É uma quarta feira de outono, igual a tantas outras.
Previsão do tempo:céu sem nuvens, temperatura amena. Horóscopo do dia: saúde boa, romance sem novidades, dinheiro surpresa. Cor, amarelo.
Termina o café, coloca o jornal na área de serviço, troca a água do gato, dá ração para a cachorra.
Uma última olhada no espelho, óculos escuros, calça jeans, camisa de linho. Consulta o relógio de pulso, 8h30.
Decide ir andando, está fresquinho e tem tempo de sobra. O celular vibra na bolsa, todas as mensagens são urgentes, nenhuma é importante.
Caminha duas quadras, sente a pontada conhecida. A dor dos últimos 6 meses. Hoje vai assinar os papéis, oficializar o fim, marcar com uma esferográfica azul o começo do nada, do vazio que se estende à sua frente, interminável feito uma planície nas estradas do sul.
Lembra da música do Chico, aquela onde ele fala que a saudade é o revés de um parto.
Há seis meses e sete dias, ela recebeu a pior de todas as notícias.
E com ela, e depois dela, o desmonte gradual de tudo que um dia foi. Os silêncios, os gritos, as acusações empilhadas feito boletos que ninguém quer ou tem como pagar. A ausência que não puderam compartir crescendo entre eles feito um muro.
Um pingo, depois outro. A previsão do tempo estava errada, afinal. A chuva aperta, ela se apressa. Olha para os pés molhados, as sapatilhas amarelas agora lhe parecem ridículas, muito frágeis, muito bobas. Chega na frente do cartório, se abriga sob a marquise, respira fundo.
O relógio marca 8h57.
Está a três minutos de terminar o maior capítulo da sua vida, registrar o fracasso em preto e branco, dizer adeus e voltar para aquela casa vazia, e olhar para aquela porta fechada.
A porta do quarto. Do quarto que ela não arrumou.
Exercício paraa oficina de escrita- trama linear