domingo, 29 de setembro de 2019

Gracias a la vida




O café e o pão quentinhos, a manteiga derretida, a manhã lenta, a brisa fresca na ida, o vento a favor na volta, o pedal leve, deslizando na avenida, todas as rodas e todas as formas, o céu muito azul, nenhuma nuvem sobre o rio, nenhuma lágrima sob meus olhos, ao longe os veleiros e suas brancas velas dançando no horizonte do primeiro domingo da nova primavera e esse calorzinho bem vindo, ainda gentil e doce, acalentando a tarde ensolarada, tua voz nos meus ouvidos, a nossa cantiga, e esta poesia: este livro, este sofá, este meu lugar.
Em dias assim, perfeitos, a paz parece até uma coisa simples, a felicidade é totalmente possível, e a palavra que brota de meus lábios, feito prece, é gratidão.

Daniela Altmayer

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Vinte e cinco de setembro







Hoje seria teu aniversário de 76 anos. 
A última vez que comemoramos este dia foi em 2007, e acho que ali tu já sabia que era a última vez. Eu te dei de presente uma camisola que tu não chegou a usar, porque não chegaste no verão.
Eu usei, durante muito tempo. Até gastar. Sabe, ainda uso muitas roupas tuas, teus casacos da burma que adoravas estão bem velhinhos, mas são meus pedacinhos de ti, colo de inverno, roupa de ficar em casa- ano após ano.

No último domingo saí para caminhar e sentei num banco na "pracinha do JP". Lembra, que ele dizia " a minha pracinha"? Estava um dia frio de sol, um menino de seus cinco anos brincava na mesma areia suja, sob o olhar de duas mulheres. Ele vestia uma camiseta do grêmio, é engraçado como tem coisas que funcionam como um vórtice, não faz tanto tempo mas já faz uma eternidade, outro menino, outra mãe, outra avó, o mesmo time do coração dos dois.

Mãe, assim como teu neto, as árvores cresceram. Estão mais altas do que ele. Lembra delas, recém-nascidas? A pracinha tem muita sombra agora. Está mais bonita.
É tudo tão mais bonito quando tem árvore.

Hoje olhei tua foto e me dei conta que tu era só um pouco mais velha do que eu sou hoje, e isso é estranho.
A morte congelou teu rosto, enquanto as árvores e as crianças cresciam, e nós envelhecíamos.
Enquanto a gente segue por aqui, para ti vai ser sempre aquele aniversário de 64 anos.
25-09-2007.
Para sempre primavera.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Crônica urbana



Espremida entre um caminhão e um ônibus, a fumaça escura através do vidro entreaberto, a vontade é de não respirar.
Uma antiga música me vem à lembrança: a rua tem cheiro de gasolina e óleo diesel.
No semáforo um homem jovem, vestido de preto, segura um cartaz de papelão onde está escrito:
" saudade dos meus filhos
me ajuda a voltar para casa"
Ele anda por entre os carros na avenida suja e congestionada, diz que veio de Belém do Pará, fala cantando, é para lá que deseja voltar, para a outra ponta desse não país, fugir da tarde cinza em direção ao sol, ao amor, talvez a fome nem seja menor, não deve ser, só mais suportável- e familiar, como ele veio parar aqui?
Em cada sinal uma história triste, quase sempre. Tão longe e tão perto.
"Tudo errado mas tudo bem."

Daniela A

sábado, 14 de setembro de 2019

congestionamento




o relógio avisa que já demoras
meia hora e o segundo café esfria

pela vidraça embaçada o mundo para
e nada mais se move à tua espera

as luzes da rua se acendem
na chuva que não dá uma trégua

as buzinas atrás da vitrine
calam o piano ao fundo do bar

no carro preto um casal se beija
num abraço que já foi nosso



Daniela Altmayer
oficina de poesia

chuva






chuva
esse trânsito parado aí fora
e o café esfriando
tua demora


Daniela
Oficina de poesia