domingo, 25 de julho de 2021

Gracias a la vida




 

Mais um aniversário me espreita, na curva da semana que avizinha o prometido frio recorde do século, eu que já ultrapassei a metade de um sem bater nenhum recorde, e acho que chegar a julho de 2021 com saúde e energia já é um grande feito.
Hoje pedalei na orla, depois de mais de 18 meses, andava sem coragem de ir tão longe.  A pandemia trouxe uns medos estranhos, além das mudanças de hábito, ganhamos novas ansiedades e desconfianças. Mas fui, e voltei com a máscara ajustada no nariz, bem tranquila, neste dia ensolaradamente azul, curtindo o verão do inverno, a bonança que antecede a tempestade, será que vai nevar em Porto Alegre no dia 29?
Espero que não, já não gosto de frio, de sentir as mãos geladas e o corpo contraído, prefiro a indolência das temperaturas mais altas, a malícia dos dias quentes, a preguiça das tardes de dezembro a março.
Mas sou do sul, querendo ser bahiana, sou de julho, cria do inverno, e não posso reclamar de frio. Agradeço ter vindo tão bem até aqui. Na luta contra a perda de colágeno, rugas e cabelos brancos, o jogo é de cartas marcadas. Não gosto, admito, mas dane-se, não as vencerei ao final. Envelhecer é o preço que se paga pela vida, e a vida é tão mais que um corpo eternamente jovem. Não é isso que me define, nunca foi. Acho que não há definição. Como dizia a Simone, que nada nos defina, que nada nos sujeite. A essência é o que importa, a substância, a liberdade, a dor e a delícia de ser quem se é. Saúde e sorte.O amor é a arte, e a alegria é saber-se forte, inteira. Com todas as marcas que carregamos, estejam elas visíveis ou não. Gostemos, ou não.
À beira dos 52 anos, cá estou eu: com fôlego para mais alguns.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Mais uma carta para Isabella








A menina e a gata, e eu só posso falar em saudade. 

Hoje a guria que é dona do meu coração completa nove anos de vida. Na última vez que nos encontramos, ela tinha sete. A pandemia me roubou parte desta infância, e eu não vi os oito de perto. Não sei se verei os nove, é tudo tão incerto ainda, apesar de haver mais esperança, apesar de haver mais.
O oceano que nos separa ficou maior e mais profundo, quase intransponível, nestes dias tão tristes, onde não podemos cruzar as fronteiras, eu sei que o amor não tem fronteiras, mas a saudade, ela tem.
A saudade imensa do abraço, dos beijos, do cheiro dos cabelos, dos risos, das pedaladas, das histórias inventadas, dos esquilos, piqueniques, saudade da inocência, da criança que ainda resta, de que gosta ela, agora, que sonhos tem, que livros ama, ainda entenderá meu inglês truncado, o português quiçá, será que passou do meu ombro, quero ver dançar, ouvir cantar, e o tempo não para, o tempo nunca para.
Ele avoa.
O tempo tem asa, mas não tem pena. Tempo, vem cá ao pé do ouvido, deixa eu te fazer um pedido. Vai devagar, por favor. E passa logo, cura nós também, para a gente poder se encontrar de novo.
Que eu quero abraçar a saudade.
A saudade de hoje tem nome, teu nome, saudade, é Isabella.
Menina da minha saudade, hoje é teu dia.
Que ele seja tão lindo quanto tu, e tão cheio de luz quanto tu.
Vai, voa, vem cá. Abraça o mundo, viva, seja muito feliz nessa vida.
Happy birthday!

Com todo amor,
  TiDani

domingo, 4 de julho de 2021

Gaiolas e desejos



 

O sol derramado sobre a mesa e o livro aberto dos teus olhos, os fios prata na tua fronte febril, a gentileza dos dedos indóceis a esculpir as letras, linhas entre vãos, desenhos em arrepio, desbravando estranhezas, libertando pássaros, resgatando frases, onde andará meu amor, tateio a palavra perdida com a sofreguidão de um beijo, na ânsia de quem busca uma graça, um gozo, um abrigo, com a saudade faminta de um amante há muito esperado, há tanto, as carícias repartidas em estrofes a romper o frio dos silêncios, toda voz calada agora se abre, escancarada e cheia de dentes, na sede de lamber o lirismo da tua boca, beber na fonte tua saliva espessa de poesia, a avidez a destravar a língua num grito incontido de prazer e dor, transbordando em versos toda a fúria reprimida, toda letra esquecida, todo bem-querer encoberto em quartos de lua, em crescentes de hotel, em lentas tardes fartas, clandestinas de um infinito azul.


Sobre escrever 

Desenho de Frida Castelli