domingo, 17 de maio de 2020

Quem me navega é o mar


Não somos todos iguais. 
E não me refiro à cor da pele, nariz mais comprido, pinta na perna. Não me refiro à sexualidade, pobreza, riqueza, nada que possa ser definido só de olhar. 
Não somos todos iguais, e também não falo para falar contra a meritocracia, que é uma falácia tão bem contada que acreditamos nela do mesmo jeito que acreditamos no amor romântico e na cura pela cloroquina.
Não somos todos iguais. 
E não estamos todos no mesmo barco. Só estamos no mesmo mar.
Meus remos não são a tua vela, minhas crenças não conversam com as tuas, não adianta eu gritar o óbvio, porque é óbvio só para mim. Como naquela história do índio na praia, que não enxerga a caravela. Porque não conhece, nunca viu uma caravela. Ele não tem como enxergar.
Não adianta eu subir no mastro, e falar da terra, se o outro está no porão, descascando a batata. Se eu estou no porão, descascando a batata. 
E um outro está no convés, desafiando a tempestade, o vento contra, com medo de cair da borda. 
O mesmo mar, e ainda assim, não somos todos iguais. Uns mergulham, outros boiam, muitos vão naufragar. Alguns tiveram aulas de natação. Outros, são mestres, tem a carta náutica, uma bússola, todas as manhas e um bote inflável. 
A maioria, não.
Minhas ideias não correspondem aos teus fatos, e hoje, enquanto eu meditava, pensando nisso tudo que está aí, tentando em vão entender certas coisas, pessoas, com meus braços cansados de segurar o leme, caiu a ficha do orelhão da semana passada. E a ficha quando cai é sempre tão prosaica, tão banal que só o que consegui pensar, foi isso: não somos todos iguais.
Não somos iguais, e não estamos todos juntos. 
Eu não quero desistir, vou continuar remando daqui. Pode pegar carona no meu barquinho precário, se quiser. Se não quiser, tudo bem, também,. 
Só não posso é emprestar meu colete salva-vidas. Porque este, meu bem, não vai te servir.
Somos muito diferentes, e ainda assim, cada um tem que ter o seu. 
Porque "navegar é preciso, viver não é preciso."

domingo, 10 de maio de 2020

Dia da mães



Oi, mãe.
Tem um orelhão no meu bairro. Descobri hoje, quando saí para caminhar sob o sol. De máscara, sim. Sempre.
Tem coisas que a gente só descobre andando devagar. O orelhão está em bom estado, mas não tive coragem de tirar o telefone do gancho para ver se funciona ainda.
São tempos em que não podemos tocar em nada. Nem abraços podemos dar, mãe. Mas eu ganhei um abraço apertado do JP, hoje cedo E chocolate. Um dos teus preferidos, aliás: língua de gato.

Lembrei das tantas vezes em que estive longe de ti, do barulho das fichas caindo (algumas nunca caem), da delícia de encontrar um telefone estragado que fazia interurbano de graça. Eram tempos mais difíceis para se comunicar, idas à telefónica, ligações caras, saudades imensas. Tua voz doce a apaziguar meus medos- eram tempos mais fáceis, mãe.
Subi e desci as escadas da praça, várias vezes. Exercício é bom, precisamos estar fortes. Nunca tinha caminhado por esta praça, tão bonita, e tão perto. Porque estava sempre de passagem. Ou apressada.
Não temos pressa, agora. Não faz mais sentido.
Os bancos vazios, o balanço solitário. Uma bola esquecida no meio da quadra de futebol. Um pouco triste, um tanto belo. Há uma espécie de nostalgia que envolve todas as coisas. O céu de um azul imenso, a temperatura amena de um dia de outono, e o invisível à espreita.
Não temos pressa, e não temos mais certezas. Estamos todos de máscara e nada sabemos de amanhã, mãe. 
E eu nem sabia que existiam orelhões, ainda.
São tempos estranhos por aqui, são muitas e diversas, as saudades. 
Feliz dia das mães, aí. Com amor, 
Dani

domingo, 3 de maio de 2020

Reminiscências da pandemia ( máscaras)







Depois de dois plantões no feriado, o domingo livre. Antes da faxina, resolvi dar uma caminhada pelo bairro, pegar um sol, ver se minhas pernas ainda funcionam. Acostumar a respiração e o exercício com a máscara.
Logo na saída, encontrei uma borboleta branca. Ela andou (voou) comigo por uma quadra, parecia feliz com o azul de outono, com as árvores, algumas desfolhadas, outras já dando frutos, o ar limpo e seco. Além do vírus temos a estiagem, este ano. Faz tempo que não chove, e os dias de céu com poucas nuvens debocham da nossa cara preocupada.
O fim do mundo veio todo ensolarado, quem diria? E com borboletas.

Não tinha muita gente na rua. Um ou outro empurrando um carrinho de bebê, levando o cachorro para passear, quatro ou cinco se aglomerando na praça, dividindo um chimarrão perigoso.
Metade  das pessoas com máscaras, metade sem.
Minha nova mania é cuidar da máscara alheia. Ver quem usa, quem não usa, de que jeito usa. Julgar.
Se vem sem, atravesso para o outro lado. Por segurança.
Julgando, já.
Vi um homem esperando um uber, sem máscara. O carro chegou, motorista devidamente mascarado. Assim como eu reclamei  (e avaliei mal) no outro dia o motorista que não usava, este bem poderia se recusar a pegar o passageiro descuidado.
Porque é isso, agora. Máscara é proteção, cuidado com o outro.
Quem está usando, é porque se importa.

Hoje a solidariedade está na cara de todo mundo, estampada ou lisa.
E não tem mais como negar.

Daniela Altmayer