domingo, 17 de julho de 2016

Para dentro



O lago reflete o céu acinzentado do início de outono. Eram seus dias preferidos, estes em que não se distingue a linha do horizonte na água. Um vento fraco a faz levantar a gola do casaco, em breve vai fazer frio. Pedala devagar, não tem mais pressa. É muito cedo de manhã, e a orla está quase deserta. Um homem de roupa verde e um cachorro passam por ela, correndo.
Lembra de um verão no passado, dos vendedores de sorvete, dos carrinhos enfeitados por balões de gás coloridos. Lembra dos risos. Ecos agora distantes, que se embaralham em memórias outras. Passeios, pontes, esperas. Os corpos quentes ao sol morno de um janeiro, a placidez de espelho no lago. O toque áspero das mãos em contraste com a leveza tépida da água. A muda, mútua contemplação.
O lago, onipresente e tranquilo. Como era, então. (Como ele.) Com suas águas lentas e profundas, feito uma felicidade que brota do nada, numa calma sem motivo aparente.
Sem dor. Sem dor.
A bolha se desfaz. Sente falta de ar, a força está no limite. O vento agora sopra mais forte, o lago encrespa-se levemente, desfazendo a imagem do céu. Larga a bicicleta na calçada e caminha na estreita faixa de pedras, tira os sapatos e sente a rudeza do solo que conhece de uma vida inteira. Sente a saudade cortando seus pés. Experimenta a água gelada do lago de sua infância, alguns pingos de chuva começam a cair pesados, ardendo em seus olhos ácidos. O homem de verde e o cachorro perderam-se de vista, não há ninguém por perto além da névoa.
Num suspiro resignado, quase contente, levanta um pouco o vestido. E espera.

Dani Altmayer
( Texto- desafio para a foto enviada pelo meu primo "she always loved the lake")

terça-feira, 12 de julho de 2016

Carta para Isabella (meu amor cor-de- rosa)



- Qual a sua cor preferida?
- Rosa claro e rosa forte.
É domingo cedo, estamos conversando pelo facetime e fazendo planos para o seu aniversário. Lembrei de quando soubemos que as mamães estavam esperando uma menina, e eu postei no facebook "a felicidade é cor-de- rosa." Mal sabia eu que a felicidade seria tanta, e tão cor-de-rosa.
Olho para seu rosto sorridente, e te digo que vejo uma nuvem cor-de-rosa à sua volta. Você olha para cima, com uma cara preparada finge procurar algo, revira os olhos e diz que não está vendo nuvem alguma.
Você não vê, Isabella, porque essa nuvem é você. Um pequeno e doce algodão cor-de-rosa. Uma bela prenda. Toda princesa, bailarina, fantasia. Toda luz, emoção, sensibilidade.
Você, que há quatro anos enfeita nossas vidas com música e com arte, com sua forte vontade, suas respostas rápidas e inteligentes. Você que é firme nas suas opiniões, tem muita personalidade e é suave e gentil ao mesmo tempo, coisa rara de se ver (ser). Você, com seus olhos curiosos de menina que mistura inglês com português, inventa verbos, "thinkando,"numa receita cheia de charme. Você que devora e conta histórias, que acredita em fadas, mas tem medo das bruxas e do escuro. Você que ainda não sabe o que são anjos, e me pergunta, "o que são anjos, Daniela?" Como vou explicar o que são anjos, Isabella? Anjo é você.
A garotinha dourada e rosa, que é linda de todo jeito, mas que é linda ainda mais por dentro. Que é puro coração. Você, que quando "for grande quer ajudar as criancinhas. "
- O que você vai fazer, Bella?
- Vou ajudar os pequenos a alcançar as coisas, tiDani.
Porque quando a gente é criança, parece que as coisas boas estão meio fora do alcance, mesmo. Os biscoitos e os doces ficam naquele armário bem no alto, e dependem da boa vontade dos grandes, assim como as tintas, a massinha de modelar e o sorvete de chocolate.
Mas não tenha pressa, Bellinha.
Crescer é bem legal, só que nem é tudo isso. As melhores coisas da vida não são difíceis de alcançar. Elas já estão bem juntinho de você, e já estavam bem antes de você nascer. Coisas que são ao mesmo tempo, complicadas de explicar e fáceis de entender.
Como essa nuvenzinha cor-de-rosa, brilhante, que você não vê. Que é da cor exata da nuvem que fica perto do sol, ao se pôr e ao alvorecer.
Como esse tanto de amor. Que cresce junto, a cada instante, e fica grande. Como você.



PS: Escrevi antes da sua festa, antes das nossas tantas outras conversas... Foram tantas, e tão interessantes que merecem um outro registro.
"A gente ama porque tem amor, ti Dani. "
Voltei com mais saudade, mais encantada, e com mais certeza ainda de que você era a cor que faltava no meu arco-íris.
Hoje é teu dia especial, princesa, e quem vai apagar a velinha é você. (E só você!)
Parabéns, amada!
Um beijo grande da tua tiDani


domingo, 3 de julho de 2016

Descanso


Domingo de sol, e um silêncio maculado.
Por sinos de igrejas,
E apitos de futebol.