domingo, 28 de janeiro de 2018

Sobre ser bambu e não carvalho




Quando você finalmente respira, aliviada: ah, então é isso?
Certa de que entendeu tudo, coloca os burros na sombra e descansa na rede de todas as certezas, sente aquela coisa rara e meio esquisita que parece uma paz. Nenhuma folha oscila, nenhuma nuvem no céu: tudo claro e sereno, tudo em seu devido lugar, inclusive você.
Você fecha os olhos e sorri, satisfeita consigo mesmo, e pensa que conseguiu.
Chegou onde gostaria de ficar. Já não era sem tempo, suspira orgulhosa.
É então que uma palavra, um silêncio, um pensamento, objeto ou sujeito, bota o tempo a perder.
É aí que o vento inesperado levanta um redemoinho no chão da tua areia de conforto, porque o chão é sempre de areia, e a areia te entra nos olhos, narinas e boca, te sufoca e engasga, a rede se agita, te joga para fora, e os burros há muito fugiram da tempestade e te deixaram sozinha. Nem precisa olhar para o céu para adivinhar as nuvens: nada mais está no lugar, nem tudo e muito menos você.
Qualquer coisa a toda hora balança o frágil equilíbrio da certeza que não há. que não pode haver. A certeza na qual eu ainda insisto em acreditar, contra todas as evidências.
Penso então nas posturas de equilíbrio da yoga e me consolo: mesmo que não pareça, elas não são estáticas. Nem rígidas. Exigem força, equilíbrio, concentração. E flexibilidade. Tem sempre um tênue balançar, uma oscilação. É isso que faz a postura se manter, o foco, a atenção, e saber se pender.
A gente não fica onde gostaria de estar, a gente oscila. E muda. O equilíbrio está no pêndulo e esse equilíbrio é sempre dinâmico.
Como na vida, contínua adaptação.

    Daniela Altmayer

domingo, 21 de janeiro de 2018

Um quase encontro





No calor de janeiro as calçadas do centro seguem apinhadas de passantes, ora apressados, ora sonolentos. Elas estão cada vez mais estreitas devido aos vendedores ambulantes, imigrantes que disputam o já precário espaço vendendo óculos, bonés, carregadores de celular, caixas de som que tocam funk -invariavelmente- e aquelas bermudas esquisitas sem fundilhos, de uma marca conhecida.
Tudo meio irregular, as vendas e as sujas calçadas esburacadas.
Por isso não estranhei ao ser atropelada por um pedestre apurado que quase caiu em cima de mim, tropeçar é comum tanto no centro da cidade, quanto em qualquer pavimento de qualquer lugar dessa Porto Alegre tão mal cuidada. Sua bolsa de couro bateu na minha sacola de livros, e me virei em sua direção, esperando o pedido de desculpas que não veio, quase nunca vem.
Você seguiu seu caminho, sem olhar para o lado, sem olhar para trás- como fez também há tantos anos, e eu fiquei parada, seguindo seu passo, observando seus cabelos mais ralos e mais brancos, o andar um pouco desengonçado, me pareceu mais magro, mais baixo do que recordava- faz muito tempo, uma eternidade talvez.
Queria dizer que senti teu perfume, ainda lembro dele, mas o único cheiro no centro é de suor e cigarro, o pipoqueiro está de férias na praia e o habitual odor de pipoca doce está ausente da esquina onde por acaso nos esbarramos.
Por alguns instantes meus pensamentos voltaram a outro tempo, algo como uma outra vida, enquanto você ia ficando cada vez menor e mais longe, até se perder na distância e se dissolver na multidão. Como todos.
Um estranho que eu amei.
Quis te chamar, dizer um olá, puxar um assunto qualquer- a voz não saiu, não faria sentido e você não me ouviria na balbúrdia da tarde quente. O tempo tem dessas coisas, já dizia o Roberto: transforma todo amor em quase nada.
Volto a andar, da caixa de som a paradinha martela insistente meus ouvidos cansados. Os primeiros pingos de uma chuva de verão molham minha nuca suada. É preciso correr agora.
Você não me viu, ou fingiu não ver- e tudo bem: não nos reconheceríamos mesmo.

Daniela Altmayer