravemente doente, ter a ignorância protetora de quem nunca estudou medicina, e poder, assim, manter a esperança? E quem já não pensou em meningite à primeira febre de 39 do filho pequeno? Assim funciona a cabeça de um médico. Porque não dá para separar ou esquecer. Nem você esquece, nem te deixam esquecer, nunca.
Está entranhada, a medicina, em todos nós que fizemos esta escolha. Para o bem e para o mal, na saúde e na doença, na tristeza e na alegria.
Hoje, 18 de outubro, é dia do médico. Datas são boas para lembrar. Para repensar. Reavaliar.
Penso que toda pessoa que escolhe ser médica, tem em primeiro lugar, um profundo interesse no ser humano. Respeito pela vida acima de tudo. E uma vocação. Para cuidar do outro, para prestar serviço, para ajudar.
Então, meu desejo, neste dia, é lembrar disso. Que este respeito e esta vocação nunca saiam de cena, e continuem sempre neste primeiro lugar. Que consigamos estabelecer vínculos, acolher e ajudar quem se aproxima de nós, em momento de fragilidade. Que não deixemos a soberba tomar conta nunca, que tenhamos a humildade de nos sabermos humanos, e falíveis. Que saibamos pedir ajuda, e trabalhar em equipe. Que valorizemos todos os profissionais que trabalham conosco, e que são tão importantes e necessários para a boa prática da medicina. Todos. Que tenhamos olhos para ver, ouvidos para ouvir, e principalmente, delicadeza para perceber as sutilezas. Que não nos consideremos superiores a ninguém, mas que ainda assim, saibamos resgatar nosso valor todos os dias. Que deixemos de ser explorados e que não sejamos exploradores. Que a ética esteja sempre conosco. A dignidade. E o juramento de Hipócrates .
Que honremos este ser que habita em nós, e no qual habitamos. Este casamento, que é para o resto da vida.
Feliz dia do médico!

Dani Altmayer

domingo, 14 de outubro de 2012

Eu quem?


"O poder de ser você mesmo sem se importar com o que os outros vão pensar". Uau! Maravilhoso.
Ou não? Sim, acho que sim, desde que você saiba quem você é. Eta coisa complicada, " saber-se."
Pega qualquer livro de auto ajuda, esoterismo ou religião, e vai estar escrito lá: "conhece-te a ti mesmo". E vai estar escrito que não adianta procurar fora o que está dentro, e blá blá blá. Ótimo.
Mas quem tem tempo de olhar para dentro, quem tem vontade, paciência e persistência para limpar toda a área, e cavar bem fundo? Poucos, né, porque dá um trabalhão. E está tudo tão misturado, tão confuso. Toda essa sociedade, esses valores ou falta deles, todos esses padrões, há muito determinados. Tão arraigados que já nem percebemos que não são nossos, de verdade. Dificulta fazer a faxina necessária para conseguir separar toda esta tralha, o lixo que se acumula de forma assustadora, que é despejado diariamente em caçambas gigantescas, em grandes volumes. Cansa mesmo.
Por isso talvez a gente escolha, muitas vezes, só botar para o lado uma ou outra coisa mais nojenta e intolerável, e o resto, bom, o resto, a gente vai levando, absorvendo. Absolvendo. E incorporando, sem consciência. Sem realmente querer ou precisar. Só porque está ali, e é o que se espera de nós. Pronto. Todo aquele lixo. Mais fácil, né? Este processo de auto conhecimento é um porre mesmo. Mexe com tantas verdades, e defesas, e crenças, melhor deixar assim. Dá medo, e é cansativo. Abala estruturas. Então finjo que sou eu mesma, e que não me importo um nada com a opinião dos outros, e tenho inclusive orgulho disso. Mas, falando sério: quem sou eu? Eu sou a merda da opinião dos outros,o tempo todo.
Ah, também tem outra coisa: quem você é quando ninguém está vendo?  Quando você está sozinho, e desliga a TV, o rádio, a música e todo os olhares externos, o que te resta? Quem fica? Dia desses, no centro, de dentro da lotação, assisti a uma cena que me fez pensar nisso: Uma mulher vinha caminhando, pela praça, tomando algo em um copo de plástico. De repente ela parou, olhou para todos os lados, e quando se certificou de que não vinha ninguém, simplesmente largou o copo em um degrau e seguiu andando. Logo adiante tinha uma lixeira. Ela não me viu, eu estava longe dos seus olhos. Na sua percepção, ninguém viu. Por isso ela fez. Talvez, e isso é uma suposição minha, se viesse alguém em sua direção, ela tivesse andado mais um pouco com o copo e largado no lixo. Quem sabe? Acho que isso explica o porquê de tanta regra e tanta lei e tanta necessidade de policiamento e religião. Porque a gente não sabe quem é, sem que outro precise nos dizer. Quem eu sou, quem me governa de verdade, em que acredito? Transgrido, me revolto, e nem sei porquê. Porque quando olho para dentro,está tudo tão misturado,tão embaralhado e sujo, que dá uma preguiça danada de mexer. Colocar em ordem, organizar. Ver o que presta e o que não. Porque depois que começa, não dá para parar. É que nem arrumação de armário. Ou joga tudo de volta, de qualquer jeito, e aumenta a desordem, ou vai até o fim, acreditando que vale a pena. Para só então poder encher o peito e falar do poder de ser quem se é, sem dar a mínima para a opinião alheia.
Porque sei que então vou estar vestindo a roupa que escolhi, seguindo o caminho que preferi, cercada dos amigos e amores que reconheci. Munida das verdades que encontrei no fundo do meu armário. Aquele mesmo, todo bagunçado.
Dani Altmayer

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Assim na terra como no céu

  Ela é assim. De longe até parece normal. Nada muito esquisito ou diferente, nada que chame atenção. Vive uma vida comum e faz coisas comuns, todos os dias. Come, trabalha, dorme, se diverte, briga, ama, detesta, coisas que todo mundo faz. E ela faz também, bem certinho. Nem dá para perceber.

  Nem dá para perceber que ela acorda todo dia com a cabeça cheia de sonhos. Que todo dia, quando abre os olhos, ela reza um pouco, agradece um muito e tem a nítida sensação de que algo vai acontecer. Algo diferente. algo bom. Levanta da cama sempre animada, ainda que morrendo de sono. Toma um banho demorado, e sai, perfumada de esperança, todas as manhãs. Quase todas, porque algumas vezes, tem tanta coisa chata acontecendo, ou ela está tão triste que esquece de acreditar. De vez em quando seu coração fica partido. Nestes dias ela dói, e acorda chorando. Acontece, mas é exceção. A regra é o dia nascer e ela nascer também, junto com o dia, todos os dias. Junto com o infinito de coisas que ela espera, e acha, e sonha que podem acontecer. Coisas boas.

   Ela lê todos os horóscopos, e tarôs e céus da semana, e lê sobre ciclos lunares e energias e marés. Acredita em tudo. Cinco minutos depois já esqueceu.Tudo. E lá foi ela ganhar dinheiro, pagar conta, fazer feira, abdominais e depilação. Passa os dias assim, entre pensamentos que voam, coração cheio de sol, cabeça nas nuvens e pés no chão. Cumprindo tarefas e vivendo do cotidiano. Não lê o jornal, não vê TV, não gosta de política nem de novela. Não gosta de nada que atrapalhe sonhos. Gosta do que faz bem para a alma. De longe, nem se percebe. Que ela mora em dois mundos.

  E faz tudo quase igual, todo dia. Mas sonha diferente, todos os dias. Assim ela vai levando a vida, um pouco lá, um pouco cá. No mundo da lua e no mundo real (?). Às vezes seus dois mundos se encontram. E algo diferente acontece. Algo especial. Algo bom. Quase sempre não. Geralmente ela vai dormir, cansada de fazer, de tantos afazeres, ao fim de um dia comum. Ela fica frustrada, uma ou outra noite. Mas passa, logo, e ela sempre pensa, amanhã é outro dia. Otimista, ela não desiste. E renova, de madrugada, seus sonhos e sua mágica. Sua fé. Para começar tudo de novo, e de novo, no dia seguinte e no outro também.

  Assim ela aguenta o tranco, e vai levando.Vive, um pouco lá, um pouco cá, se equilibrando. Esperando colher estrelas e frutas doces. Entre o céu e a terra, desejando que se encontrem de vez em quando. Seus dois mundos, tão diferentes.
E de longe nem se percebe. Ela parece tão comum, banal. Mas de perto, ah, de perto você logo vê.
Tem algo estranho. Repara, ela é um pouco doida. Acredita em sonhos, em anjos. Acredita em Deus, ou no Universo, como costuma dizer. Acredita até nas pessoas. Em almas e corações e energias. Confia, tem fé. Acha que a vida é boa, em geral. E é.
Um pouco ingênua, ela é.
Não, de longe não dá para dizer.
De perto ela pode parecer louca, de pedra. De perto, quem não é?
Parece boba. Mas isso ela não é.

Dani Altmayer

sábado, 6 de outubro de 2012

O amor não é um elástico

  Vi esta imagem em uma das tantas páginas que proliferam no facebook nos últimos tempos, e me chamou a atenção pela frase que acompanha a figura: O amor é como duas pessoas segurando um elástico. O primeiro que soltar machuca o outro.
  Desconheço a autoria, mas discordo. Não acho que o amor possa ser comparado a um jogo de força, em primeiro lugar. Ou a qualquer tipo de jogo, falando nisso, seja ele de força, inteligência ou esperteza. Jogo é jogo. É competição. Não acho que o amor  seja uma disputa, um cabo de guerra, não pode ser. Tipo, vamos ver quem é mais forte, quem tem maior resistência,  quem aguenta mais tempo, como naquelas provas estúpidas, do estúpido Big Brother. O primeiro que desistir perde.Algo a ser esticado até o limite da tensão. Será?
  Eu acho que não. Para jogar e competir temos os esportes, os playstations, as lutas, algumas batalhas. Guerras reais e imaginárias. Temos a vida no dia a dia, com todos os riscos. O amor não é jogo. O amor é o descanso de tudo isso (ou deveria ser). É onde podemos recarregar nossas baterias, é a paz da nossa guerra. Não é um cabo de força.
 Se o amor for  uma corda, que seja o cabo de um barco, e que se possa segurar junto. Fazer força junto. Para soltar a âncora. Para içar as velas e navegar. Força conjunta, e não contrária. Que seja a corda que precisa ser cortada para levantar o balão e deixar voar, enquanto for possível, e desejado. Nunca amarras que prendem e enforcam, mas nós frouxos, que possam ser desatados quando preciso, e com facilidade. Que os nós sejam  firmes, mas delicados. Porque o amor pode acabar sim, muitas vezes antes para um do que para o outro. E, como já dói muito o fim de um amor,  não custa nada desfazer com gentileza aquilo que um  dia foi feito com tanto cuidado. Para não machucar demais, nem as mãos de quem o segura ainda, nem as de quem o solta primeiro.