quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Vista para lugar nenhum ( ou apenas outro poema sem nome)



a porta trancada por fora
uma janela grudada
no muro
o vidro imundo 
opaco

a poeira dos dias
o cinza das manhãs
a fresta de luz na soleira
em outros vãos
nalgum outro lugar
deve haver sol

o sofá de dois lugares
as migalhas na mesa
os pratos sujos na pia
a pilha de coisas 
as contas as desfeitas
a cama desarrumada
estreita

o som agudo da tevê
um cachorro ao longe
tua voz dizendo nadas
e aquela maldita porta 
trancada


Daniela Altmayer
( exercício para a oficina de poesia, "coisificar" um sentimento- não dizer)


domingo, 18 de novembro de 2018

fotografia





o sol rompe as nuvens
inclinando a luz
ao longe um cachorro late
há sempre um cão a latir
uma ponta de agonia

o vento balança os galhos

-há sempre um vento a soprar
nos novembros da feliz cidade-

em verdes salpicados de prata
as folhas dançam à mercê
desse vento sem melodia

e o calor morno da tarde
e o sol tardio e pálido
e a pálida esperança a vã

rompem a janela da sala
invadem inclinados intrusos
o final de mais outro dia

Daniela Altmayer

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

poema sem nome




nunca fotografei teu rosto
na estante da sala
não há porta-retratos
nem elefantes
ou filhos em comum
apenas os livros
alguns não todos
com suas páginas marcadas
dedicatórias cifradas
os livros os silêncios
o sofá
uma ou outra memória
-não a rosa que morreu
nem um cravo na lapela-
mas livros somente eles
são cúmplices
e poderiam denunciar
tua presença tua ausência
na minha.

história.

Daniela Altmayer






quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Fim de tarde





fechado no quarto azul
um menino brinca sozinho
no décimo andar do prédio
monta um forte-apache
índios e soldados lutam

na calçada de casa
não longe dali
outro menino atrás de uma bola
tomba numa bala perdida
de droga de bandido da polícia
o céu tingido de sangue

o menino no quarto azul
empunha a arma imaginária
os malvados índios caem

o tiro pode mais que a flecha
e os soldados sempre vencem
as invencíveis batalhas

Daniela Altmayer
( exercício para oficina de poesia- poema escuro)





terça-feira, 6 de novembro de 2018

Quatro elementos




explicar com
palavras-terra
traduzir em
palavras-fogo
converter em
palavras-ar

segurar na peneira da poesia
toda água que derramo em ti

Daniela Altmayer 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Dois poemas



certa vez o amor
me esperou
no dia
na hora
na data exata
me esperou com flores
terno gravata
perfume
dias
horas
meses talvez

as flores murcharam
o perfume mudou
o terno encolheu
soltaram o nó
a gravata caiu

maltrapilho e confuso
o amor foi embora
eu nunca cheguei
não fui avisada
a tempo outra vez





a mulher na tela
chora em preto e branco
uma taça de vinho
devolve o sangue
os olhos nublados
a fumaça de charuto
o piano de algum bar
a mulher toca
a música tema
de uma outra história
paralela


Daniela Altmayer
( exercício da oficina de poesia- recurso da enumeração)









quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Para não definhar


não aceita as colheres de ódio
não come a raiva não a engula
não alimenta teu corpo de ira
os copos as panelas
os pratos estão muito cheios
deixa esvaziar dá um tempo
toma bastante água jejua
escolhe frutas vermelhas
amores e sucos verdes
te nutre de amigos
ao leite e chocolate
amargo
lê um livro forte lê dois viaja
escreve poemas de camomila
toca uma música suave
faz amor esquece a guerra
dá um tempo desintoxica
goza rindo desarma
tua alma cansada radical livre
troca dor por afeto
e luz

Daniela Altmayer