domingo, 21 de março de 2021

Dia da poesia






Bandeira branca, eu quero paz. 

Quero a sorte de um amor tranquilo.
Os sonhos mais loucos, de quimeras mil.
Eu quero a recompensa dos carinhos teus.
Eu quero só, saúde e sorte.
Não quero mais tanta luta, tanta disputa.
Ninguém quer a morte. (Ou quase ninguém).
Eu quero desarmar cada lágrima tua, quero amar sem medo, respirar sem dor, quero aspirar o perfume que as rosas não falam, apenas exalam, roubando de ti.
Quero a trégua da guerra, só hoje, só por hoje eu não vou beber da raiva que destrói meu fígado e minha cabeça e minha lucidez.
Só por hoje eu não vou tragar a fumaça tóxica dessa gente tóxica, que nos quer destruir.
Eu quero tomar um porre de insensatez. Quero me inebriar da arte, do riso dos loucos, da embriaguez das palavras tontas, das promessas nuas, da tua voz rouca.
Eu quero a beleza das coisas mais fúteis, mais inúteis, o sorriso do menino correndo, o voo de um beija flor, a música sem sentido do Biafra. Um licor a mais. Voar, voar.
Eu quero cantar Cazuza, jogada a seus pés, com mil rosas roubadas. Quero ser exagerada, mas só por hoje. O amanhã responda quem quiser.
Quem puder.
Eu quero bendizer teu nome, abraçar teu corpo, sorver em goles lentos essa chuva que cai lá fora, lavando as ruas vazias, as disputas vazias, antecipando as noites mais longas, os dias mais frios.
Eu quero abdicar de todo controle, todo descontrole, todo desamor. Quero alienar minhalma, saudade de ser só um tantinho assim feliz.
Eu quero me saber grão.

Porque sim, o mundo é um moinho, amor, triturador de ilusões a pó.
Mas, e quem gira as pás deste moinho? Desconfio que não somos nós. E não estamos sós.


Vem, vamos embora. Vamos de música e versos sem sentido, vivendo e sobrevivendo, um dia a cada vez.
Feliz dia, poesia.


domingo, 14 de março de 2021

Um ano de luta

 




Acordo com o azul do céu nas frestas da persiana. O café sem pressa, um pão de fermentação natural, as frutas. Uma caminhada pelo bairro, um bairro arborizado e silencioso, os exercícios na sala ampla, uma sessão de yoga, a meditação que só consigo aos domingos, e que, nesses dias tensos, mais parece uma reza. Medito a luz verde, violeta, já não sei qual a cor da saúde, mentalizo as pessoas, rezo a avemaria que é meu mantra desde criança, e nem sei bem porquê. Repito a oração, acalmo a mente. Aspiro a sala, escovo a gata, preparo um almoço fácil. Leio um pouco do meu livro triste, descanso sem dormir. Vou no supermercado, encho o carrinho de comida, compro incensos, que por algum motivo não estão vetados, pago os olhos da cara por tudo, volto, envio receitas pelo computador. Checo alguns amigos que estão doentes. Dou orientações pelo whatsapp. Recebo notícias tristes, emergências fechadas, a mãe de uma amiga de um amigo morreu em casa, o pai do mesmo amigo que está recebendo oxigênio numa ala nova de um hospital, sem assistência adequada, porque os profissionais estão sobrecarregados, ele me fala dos sacos com os corpos, da correria, da falta de notícias, da angústia. 

Limpo a cozinha, troco a areia da gata, tomo um banho, leio as notícias, caiu o ministro, não caiu, era mentira. Quero escrever um poema, mas estou seca de poesia. Falta silêncio, ouço buzinas e protestos, surdos às sirenes de ambulâncias que peregrinam batendo em portas fechadas.
Sou grata, sei da minha imensa sorte, de estar com saúde, de ter comida na geladeira, de ter uma casa confortável, sou grata pelas árvores e pelo sol, pelo conforto do meu sofá, pelas séries que me alienam. Sou grata pelos amores que cultivo. Fico feliz de estar podendo ajudar tanta gente, mesmo exausta, com a sensação de trabalhar 24h por dia, eu não estou em nenhum outro lugar onde não poderia estar.
E tudo que faço, que fazemos, ainda parece pouco ou nada, perante a notícia de que pessoas passaram 5 horas numa fila para registrar a morte de seus entes queridos.
O domingo de sol se turva com estas dores inimagináveis. Estamos numa guerra, é preciso resistir, encontrar alento, achar a poesia que se esconde nos cotidianos. Mas é preciso, acima de tudo, estar atento e forte. Não esquecer que estamos numa guerra, e estamos numa guerra sem um bom general. Jogados à propria s(m)orte. Alienados.

Vacinas para todos, já. E respeito. Mais respeito, por favor.

PS-faz de conta que o pessoal da foto à esquerda tá pedindo vacina e medidas sanitárias.

domingo, 7 de março de 2021

Os descartáveis





as vozes silenciadas na dor

da impotência
e a prepotência
e a incompetência
a intransigência
a inconsequência
e a indecência
a displicência
o pouco caso
o ocaso
o descaso
este descalabro
destino ou sorte
na vida
e também na morte
não há aviso prévio
por mais que estejamos avisados



nunca estaremos preparados