terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Nunca foi promessa


As sardas hoje proibidas
os loiros de parafina o dourado
das pernas nuas a fábrica de pranchas
os meninos que a gente gosta as conversas ao pé da piscina os bailes
de carnaval a marcha lenta dos dias as tardes de sol e vento o mar de chocolate bravio os bolinhos de chuva afeto de canela e açúcar os jogos de tabuleiro os segredos das cartas escondidas das mãos perdidas o desabrochar dos sentires sentidos o longo intervalo dos meses o dolce far niente

os livros devorados feito beijos a praia imensa os pés na areia dura a cabeça na lua a improvável liberdade das gaivotas os cachorros vadios as cadelas prenhes prenúncio de um ano bom
os amores breves despedidos às lagrimas
as juras eternas os corações partidos preenchidos naquele vazio tão cheio uma estação uma fenda no espaço o tempo em suspenso oficina marinha de prazeres agridoces oceano de indomáveis indolentes descobertas

o precioso interlúdio que chamávamos verão. 


 

sábado, 9 de janeiro de 2021

É o que temos


 

Ele tem um câncer de pulmão. Teve Covid em agosto, ficou internado, não precisou de UTI. Saiu bem, dentro do possível. Em acompanhamento com o pneumo, estava ativo, trabalhando. Ontem recebi a notícia de que havia se reinfectado. Entre agosto e dezembro, teve 2 PCRs negativos. Agora, positivo de novo. 

Ele é imunodeprimido, o mais provável é que não tenha criado anticorpos. 

 Ele é vulnerável, e como ele, muitos. Para pessoas imunocomprometidas, alérgicas, gestantes, para muitos tantos a vacina não será possível. Ou não será efetiva. E é neles que temos que pensar, quando usarmos nosso livre arbítrio de vacinar ou não. Quando usarmos nossa liberdade de ir e vir. Quando decidirmos ser responsáveis ou não, usar máscara ou não. Aglomerar ou não. 

Ontem, conversando com a filha dele, chorosa, preocupada, triste, comentamos o quanto ainda não sabemos sobre este vírus. O quanto estamos ainda aprendendo.

Hoje, aqui no plantão, atendendo muitas crianças com febre, com sintomas, fruto dos encontros de fim de ano, eu fiquei pensando sobre a origem da negação. Por que negamos o óbvio, por que é tão amargo o gosto das palavras "eu avisei?" - Sempre é. Melhor ser feliz que ter razão... 

Somos todos negacionistas até algum ponto, é da condição humana, creio eu. Somos todos hipócritas em algum momento, e principalmente, somos imperfeitos. Imperfeitos aprendizes de viver. "Atire a primeira pedra".

É duro lidar com tanta incerteza, com tanta angústia, com tantas restrições. Há quase um ano estamos num mundo estranho, muito estranho, mudado. É inegável, e ainda assim, negamos, que não temos o menor controle. É o que é, e por enquanto, até os cientistas descobrirem a cura, até a vacina fazer seu milagre (vacinas são grandes milagres), o que nos cabe ( ou devia caber), é aceitar. 

Aceitar, assimilar, cuidar. E usar nossas melhores qualidades da melhor forma possível: tapando o nariz e a boca. Pensando coletivo.

Porque o instante nos pede passagem. 

O vulnerável do início do texto, ele pode ser tu. Ou pode ser teu amor. 

(Negar é anestesia, e não cura)