segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Vai, dezembro


E dezembro termina escaldante e concreto, a cidade esvaziada não dá trégua para quem fica, o forno ligado na temperatura máxima, ovo frito no asfalto, nenhum meme dá conta. Não há lugar mais quente do que Porto Alegre no verão.
Fazia anos que não passava a virada longe da praia. Muito tempo, mesmo. Eu, que sou feita de exílio do mar, vou pular as sete ondas em sonho, por motivos diversos e importantes.
Na quietude da casa deserta, sem queixas, sem fogos de artifício, sem artifícios. Com muita coisa para arrumar, dentro e fora.
Termino o ano trabalhando, e agradecida por isso. Eu, e outra tanta gente que tem esta sorte. Hoje foram muitos exames admissionais, a maioria, o que me deixa bem contente. Presente de ano-novo, uma mulher me disse. Todos os pacientes saindo com um sorriso no rosto. Feliz 2020, doutora. Que seja um ano bom. Que seja, para todos.
Não sei de estatísticas oficiais, não quero falar de política, quero só acreditar na amostra particular por um dia, e desejar que, no ano que vem mais pessoas ganhem este presente, a felicidade de uma ocupação digna, com os direitos assegurados e um salário justo, pagamento em dia e férias remuneradas, mais a sorte imensa de um amor tranquilo e algum dinheiro para dar garantia.
Desejo ainda um mundo de outras coisas, saúde, leveza de espírito, respeito, tesão, muita vida, muita arte, muita música, muita celebração, muita poesia.
Que não falte nada daquilo que nos eleva e nos faz esquecer um pouco das mazelas de um ano sufocante, tão sufocante e inóspito quanto o calor desta Porto Alegre cansada.
Aqui ou lá, longe ou perto, que não nos falte o mar- com seus encantos, sua simbologia e seus mistérios- de forma real ou figurada, no 2020 que vai nascer.
E nem trabalho, e nem ar condicionado, amém.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Cadê?

Cadê o gatinho?
Atrás da porta, embaixo da cama, na caminha do cachorro, escalando os livros, dentro da caixa, sob meus pés, ao pé da poltrona, no tapete peludo, aprontando alguma...

 Cadê o gatinho?
A resposta que vem e não me consola é que o tempo de amar é sempre emprestado.
Mas o tempo de amar estas quatro patinhas foi absurdo de tão curto, tão intenso, e tão injusto.

A casa está mais vazia agora, e muito, muito menor.

sábado, 21 de dezembro de 2019

Tua passagem

Este sopro frágil a que chamamos vida.
O amor não se mede em permanências. Nem em tempo.
Toda alegria é também uma dor, por breve que somos, e a tal eternidade é um balsámo- mas só para quem acredita.
Eu te amei à primeira vista, e a cada dia mais. Foram dois breves meses e um infinito de emoções.
Se houver um céu de gatinhos, tenho certeza de que tu estás lá, com tua alegria, tua fome, tua resistência. Tua personalidade forte, e teu ronronar macio. Os olhos de mel e areia.
Falhamos, mas não foi por falta de luta. Menos ainda, por falta de amor e dedicação.
E se existe algum consolo, é que tu sabia disso: eu era completamente apaixonada por ti.


sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Réquiem para dezembro



Olhos que não enxergam, ouvidos que não escutam, bocas que não beijam.
Palavras sem sentido.
No correr de dezembro, nada faz sentido.
E ainda o barulho, as buzinas, os pensamentos.
Todos os arrependimentos e a corrida insana contra o tempo.
A insistência. Um quê de desespero.
Desencontros embrulhados para presente.
O verde e o vermelho, a ilusão da neve fria, o asfalto quente. O desastre da árvore, as luzinhas escassas, a estrela solitária.
O trânsito, a pressa, a desatenção.
Os flamboyants em fogo.
A batida na esquina de casa, o estrondo, o susto. O pulo do cachorro, o descaso do gato.
Os plantões, os boletos, os desenganos. As lembranças e a saudade. Meia dúzia.
Em sacolas.
Inutilidades caras, algum afeto, nenhuma garantia.
Dezembros e abandonos.
Boas intenções e panetones secos, frutas cristalizadas, aquela desgraça.
Os cheiros e os gostos de outros Natais. Quando alguma coisa ainda fazia algum sentido, a salada de maionese era com e sem maçã e o molho tinha nome estrangeiro.
Os ruídos, o tumulto, a multidão. A farofa.
O peru, as nozes, os nós. As passas famigeradas e os brindes inesperados.
O calor exasperante.
A esperança agendada.
Um mar e a areia.
E depois, janeiro.
O respiro.