sábado, 30 de setembro de 2017

Aquele hotel


Primeiro vem a dor. Sempre ela, primeiro.
Uma estocada mais bruta e aquela dor quente, rompendo a barreira da pele. Rompendo todas as barreiras da covardia.
A dor seca e áspera do caralho abrindo caminho à força- uma contração involuntária e o corpo retesado, um grito de espanto. 
De dor. 
A dor quente. Pulsante, uma dor aguda, bem-vinda.
Os músculos se relaxam e se alargam para recebê-lo. A dor agora divide espaço com o prazer. 
Um arrepio de antecipação, o domínio do macho que cobre a fêmea, a entrega doce e desesperada. 
O pau latejante, que se agiganta por dentro dela. 
O peso dele montado em suas costas, suas pernas abertas, a boca mordendo o lençol, as mãos crispadas, o vaivém do caralho. 
Devagar... Suavemente...
Mais forte. Mais duro. Mais rápido.
Já não há dor. Nem barreiras. Só a queimação e o entra e sai, marcando o trote, a trepada, o compasso.
Ele dança sobre ela, ela se abre e se contorce sob ele. 
São dois em um. A respiração ofegante, a cadência crescente, ele cada vez maior dentro dela. 
O púbis dela apertado contra o colchão, a bunda oferecida, empinada, um olhar enviesado. Safado. 
A pulsação única, o ritmo acelerado, a iminência quase insuportável (quase dor) do gozo que já não pode nem quer ser contido, que chega junto, brusco, aos borbotões e finalmente explode e se acaba em espasmos e jorros numa ausência completa de pensamentos. Num turbilhão de sentimentos e sensações. 
Ele desaba sobre ela, dois corpos suados, suspirantes, inertes. Surpresos, saciados, suspensos no limbo do depois.
O prazer quente escorrido, espumante, viscoso: ardido. 
Antes, uma dor. Agora embriaguez.


Ela se veste devagar, em silêncio.
Ele dorme, o braço estendido sobre o rosto, cabelo desgrenhado, nu ainda. A luz fraca desenha o belo contorno dos seus músculos. Sobre a mesa, taças de vinho pela metade, um toco de cigarro com marca de batom e a aliança dela.
O quarto tem um cheiro forte, inebriante.
Ele suspira no sono, se mexe, fala algo inaudível- mas não acorda. Ela respira fundo.
Enfia a calcinha na bolsa e abre a porta do quarto com cuidado. Descalça, sandálias na mão, sai pelo corredor do hotel pisando o carpete puído com a delicadeza de uma fugitiva.

Daniela Altmayer

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Tu, por acaso




Já não sei se és oásis ou miragem, por tantos anos andei vagando, ímpar, perdida nesse deserto sem saber, uma estranha entre estranhos; agora te descubro sem procurar, par por acaso, mato a sede em tua saliva, bebo tua areia feito água, sacio a fome no teu corpo que me queima, me come, me consome; tu me abres inteira e em partes, depois me devolves intacta, insaciável, pétalas de mim; ao meio dessa interminável incrível viagem, te descubro, me descubro, ser sensível, fêmea, puta, mulher tardia, esqueço do deserto, derramada em teus braços fortes; por acaso oásis ou miragem, tanto faz,somos dois, entrelaçados numa única, úmida, árida planície nua.
Já não me importa se és miragem ou oásis.
És. Sou.Tua.
Só uma pergunta que não ousaria ainda me resta, tênue feito nuvem que ora voa longe, também já não importa se faz calor, se tem sol, se vai chover nesse dia.
A pergunta que eu não te faria- se tu pudesses me amar, amaria?

Daniela Altmayer
( texto de janeiro- 2017)

domingo, 17 de setembro de 2017

Ecos


Cai a tarde em teus braços cansados.
De repente, o silêncio.
A calma que precede a tempestade da noite; 
Ficas esperando um vento qualquer que desmanche teu cabelo.
Uma gota.
Ele não vem. Ela não vem.

Só o silêncio. Seco. Brusco. 
Buscas em volta um ruído que te embale o sono no final do domingo, 
Uma pequena cantiga que murmure em teu ouvido: está tudo bem. 
O silêncio não prenuncia o som. A palavra que não pronuncias.
Ninguém vem.
Ele é só silêncio.
Ela, essa confissão. 

O vazio. A mudez nua, bruta. 
Vagalumes ao redor da lua,
Buracos de estrelas mortas.
Há muito.

Que nome tens? infinitos.
Nome algum, não importa.
Em todos fui-serei tua.

Muda de uma surdez crua.
Sem susto, sem grito.
Perdida da dor, esquecida.
Cega de uma noite escuramente absurda.

Ele não vem, ninguém.
É tudo somente esse nada. 
Ouve. Mas ouve bem.
É só silêncio, sempre.
E não.

Daniela Altmayer

Bela adormecida

Pintura: Cumplicidade por Marília Nunes

Era uma tarde ensolarada, fazia um calor ameno de fim de primavera. Pela janela de cortinas semi-cerradas entrava o canto dos passarinhos e uma ou outra voz difusa, distante. 
Sons intrusos de um mundo distante.
Estavam os dois no sofá, nus e sonolentos após o sexo vespertino.
Ele desperta e se ergue sobre ela, tirando o peso, mas sem soltá-la totalmente.
Surpreso, ele sente seus mamilos também despertos. Escorrega o corpo e encaixa o quadril entre suas coxas, agora com a intenção de imobilizá-la. Ela acorda miando.
A língua dele, ainda seca, toca o bico do seio esquerdo. Ela geme, e ele sente seus músculos se retesarem. Passa um braço por baixo dela, colando os ventres para sempre. 
Segue passeando a língua, provocando o bico- os dentes raspando a pele, mordendo de leve. 
Ela, presa no abraço, só consegue respirar ofegante, e a cada chupada dele aumenta o ritmo e o gemido. Surpreso, ele antevê um gozo inédito. Sente os braços se debatendo e finalmente relaxando sob os seus. 
Ela sente escorrer entre as pernas o deleite inesperado, viscoso, melado. As coxas se colam uma à outra, na tentativa de reter o instante. Os olhos dela são lampejos de puro espanto. 
Ele segue com o seio quase inteiro dentro da boca até cessarem os espasmos. Uma fresta de sol entra pela janela, e se aninha entre seus pelos dourados. 
Uma lágrima escapa ao sorriso mudo que ela lhe devolve, junto com a pergunta suspirada:
-O que foi isso?
Pergunta que repetiria muitas vezes, para si mesma e para ele, ao longo dos meses seguintes. Meses de uma exploração sensorial mútua, febril. De liberdade fêmea recém-chegada, nascida naquela tarde de sol inclinado. Pergunta espantada a cada novo gozo revelado, inventado, aprendido. A cada centímetro de pele conquistado, lambido: invadido, como se nada fosse indevido ou sagrado, a partir dali nada nunca mais foi proibido. 
As janelas e as portas do prazer foram bem mais que abertas, escancaradas. Mordidas com todos os dentes. Destravadas com força, com delicadeza. 
Foram meses de coragens, entregas, voos -solo e casados. Viagens ao centro de tudo, guiadas por ele, para ele e com ele: sua melhor parceria. 
Fui despertada por um beijo.
Ela me conta isso da distância de um tempo já transgredido, me fala das mil possibilidades do amor. Seus olhos escuros brilham ao me ensinar que tudo é- ou pode ser- erótico nesse mundo. "Erótica é a alma". 
O sexo que se espalha pelo corpo começa na cabeça e não se restringe a parte alguma, nunca. Não precisa. 
Ela ri e desdenha dos filmes pornô, até gosta, não se trata disso: apenas não precisa.
É tudo tão mais.
Estirada no mesmo sofá, taça de vinho na mão, sua voz se embriaga na lembrança:
O assombro da descoberta ainda hoje se mescla à sensação de infinitude apreendida naquela tarde, pela boca do homem que ela se perdeu a amar- naquele instante ou bem antes. 
Depois. 
Como não amar quem nos livra das correntes?

Dani Altmayer