sábado, 22 de dezembro de 2012

De novo no coração


 Folheando  O Livro dos Abraços, de Eduardo Galeano, logo na primeira página algo me chamou atenção. Está escrito assim: "Recordar: do latim re- cordis, voltar a passar pelo coração".
Nesta época do ano, não são só os bancos e as empresas que fazem seu balanço anual. Não sei explicar exatamente porque, mas a maioria de nós tende a fazer isso também, com a própria vida. Uma retrospectiva do ano, pessoal e intransferível. Talvez porque, como diz Mario Quintana: "bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda feira, do dia primeiro de cada mês e de cada ano novo, é que nos dão a impressão que a vida não continua, apenas recomeça".
Talvez esta seja a razão. Acreditarmos que o novo ano é uma página em branco, novinha em folha, cheia de oportunidades para recomeçar, reescrever, reinventar. Para isso, precisamos recordar. Fazer passar de novo, pelo coração, todas as coisas importantes que nos aconteceram, e que nos marcaram ,neste ano que chegou ao fim. Para que possamos escolher, com cuidado, o que precisamos deixar para trás, e o que queremos levar adiante. Para reconhecer o que foi acerto e o que foi erro, e com eles poder crescer.
 O ano que passou foi um ano muito especial para mim. Foi um ano intenso, emocionalmente falando. Muita coisa aconteceu, muita coisa boa, e muita coisa ruim, como em todos os anos, aliás, só que neste em maior proporção. Sofri bastante, chorei muito, amei demais, me decepcionei um tanto, morri de rir, rompi padrões. Escrevi pra caramba, senti muito. Reencontrei, me desencontrei. Me encantei, e desencantei. Ganhei muitos presentes, perdi muitos, ausentes. Coisas se romperam, pela minha vontade, e contra a minha vontade. Outras coisas, pelo contrário, teceram, com fios de ouro, belos laços na minha história .Foi um ano bipolar no bom sentido, cheio de emoções, as mais extremas.  O que me fez feliz, me arrebatou. O que me deixou infeliz, me arrasou. Conheci, reconheci e desconheci muita gente. Viagens, nascimentos, perdas,separações. Superações.Muito trabalho, alguns bons amigos, uma bicicleta nova. Minhas pedaladas. Uma sobrinha linda. Meu filho. Família. Um ano cheio de cor. Cheio de dor. Cheio de amor. Hoje, passando tudo pelo coração, de novo, percebi que foi um ano em que vivi, como há muito não vivia. E aprendi, como há muito não aprendia. E agradeço, por isso, a todos que fizeram parte do meu 2012, meus professores na escola desta vida. Agradeço, porque saio deste ano mais viva,  mais forte, e, quero muito acreditar, um tantinho mais sábia. Agradeço, porque, fechado o meu balanço, concluí que o saldo foi fortemente positivo.
 E que  venha 2013! Que venha com tudo que for para ser, e que seja sempre o melhor, para todos nós. Que estejamos conectados com o que importa de verdade neste mundo. Que saibamos reconhecer a beleza que sempre há. Que o respeito pela vida, em todas as formas, sempre venha  em primeiro lugar. E principalmente, que estejamos sempre perto de quem queremos e de quem nos quer bem. De quem nos faz bem.  Mesmo longe, que hajam mais pontes e estradas,  muitos outros caminhos e poucos muros.Que a gente não se perca da gente. Que tenhamos paz. Que não nos falte  saúde, dinheiro, e amor. Que haja sempre amor para recomeçar. E que nunca, nunca mesmo, falte um coração. Um coração para recordar.

Que seja feliz, este 2013 que está chegando. E que seja melhor, sempre melhor! Para todos nós.

Chora

Chora em silêncio, sem gritos, sem súplicas. Chora sozinha a dor que é só sua. Chora sem segurar, sem tentar engolir. Chora as lágrimas salgadas, amargas da decepção. Chora a saudade que não quer ter. Que não pode ter.Chora a raiva que precisa conhecer.Que precisa ter, para sobreviver. Chora o sonho perdido, a ilusão, maya. Chora a vontade que não é permitida. Chora a escolha de si mesma. Chora a perda, a decisão tomada, doída. Decisão precisa.Chora com o orgulho entalado na garganta. Chora o desprezo, a indiferença Chora tantos enganos.Chora sozinha, baixinho, quietinha. Chora como uma criança que perdeu o jogo. E reza, como uma criança que não quer mais a  dor: que passe logo, por favor, que passe rápido, que passe, simplesmente. Chora, que passa.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Um mundo de saudade


Tem dias em que a gente fica cheia de saudade. Hoje é um desses dias. Mas senti uma saudade diferente. Senti saudades dos meus livros. Senti saudades das histórias que povoaram minha infância e minha adolescência. Nem lembro mais os nomes da maioria dos livros, mas, olhando a chuva que cai pela janela, senti saudades deles. Comecei a ler muito cedo, e foi paixão à primeira vista. Amor incondicional. Vivia com o nariz enfiado em páginas de aventuras e romances. Já tive o dedo verde, joguei o jogo do contente, me arrepiei com os morros que uivavam. Plantei um pé de laranja lima, e chorei. Chorei também com Romeu e Julieta, sonhei com príncipes encantados, dormi com fábulas de todos os tipos. Já me chamei Brida e tinha um pônei lindo, foi quando me apaixonei por cavalos. Tive um cachorrinho chamado Samba. Investiguei mistérios, catei conchas, naufraguei em uma praia qualquer. Descobri na areia os capitães. Já tive uma leveza insustentável, e muitos e muitos anos de solidão. Construí igrejas na Inglaterra, lutei guerras de todos os tipos, até as frias. Superei obstáculos, fui orfã e depois adotada.Vivi com meu avô em uma montanha, e me chamava Heidi. Cuidei de pássaros feridos, mais de uma vez. Morei em uma casa cheia de espíritos e cresci acreditando ser uma pequena princesa. Brinquei com fantoches de Deus, viajei com um príncipe pequeno, e ele me ensinou que somos responsáveis por aquilo que cativamos.
Viajei com ele e com muitos outros, por planetas, mares e terras muito distantes. Conheci vários países, inúmeras cidades. Dei a volta ao mundo umas mil vezes, pelo menos. Acreditei todas as vezes em amores verdadeiros, mais de mil, ah sim, bem mais de mil vezes. Aliás, continuo acreditando. Sequelas. Li livros sem capas, amarelados, e roídos pelas traças. Li e reli quase todos. Alguns "treli."Poucos deixei de lado, quase nenhum não terminei. Eles eram meus melhores amigos. Meu jardim secreto. Ali se escondia uma menina tímida, que se via desajeitada e feiosa. Que não sabia muito como participar. Era naqueles livros que ela achava um consolo, uma magia e a alegria imensa de pertencer.
Talvez seja a época do ano, uma época de reavaliações. Talvez eu sinta falta é daquela garotinha de óculos e com a  cabeça cheia de imaginação. Dela, que se perdeu de seus maiores amigos quando precisou crescer de verdade. Dela, que tinha o coração maior do mundo, onde cabiam todos os sonhos, de todos os mundos. Não sei. Mas hoje senti saudades dos meus livros antigos, e há muito perdidos nas prateleiras do tempo. Senti saudades das histórias da minha vida. Da minha vida, repleta de histórias.

Dani Altmayer

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Meu sol, tua chuva

Hoje foi um dia diferente dos outros. Estava chovendo lá fora. Dentro fazia sol. Há tempos isso não acontecia. Acordar com o sol por dentro, e a chuva lá fora. Vinha sendo ao contrário  Estranhei um pouco. Engraçado como a gente se apega. Nossas dores de estimação, como a gente cuida bem delas. Cultiva, até.
Mesmo assim, um belo dia você acorda e, surpresa: tem sol! Assim mesmo, do nada. Por nada.Talvez não por nada, talvez por tudo. Porque a vida cuida de nós, mesmo que a gente não perceba. Ela tem uma sabedoria própria, e você pode chamar de Deus, de Universo, ou, simplesmente, de lei natural. A lei é simples: depois da chuva, vem o sol. E vem de surpresa,  até em uma manhã chuvosa como a de hoje.
Acordei assim, com um sol por dentro. Pensei, não é que é verdade? "Não há mal que sempre dure..." Bom, "nem bem que nunca termine." Mas aí já é outra conversa, a transitoriedade de tudo.
Há que se trabalhar o desapego, etc e tal.
Mas não agora, não hoje, nem vou pensar nisso. Hoje eu vou vestir uma roupa bonita, e o meu melhor sorriso. Vou me enfeitar de arco íris.Vou sair na rua sem me incomodar com a chuva que cai, insistente. Posso até me molhar, hoje não vou me importar. Vou curtir este momento, este instante. Este meu sol, dançando feliz na tua chuva.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Aviso aos usuários


" Em você eu amo até as coisas que odeio."Tirei esta frase de um seriado ao qual estava asssitindo outro dia. Era um casal gay, ele estava pedindo o outro em casamento, e como boa romântica, guardei a frase. Foi um pedido bem bonito, entre outras coisas ele falou que, com o outro, ele conseguia ser ele mesmo. E isso é ainda mais bonito, na minha opinião. Não precisar fingir ser alguém que não é, e mesmo assim ser aceito. Enxergar o que não gosta ou concorda, e ainda assim ser capaz de amar. 
(Porque ninguém neste mundo é perfeito, e muito menos feito para um encaixe perfeito.)
Geralmente esquecemos disso. A gente se apaixona, fica meio cego, acha tudo lindo. Depois começa a querer mudar a pessoa. Moldar. Lembrei  então da música do Caetano,"Quereres ":Eu te quero (e não queres) como sou, não te quero (e não queres) como és."  É bem assim. Porque, como diz  outro poeta : o nosso amor a gente inventa.( Cazuza). A gente pensa que ama. Finge que acredita. Pra se distrair. Mas pouco sabemos do amor. Confundimos tesão com amor. Confundimos carência com amor. E nem ao menos nos damos ao trabalho. De saber se podemos amar até mesmo quando detestamos. De verificar se o amor encontra-se no andar. Porque, agora citando a Martha Medeiros, o melhor amor é o correspondido. Esquecemos do básico. Sem isso, não dá nem para começar a conversar. Se não, quando acaba, a gente fica pensando que ele nunca existiu.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Só estrelas o tempo não leva

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O tempo é engraçado, e nos prega peças. Ele não cura tudo, nem traz todas as respostas. Mas muitas vezes, ele some com as perguntas. Quanto de nosso tempo gastamos com frustrações, pensando em desejos e sonhos que nunca foram realizados, e que hoje, na verdade, não tem mais a menor importância? Dos quais já nem mesmo lembramos? Porque as coisas mudam, o tempo todo. E nossos desejos e sonhos também.
Eu lembro que,há uns muitos anos, meu sonho era morar em uma casa ou prédio onde houvesse uma piscina. Não porque eu  fosse gostar de nadar na piscina, mas eu queria um lugar para tomar sol. Ficar bronzeada. Achava lindo ficar bronzeada. Não aconteceu, não tive a minha casa com piscina, nem sei porquê, tem uma poça d`água em cada prédio nesta cidade. Mas não calhou, foram outras escolhas.E hoje, isto não faz a menor falta, porque eu simplesmente detesto ficar torrando ao sol. Gosto sim, do sol, para caminhar na praia, andar de bicicleta, aproveitar o dia, enfim, qualquer coisa que signifique movimento. Não tenho mais paciência para ficar virando, feito galinha na TV de cachorro, e assar todos os lados por igual. Nem paciência, nem idade, sendo bem honesta. Quando as rugas falam mais alto, as prioridades mudam.
Há um tempo eu tinha o desejo de viajar o mundo todo. De viajar o tempo todo, e conhecer todos os lugares. Também não aconteceu, pouco provável que aconteça. Não sonho mais com isso. Ainda amo viajar, e viajo. Mas me permito repetir os destinos, se meu coração assim o pede, duas, três, cinco vezes, sem culpas. Porque a melhor viagem é aquela que você faz com seu bolso e sua alma leves, em igual proporção. E aprendi que viajar não te leva para longe de você mesmo, e isso não é um clichê, mesmo sendo. Entendi que, se eu estiver bem, uma travessia de balsa até São José do Norte pode ser um belo passeio. Agora, se eu estiver mal, nem Paris resolve, mesmo o dito popular falando que é sempre melhor sofrer em Paris. Não acho, prefiro chorar no meu travesseiro, é mais barato, e me conhece, também. Em Paris quero mais é ser feliz.
Antes, eu achava que tinha que ler todas as notícias, assistir a todos os jornais, estar sempre antenada, por dentro de tudo que acontecia. Hoje prefiro a ignorância, e a escolho, sempre que posso. Ganho em paz, a paz dos ignorantes, que seja, mas ainda assim, paz.
Eu adoro ir ao cinema. Antigamente ficava angustiada por não poder assistir a todos os filmes que queria. Passei muito tempo só vendo filmes infantis, e olha, aprendi a amá-los, e aprendi muito com eles. Hoje até sinto falta. Agora, que já tenho minha liberdade condicional, eu olho o jornal, e escolho cuidadosamente um ou outro filme, geralmente fora do circuito de blockbusters. Tenho um acerto de 90%, o que não é nada mal, nas minhas escolhas (de filmes, que fique bem claro). E continuo não podendo ver todos. Não se pode ter tudo, assim é a vida, algumas coisas sempre se perdem no caminho. E o mesmo vale para livros, outra paixão. Entrava em uma livraria, e era aquela festa do consumo. E da ansiedade, pois, mesmo sendo compulsiva assumida, existe limite no cartão de crédito. Saía com a sensação de ter deixado algo para trás, com a sensação de que estava perdendo alguma coisa. E estava, não estamos sempre? Para cada escolha uma renúncia.
Um dia também sonhei com uma vida tradicional, com uma família convencional. Faz tempo isso, acho que foi em outra existência. Ao menos parece.Também não aconteceu, Foi tudo muito diferente do que pensei que seria. Mas é tão autêntico e tão verdadeiro o que tenho, que não poderia querer outra coisa para a minha vida, agora.
O tempo, este senhor inclemente, ele nos prega peças. Não, ele não tem as respostas. Ele realmente muda as perguntas. Ou some com elas. Mas os sonhos não morrem, são como a natureza. Apenas se transformam. A gente, enquanto não morre, se transforma. Tudo muda, o tempo todo. Hoje as minhas estrelas, o meu céu, os meus desejos, não são os mesmos de ontem. Hoje a minha felicidade é uma manhã de domingo, pedalando com o meu filho na orla do Guaíba. É sentir o vento no cabelo, o sol no rosto, este sol que adoro e que não me bronzeia mais, porque não desejo mais.
É a alegria antecipada do encontro que terei em breve, de segurar nos braços uma bebê muito amada, e reencontrar suas mães também muito amadas. É a minha família, espalhada e estranha, se reunindo no final do ano. É a expectativa de férias, de uns dias junto ao mar, de uma vida mais simples.
A minha felicidade, hoje, não está mais em esperar o impossível acontecer. Está em fazer da minha vida algo realizável, a cada dia. Sem deixar de sonhar, nem por um dia.

Dani Altmayer

sábado, 1 de dezembro de 2012

Manhã de dezembro

Eu moro em uma cidade cheia de árvores. Gosto disso. Nem gosto tanto da cidade assim, mas amo  árvores. E, como amo árvores, acabo amando a cidade também, de certa forma. Hoje bem cedinho, antes da chuva chegar, fui pedalar, sozinha, no parque. Um parque meio mal cuidado, mas que tem as árvores mais lindas. Caminhos estreitos, cheios de luz e sombras, ladeados por imensas árvores , que fazem os desenhos mais loucos, em sua jornada rumo ao céu. Não conheço seus nomes, não lembro nada de botânica, e nem quero. Não preciso conhecer, dar nome, classificar, para amar. Preciso apenas, passar devagar, e ver.E vou, parando de vez em quando, para admirar os tapetes de pétalas que cobrem o chão, e as  flores que cobrem as cúpulas, a forma de seus galhos, seus verdes de todos os tons.
Lembro do inverno, quando muitas destas árvores estavam secas, sem folha alguma, e me encanta este ciclo de renovação. Quero aprender com ele, o que, no fundo já sei, mas ainda esqueço, mais vezes do que gostaria. Que há um tempo de morrer, e um tempo de renascer. E depois florescer. E então derramar estas flores no chão. E depois, tudo de novo. Porque nada é eterno. Porque nada está pronto, e é tudo um ciclo. Aprender a ter as raízes bem firmes, para que um vento mais forte qualquer não me derrube, mas os galhos flexíveis, para que possa dançar com ele, quando ele vier. Que a chuva seja tão bem vinda quanto o sol, que o frio do inverno me leve todas as folhas, mas que a primavera me traga de volta, novas e mais belas flores. Que seja sempre assim, enquanto eu estiver nesta terra. Enquanto não me arrancarem de vez as raízes. Que venham os ciclos. As renovações.Que não haja limites, porque o céu, só ele, é o limite.