terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Tua dor é minha dor

Nós poderíamos ser qualquer um daqueles pais que ligavam incessantemente para celulares que nunca seriam atendidos. Nós poderíamos ser qualquer um daqueles jovens corpos inertes estendidos no chão do ginásio da cidade. Nós poderíamos ser os personagens desta tragédia, e não os espectadores, chocados e impotentes, que na verdade é só o que somos. Poderia ser qualquer um de nós ali. E sabemos disso. Por saber disso, sofremos junto, solidários. Porque alguém já definiu a solidariedade como "a dor do outro doendo em mim". Solidariedade esta que tem sido amplamente demonstrada e reafirmada, através de palavras e atitudes, desde o último domingo. Gestos que monstram o quanto ainda nos importamos, todos nós, com raras exceções. Doações de sangue em massa, trabalhos voluntários, gestos de heroísmo, lágrimas compartilhadas, tudo isso demonstrando o quanto ainda somos humanos. Pena que teve que acontecer algo tão grande, tão trágico para despertar esta consciência, individual e coletiva, de um sentimento de responsabilidade. Não existe um único culpado. Este termo aqui está no plural, infelizmente. É uma soma de culpas e culpados, nos quais todos nós estamos incluídos. Nós e nossa omissão. Nossa negligência. Somos responsáveis na medida em que fechamos nossos olhos para as falhas do sistema. Somos responsáveis sempre que escolhemos uma recompensa imediata, em detrimento de um bem maior e mais duradouro, sempre que deixamos de respeitar medidas e limites. Sempre que pensamos primeiro na grana, no lucro sem escrúpulos. Somos responsáveis por não denunciar, não se fazer cumprir, por deixar passar. Por aceitar leis absurdas e obsoletas. Por sempre achar que não vai dar em nada. Esta é a nossa grande, nossa maior culpa. Omissão. Aos poucos, a dor vai saindo do anonimato coletivo e tomando rosto.Sorrisos e sonhos interrompidos comecam a ter nomes próprios. Você passa a conhecer alguém que conheceu alguém. Histórias tomam forma e individualizam o sofrimento.O que antes parecia surreal, se torna demasiado real. E demasiado próximo. Não podemos ser hipócritas a ponto de esperar que um jovem deixe de ir a uma balada porque a mãe teve um pressentimento de que ele não deveria ir. Ou porque o lugar só tem uma porta. Existem coisas que nunca vamos conseguir controlar. Todos já fomos adolescentes, rebeldes e desafiadores, e não tem nada de errado nisso, faz parte do crescimento. O que podemos fazer é agir para que este crescimento não seja interrompido de forma tão abrupta e dramática.De maneira tão absurdamente evitável. O que podemos fazer é agir para que nossos filhos e filhas possam se divertir sim, bem orientados, e em segurança. Podemos agir para que se cumpram as leis, para que se mudem as leis, sempre que preciso for. O que podemos fazer é usar a incrível força coletiva, que veio à tona nesta tragédia, para voltar a acreditar que podemos mudar o mundo,sim. Que podemos usar nossa solidariedade e empatia, esta força monumental, não apenas para apagar incêndios, mas para evitá-los a todo custo. Que nossas ações possam ser sempre muito mais preventivas do que curativas. Ou paliativas, como foi agora. Que a imensidão do que aconteceu nos sirva de lição. Que sirva de lição a cada um de nós, individualmente. Para pararmos de agir como se não fosse conosco. Como se fôssemos ter sempre um amanhã. Para não mais deixar para outro dia. Que sirva de lição aos órgãos públicos, para que atitudes sejam tomadas antes, e não depois. Antes cedo do que tarde demais. Que ninguém precise esperar uma merda destas acontecer para se dar conta que estamos todos juntos. Sempre estivemos. A tua dor é minha dor, tua paz, a minha paz. Que a morte destes jovens não tenha sido em vão. Que sirva para que reconheçamos nossa própria morte, pequena, e diária, muitas vezes também por asfixia. Morremos a todo instante, aos poucos, sufocados pelo nosso silêncio conivente, e por nossa omissão. Por nossa negação e negligência. Poderíamos ter morrido ali, qualquer um de nós. E quem disse que não morremos, todos nós?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A vida é boa?

Hoje fui assistir ao filme "O Lado Bom da Vida", que, para variar, não tem nada a ver com o título original, em inglês: "Silver Linings Playlist". Não sei de onde os tradutores tiram estas idéias. Não pode ser depois de assistir ao filme, porque também não fecha. Simplifica demais. Isto sempre me intriga e incomoda.Mas enfim, este é o nome do filme. Um comédia romântica, e dramática, que trata de um tema bastante espinhoso, a doença mental. O protagonista acaba de sair de uma longa internação em um hospital psiquiátrico, com o diagnóstico de bipolaridade. Ele encontra uma jovem, que acaba de ficar viúva, e também apresenta um distúrbio, provavelmente também ela é bipolar.Ou border, me pareceu, mas o diagnóstico da garota não foi falado em nenhum momento. E isto já é vício de médica, não vem ao caso. A atuação  dos protagonistas é excelente, Jennifer Lawrence, Bradley Cooper e Robert de Niro (sensacional). A trilha sonora se encaixa com perfeição.Não vou resumir o filme, que está concorrendo ao Oscar,  não sou crítica de cinema, apesar de gostar de dar meus palpites, e amar um bom filme.
E este é um bom filme. Podem até dizer que é previsível, e tal,  e pode ser que um psiquiatra ache que o tema não foi profundamente abordado, mas eu me diverti. Tem cenas muito engraçadas, outras um tanto tristes, alguns diálogos ótimos. Como quando o protagonista, ao término de uma leitura, questiona: "a vida é dura o suficiente. Porque alguém deveria ler algo que mostra o quão ruim as coisas podem ficar"? A maneira como foi filmado, com a câmera se movendo junto, nos passa exatamente uma noção de como a mente deles funciona, uma certa confusão, uma total ansiedade. A família disfuncional, que está por trás de tudo, o ambiente confuso e perturbado, as corridas desenfreadas,o próprio questionamento que fazemos: afinal, quem é normal? E quem é louco?
Normal são todos os que vivem de acordo com as regras impostas pela sociedade, sufocados pelo sistema, pelo excesso de trabalho, pelo casamento desgastado, pela compulsão em ter sempre mais? Ou normal é quem consegue gritar um basta lá pelas tantas, e falar as verdades que nem sempre são bem vindas? Vivê-las? É normal quem vai assistir a um jogo de futebol para brigar, ou quem encontra na dança a disciplina e o foco para conseguir finalmente se expressar? Normal é quem acha que se deve ser feliz o tempo todo e apesar de tudo? Quem complica demais é normal? Ou quem simplifica ao extremo? Que amor é normal, o que quer transformar, ou o que aceita? Quem é normal, quem é louco nesta sociedade doente que criamos, nesta realidade injusta que projetamos? Quem precisa de remédio, e para quê? Para encaixar? E para quê? Por que é preciso ser normal?
Eu não sei. Nem eles sabem. Acho que ninguém sabe. Mas nada é por acaso ali. Nada é por acaso na vida . Nem a loucura, nem a relativa sanidade.
O que eu sei é que a vida é boa, sim. É boa quando a gente pode assistir a um bom filme, que nos faz rir, e refletir. Quando a gente entra no cinema e sai do mundo.Quando a gente se emociona. Quando tudo isso vem acompanhado de um pacote gigante de pipoca, então, nem se fala.A vida é mais que boa, é ótima.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Uma só palavra

Dizem que ela só existe na língua portuguesa. Eu tenho cá minhas dúvidas, ora pois! Porque seríamos nós os únicos a conseguir dar nome aos bois? No caso, porque seríamos nós os únicos a termos uma palavra bonita para um sentimento assim tão forte,  tão intenso? Tão triste? Uma palavra bonita para um sentimento bonito, sim, porque tem algo de belo na saudade. Ninguém falou que coisa triste é sinônimo de  coisa feia, aliás. E a saudade é triste, e é bonita ao mesmo tempo Porque só se sente falta daquilo que a gente ama, ou amou. Daquilo que foi, que é bom. Daquilo que toca o coração, a alma, daquilo que é importante de verdade. Só se tem saudade do que faz a gente vibrar, sorrir, chorar, do que nos faz viver. E faz parte da vida esta saudade. Mesmo que a gente nunca acostume com ela. Mesmo que doa a cada vez. Mesmo que se chore a cada despedida. Sempre haverá a alegria do reencontro. Sempre haverá uma mensagem, um sonho, uma música para recordar. Mesmo na saudade daquilo que não volta mais, mesmo quando o reencontro não é mais possível, fica a presença do que foi. A memória doce, que ilumina os dias mais cinzas, que traz um sorriso entre  lágrimas, à simples lembrança de um outro sorriso, de um outro abraço, de uma outra lágrima. De um outro alguém. Chegar e partir, eterno movimento de quem se aventura neste mar, neste mundo, neste barco maluco da vida. A gente às vezes vai, às vezes fica, acenando no cais, vendo um pedaço de nós ir embora também. A gente tem saudades de lugares, pessoas, afetos, cheiros e gostos. A gente tem saudade da gente, quando se perde do rumo. A gente sente saudade até do que não foi, mas poderia ter sido e esta é a saudade que dói mais. Porque para esta não tem lembrança boa que resolva. É remédio amargo, para se engolir a seco e deixar para lá. Paliativo, porque saudade não tem cura.Só tem o tempo, que pinta de cores suaves o que era verde-limão berrante. Ameniza.
Mas, como diz aquela música: saudade até que é bom. Melhor que caminhar sozinho. Quem ama sabe disso. Em qualquer idioma, e mesmo que não tenha um nome próprio. Chame do que quiser, fique à vontade. A verdade é que ninguém está imune a ela. Ninguém está imune ao amor. Ninguém, em lugar nenhum.


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sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Amour

Sexta feira de verão em Porto Alegre, final de tarde. Cidade vazia, decidi ir ao cinema. Sozinha. Não fazia isso há alguns anos. Antes, dei uma passada na livraria, e quase perdi o horário do filme. Comprei mais um livro para se juntar à pilha na minha cabeceira, que, aliás, está enorme. Já não leio na velocidade e intensidade com que costumava fazer. Mas gosto de saber que eles estão ali, à minha espreita. Coisas que só quem ama ler pode entender.
O filme ao qual assisti se chama Amor ( Amour), um filme de língua francesa, dirigido por um austríaco,  mostra um casal de idosos de seus 80 anos, professores de música aposentados, que tem uma filha que mora em Londres. A mulher, Anne, sofre um acidente vascular cerebral (derrame), e o filme se desenrola a partir daí. Uma bela crônica sobre a velhice, as limitações de uma doença incapacitante, e, sobretudo, como o próprio nome diz, uma bela crônica sobre o amor. Os cuidados que o marido ( Georges) dispensa à esposa enferma, lavando seu cabelo, trocando suas fraldas, dando de comer e contando histórias, sem questionar por um momento a necessidade de assim agir, sem demonstrar impaciência ou falta de respeito, mostram um amor desvelado por aquela que foi sua companheira de uma vida. Sem dramas, com uma firme aceitação do destino a se cumprir, o filme emociona, e cala fundo. Deixa um questionamento, e mostra um contraste entre as relações superficiais de hoje ( como o casamento da própria filha), e as relações de outrora. Ou entre as relações baseadas em amor de verdade e as que se baseiam em interesses outros. Sei lá. A sessão acaba em um silêncio constrangido, perturbado, comovido. Engolido a seco.
O fato interessante é que fui assistir ao filme em um shopping e em um horário caracterizados pela grande quantidade de idosos nos seus cinemas. E eles estavam lá, muitos deles, alguns de bengala, outros de cabelo bem branco, sozinhos, ou com seus pares, algumas senhoras em grupo. Na saída entreouvi comentários, nossa, que filme pesado. Para quem tem esta realidade tão próxima de si, sim, acho que é um filme bem pesado. Pesa a idade, a solidão, e a doença. O fim.Tudo isso pesa.
Mas o filme também nos faz lembrar que toda a carga, não importa o peso, o tamanho, a forma, se torna mais leve ao ser dividida. Nos faz lembrar que o essencial está nos pequenos gestos. Que o que fica não é o que se aparenta, e sim o que se mostra como verdade. Sem subterfúgios, e sem atalhos. Não há atalhos na vida.Nos faz compreender que a medida do amor é amar sem medidas. Que  amor é isso. O resto não é amor. Não sei o que é, é outra coisa, só que amor não é.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Uma noite escura



A noite está linda e escura, com a lua nova despontando no céu.
Parece que Deus lavou o firmamento, fez uma faxina bem caprichada, para que todas as estrelas pudessem brilhar. Pequenos pontinhos de luz, milhares deles, tão longe, e tão perto, como as saudades que trazemos na gente. As noites de lua cheia, tão claras, são belas e sedutoras. Mas belas também são as noites pretas de lua nova, novinha . Dizem que a lua é nova quando ela se casa com o sol. Ficam juntos por algum tempo, e fica tudo muito escuro. Depois ela se afasta devagar, formando um pequeno sorriso, que vai crescendo, crescendo, crescendo... Ofuscando as estrelas, iluminando ao poucos a escuridão.

As fases da lua, o nascer, o crescer, o amadurecer, o morrer, e o nada. São como os ciclos da vida. Porque a gente renasce a cada dia, e morre a cada instante. E mingua, e cresce, e se enche, e se esvazia. E se repete, e se renova. O tempo todo. A gente apaga algumas estrelas, acende outras. Atravessa noites insones e negras. Ama muito na lua cheia, chora bastante na minguante, movimenta-se na lua crescente. A gente observa marés, corta cabelos, muda de humor e de ideia. Brinca com a sombra e a luz, que estão fora. Que estão dentro.
Acredita que Deus existe, criando estrelas, sorrindo na lua. Refazendo os ciclos.

Dani Altmayer

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

É fazendo que se aprende


Não assisto à televisão quase nunca, não por preconceito ou algo assim. Porque não gosto mesmo, prefiro fazer outra coisa, escrever, ler, ver um filme. Ou ficar em silêncio. Aquele barulho todo me incomoda. E já tenho em casa um viciado em TV, então deixo para ele o controle total e remoto. Agora que ele está de férias, e fora da cidade, a TV passa dias sem ser ligada, juro que esqueço que ela existe. 
Ou esquecia, porque uma amiga me emprestou um seriado, ao qual venho assistindo esporadicamente há alguns meses. Estes dias ela me entregou a terceira temporada. Coloco quando quero me distrair, me afastar um pouco dos meus sentimentos, parar de pensar por um momento. Ah, mas você acha que funciona? Que nada, só ilusão. O botão do "off"estragou, em algum ponto aqui nesta cabeça maluca, que fica ligada 24 horas por dia. E a série, que é divertida, tem alguns diálogos excelentes. Quando vejo, lá estou eu dando "pause"e pegando meu caderninho de anotações.
Outro dia me chamou a atenção uma frase, que segundo o personagem, ex viciado e alcóolatra, é dita nas reuniões dos narcóticos anônimos: "fake it till you make it ". Ou seja, traduzindo mais ou menos: finja até se tornar. Até ser. Fui pesquisar, e descobri que esta é uma simplificação, ou generalização do conceito de Aristóteles sobre a virtude:
"(...) a virtude está em nosso poder, e é o agir virtuosamente que torna alguém virtuoso.
 Lembrei de uma técnica para o tratamento comportamental da depressão, que  consiste em estimular a pessoa a realizar sua rotina diária, e ir colocando gradualmente mais tarefas nesta rotina, como tomar banho, assistir a um filme, preparar uma refeição, dar uma caminhada. Sem esperar que ela sinta vontade ou prazer em fazer, inicialmente. Fazer primeiro, sentir depois, seria mais ou menos isso. Com o tempo, a pessoa gradualmente começa a relaxar e volta a ter confiança em si mesma. Volta a descobrir o gosto das pequenas coisas, e até a sentir alguma alegria nelas.
Quantas vezes a gente está triste, muito triste, e precisa fingir um sorriso? E quantas vezes, depois deste sorriso fingido, não nos sentimos um pouquinho melhor? Acho que funciona mais ou menos assim. E acho que funciona, quase sempre. Só tem que começar, por algum lugar, de algum jeito. "Act as if ". Aja como se já fosse. Como pode ser. Como se quer que seja. Porque, como disse Aristóteles: "é fazendo que se aprende aquilo que se deve aprender a fazer." E se aprende mesmo, nem  que seja através de um programa de TV.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Impermanentes

Muitas coisas na vida são como palavras escritas na areia da praia. Se apagam rapidamente, levadas pelo mar. Podem até ser bonitas. Podem ser lindos castelos de areia. Mas não tem consistência. Não permanecem. Você pode até se encantar com elas, brincar um pouco, se divertir. Não há nada de errado nisso. Mas tem que saber que foi feito de areia. E que não vai durar. Se você souber disso, e não se iludir, acreditando diferente, pode até mesmo aproveitar. Você terá bons momentos. Terá alegrias, e amores fugidios, como a areia da praia. Breves e não menos belos por isso. Só que passageiros.
Na minha praia, o mar não tinha coerência. Sentada outro dia naquela praia,  vendo o sol nascer no mar, bem cedinho , meus olhos se encheram de lágrimas.Chorei a beleza do que estava vendo, e chorei a percepção, talvez tardia, de que nossos movimentos na vida são assim, como as ondas daquele mar. Ondas quebrando de forma aleatória, uma para cada lado, com intensidade e forças diferentes. Incoerentes.
Caminhando na beira da água, mais de uma vez, fui surpreendida por ondas mais fortes, que me molharam muito acima dos meus pés descalços. Ondas que vieram sem avisar, e depois recuaram muitos metros, deixando uma areia durinha, e brilhante, cheia de conchinhas e águas vivas.
Nesta areia a gente muitas vezes escreve nossas histórias, esperando que sejam eternas. Esquecendo que estamos na praia.Esquecendo da imprevisibilidade, do tempo, do vento, que mudam as coisas de lugar. Esquecendo do mar, que chega sem avisar, e carrega tudo: as palavras, os castelos,  e nossos baldes de sonhos. Do mar, que, sem pedir licença, encharca nossas pernas, a barriga e até o coração. Nesta areia da praia escrevi para você . Esqueci  onde estava, achei que era para durar. Só porque a areia estava dura. Ilusão, que o mar levou, em uns poucos instantes. Por um momento, fiquei triste e chorei. Depois entendi. Percebi que era assim que tinha que ser. Era uma brincadeira, feita  na areia, e nada mais. Então finalmente pude voltar. E voltei.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Areia e mar



Acabo de voltar de uma caminhada na praia.
A praia estava quase deserta, exceto pelos muitos surfistas no mar. É uma área de preservação ambiental e tem muitas dunas. O mar é violento, imprevisível, e lindo. Tudo é de uma beleza praticamente intocada. Não há quiosques, horrorosas cadeiras de plástico amarelo, e nenhum vendedor ambulante. Há sim um silêncio enorme, só quebrado pelo barulho das ondas, os gritos das gaivotas e o canto de outros pássaros que não sei identificar. Para chegar na praia, existe uma pequena trilha, onde já encontrei alguns macaquinhos.
Há vida ali, muita vida. Há paz e sossego. Areia e mar.
Escrevo sentada no jardim, com o pé na grama. Uma borboleta amarela voa ao meu redor enquanto os passarinhos cantam. Tem muitos pássaros aqui, são eles que me acordam todo dia ao amanhecer. Tem cachorros também, nas casas ao lado. E eles latem bastante. Não fosse este detalhe, a quietude seria quase absoluta.
Tudo bem, agora o vizinho está tocando Raul Seixas... e viva a sociedade alternativa! Viva, mas na maior parte do tempo, nada, nem carro, nem música alta, nada se ouve além da cantoria das aves e do rumor do mar lá no fundo. Nada, nem pensamento, consegue quebrar esta harmonia.
Só uma paz, o sossego, a areia e o mar.
Tudo a um tempo próprio, lento, natural. Chinelo e pé no chão. Banhos de chuva. Chove a toda hora, e faz sol também, tem muitas nuvens nesta ilha. Mas nada perturba esse momento, nem mesmo a chuva fina que, de tão comum, já se tornou parte de tudo por aqui. Fico pensando que cada ano deveria começar assim. Nessa calmaria intermitente. Como uma espécie de renovação, de limpeza da mente, da alma, do coração. Uma preparação para o que está por vir. A amostra grátis de uma vida simples, de um estilo de vida que não é o meu, mas poderia ser. Quisera que fosse, gostaria que fosse.
O dono da casa onde estamos é artista plástico, tem coisas incríveis por todo o lado. Me pego pensando em como seria poder viver assim, nessa simplicidade, trabalhando em casa, caminhando na praia todo dia, e vivendo da minha arte e criação. Como seria despertar na alvorada com o canto das aves, o dia clareando aos poucos, e ir dormir sob um céu de estrelas, respeitando um tempo que não é o do relógio.
Só que essa não é a minha vida. São as minhas férias. E como passageira, saboreio esse instante ao máximo. Essa pausa, tão necessária e revigorante, o repouso. O remanso. Aproveito para recarregar baterias e sonhos. Ou nem isso: me deixo viver, simplesmente.
Espero levar, na volta, um pouco da areia e do mar.
E um muito do sossego dessa paz.

Daniela Altmayer

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Chega, né?

A gente vive dando desculpas para tudo, vive sendo condescendente e meio sincero. Vai levando, relevando, passando por cima, varrendo para baixo do tapete.Fazendo concessões.Ando cansada de viver assim. De conviver assim. Com gente que não sabe o que quer. Comigo, que não sei o que quero. Cansada das meias verdades, que encobrem as meias mentiras.Cansada de me desculpar sem ter culpa. De culpar quem não tem culpa. De aceitar tanta desculpa. Ando cansada de não enxergar direito, cansada dos óculos de lente cor de rosa que uso, da minha falsa generosidade. Da provável (in) capacidade de perdoar a tudo, a todos, a mim e aos outros. Errar é humano, inevitável e normal. Mas recusar-se a admitir os erros, a aprender com eles, a não repetí-los, já é outra história. Chama-se burrice, desazo, e medo. Um espécie de auto indulgência.
Chama-se incompetência, e pode não parecer, mas é prepotência.Pode ter consequências perigosas, toda esta inconsequência. Porque mentir para si mesmo é sempre a pior mentira. E não dá certo. Nunca dá. O mundo dá voltas, a gente dá voltas, e lá pelas tantas, em uma esquina qualquer, um vento te joga na cara. Toda esta merda  da qual você tanto tentou fugir. Estou cansada de inventar. Cansada do jogo. Hoje só quero olho no olho, honestidade, retratação. Ou é, ou não é.
Não dá para ser mais ou menos. Chega de culpas, de inventar desculpas. Ou vai encarar, ou não. Pela metade não me serve, e pela metade não sirvo. Não mais. Só serve de verdade, e por inteiro. Morninho, talvez quem sabe, mais ou menos, sinto muito. Agradeço e passo. Sem mais porquês ou entretantos. Chega uma hora que chega, né? Ou vai, ou racha.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Ela faz sempre assim

Por que ela ainda te pega de surpresa? E ela sempre faz isso, não importa de que jeito venha. Não importa que você a esteja esperando. Há tempos. Quando ela chega, você ainda se surpreende, e grita, mesmo assim. Como quando você é pequeno, e sabe que alguém vai te assustar. Tenta se preparar para isso, mas mesmo assim sente medo. E grita de susto.
Ela faz assim, não importa de que jeito chegue, de que jeito faça. Não importa se silenciosa e calma, e lenta, ou sofrida e barulhenta, se súbita. Ela sempre te pega de surpresa.
Ela é a maior de todas as verdades, e a mais cruel também. Porque depois dela, não resta mais nada. Ao menos, nada do que conhecemos como tudo. Depois dela, qualquer saudade é extrema, qualquer vontade é mesquinha, qualquer vaidade é pequena.
Antes dela, e depois dela. Antes dela, tudo importa. machuca, incomoda. Depois dela tudo é bobagem, tudo é passagem. Ela relativiza tudo.
Como ela escolhe? Quem ela escolhe? Quem escolhe quem? E quem escolhe quando? Quais são seus critérios?
Como acontece de, um dia, você simplesmente fechar os olhos e não acordar mais? Desígnios de quem? Por quê?
Ah, são tantos mistérios. São tantas as perguntas que ela traz. Cada um responde do seu jeito. Para alguns, ela é bela, libertadora. Um novo começo. Para outros, ela é feia, e triste. Um fim. Ninguém sabe o que vem depois. Só adivinha. Ela depende de crenças, e de algo muito subjetivo, que se chama fé. Por isso ela é única, para cada um. Mas é inevitável. E é a mesma, para todos, no final. No acerto das contas, ela te pega de jeito. Chega, sem dizer dia ou hora. Vem, e depois vai embora.
Vai embora varrendo tudo, como um vento forte, um temporal, deixando água nos olhos de quem fica. Deixando lacunas, vazios e algo de devastação. Ela vem, e muda tudo. Assim, de repente. Nada fica no lugar, depois dela. Tão certa em sua incerteza, ela, que é nossa única certeza. Que ironia. O paradoxo da vida: o fim.
Ela sempre vem, cedo ou tarde. Quase nunca estamos prontos para ela.  Mesmo quando esperada, vem sempre de surpresa. E deixa sempre uma grande, uma imensa saudade.
A maior de todas as saudades. A saudade definitiva. Que só ela traz, porque só ela pode levar. Só ela pode levar, para sempre. E é sempre assim.

Dani Altmayer