quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Quem tem mais a dizer?

 O tempo passa e a gente muda. Um belo dia você  olha no espelho e está tudo lá: os cabelos brancos,  as rugas, uns quilinhos a mais e um olhar diferente. Ainda é você, e ao mesmo tempo não é. É um você mais vivido, talvez mais sábio, quem sabe mais maduro. Com certeza mais experiente. Pode ser que você tenha mudado muito, pode ser que não.
O tempo vai deixando suas pistas, escrevendo suas histórias, marcando nossas linhas, as de expressão e as da vida. Não passa em branco. Vai colorindo e descolorindo, trazendo e levando, em um fluxo contínuo, inevitável. A gente muda. Mesmo sem querer, mesmo sem perceber.
Outro dia, conversando com um amigo, ele me perguntou: se você, sabendo o que sabe hoje, se encontrasse a criança que você foi um dia, o que diria  para ela? O que faria diferente? 
Se eu tivesse a oportunidade de encontrar aquela menina, eu não diria nada a ela. Não que eu não me arrependa de muita coisa. Não que eu não gostasse de poder fazer diferente. Não que erros não tenham sido cometidos. Foram, e ainda são. Mas cada um deles é parte integrante da mulher que me tornei. Meus erros, e também meus acertos. São minha bagagem. Carrego eles comigo, senão com orgulho, ao menos com certa dignidade. E muita aceitação.
Não, eu não falaria nada para aquela menina, não lhe daria nenhum conselho. Eu apenas me ajoelharia diante dela, e, quando estívessemos da mesma altura, eu olharia bem dentro dos seus olhos, ainda tão claros. Tão cheios de uma sabedoria inocente.
Então, pronta para escutar com toda a atenção, eu diria apenas: fala você! Sou toda ouvidos.
Não deixa eu te esquecer.

Dani Altmayer

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Sem vergonha

 Escrever é como fazer um striptease. Só que da alma. Às vezes você vai meio sem jeito, tímida. Tira uma ou duas peças e mostra só um pouquinho. Deixa entrever, apenas. Outras vezes, mais corajosa, você tira tudo e fica nua. Exposta, literalmente.
 Algumas vezes a roupa nem é sua, você toma emprestada. Quem escreve está sempre tomando emprestado, não repare. Uma história aqui, outra ali, o trecho de uma música , o cachorro manco do vizinho. Não importa, tudo vira assunto dentro de uma cabeça que escreve. É um perigo, já vou avisando. Mudam-se os nomes, as datas e os lugares, mas, quando menos se espera, lá está seu vexame, ou seus casos, descritos e narrados com (quase) todas as letras. São os riscos de  se relacionar com este tipo de gente. Frases de filmes, textos que você lê e pensa: queria ter escrito isso! Tudo é assunto. Ou vira assunto.

 Mas,  de verdade mesmo, o que a gente mais revela, quando escreve, é a gente mesmo. Não importa se está se escrevendo um conto, um romance ou ficção científica. Crônicas, ou poemas. Sempre vai um pedação da gente junto, seja na idéia em si, sejam nos sentimentos ou em uma opinião pessoal. Às vezes a gente vai inteira mesmo, aos borbotões. Ou aos pedaços, se despedaçadas estamos. Mas vai junto em cada texto, em cada palavra,sim. E o legal é que de vez em quando estes pedaços da gente encontram outros pedaços, que se identificam, riem ou se emocionam com aquilo que a gente escreveu.
  Escrever é como fazer um striptease. É uma entrega. Você se mostra e se esconde, em diferentes proporções. Mas é sempre uma entrega. Com resultados variáveis. Porque, a não ser que você seja uma profissional na área, nem sempre vai dar certo. E pode até sair tudo muito errado, e você ficar ali, nua e vulnerável, na sua falta de jeito. Mas pode que não, né? Pode até funcionar. Requer coragem este tipo de sedução. Mas, quando dá certo, e os tais pedacinhos da gente se encontram com os dos outros, ah, não tem celulite ou pudores que nos convençam do contrário: vale muito a pena. Vale desnudar a alma, e se mostrar. Sem vergonha.

Dani Altmayer

sábado, 24 de novembro de 2012

A pior solidão

"Solidão a dois de dia
Faz calor, depois faz frio
Você diz "já foi" e eu concordo contigo
Você sai de perto, eu penso em suicídio
Mas no fundo eu nem ligo
Você sempre volta com as mesmas notícias
Eu queria ter uma bomba
Um flit paralisante qualquer
Pra poder me livrar
Do prático efeito
Das tuas frases feitas
Das tuas noites perfeitas
Solidão a dois de dia
Faz calor, depois faz frio
Você diz "já foi" e eu concordo contigo
Você sai de perto eu penso em homicídio
Mas no fundo eu nem ligo
Você sempre volta com as mesmas notícias
Eu queria ter uma bomba
Um flit paralisante qualquer
Pra poder te negar
Bem no último instante
Meu mundo que você não vê
Meu sonho que você não crê"
    Cazuza

Ontem ouvi esta música, no rádio, e grudou na minha cabeça. Fiquei pensando nessa "solidão a dois". Acho que não tem nada mais triste do que solidão acompanhada. Nada pior do que olhar para quem está do seu lado e não reconhecer, não saber que língua fala, a que planeta pertence, em que mundo crê. É muito duro perceber que você se enganou tanto. Que tudo está fora do lugar, e que se você continuar ali, logo já não vai mais saber quem você é, também.Você se agarra em qualquer coisa que te mostre que não, você não é um idiota. Mas tudo a que você se agarra é frágil, e rompe com seu peso. E você cai de bunda no chão, e  é obrigado a reconhecer que sim, você tem sido um idiota. Sim, você está numa solidão absurda, na pior das solidões, que é a de tentar se conectar com uma alma que não encaixa. Ou porque não pode, ou porque não quer. Dá no mesmo.
Talvez até, nenhuma alma encaixe, nem seja este o propósito das almas. Mas há de haver melhor conexão. Algo que se complete um pouco mais. Que tenha mais tesão. Um olhar na mesma direção. Há de haver quem ao menos te queira, né? Que possa te enxergar. Me parece mais fácil suportar a solidão de uma montanha no Himalaia do que a solidão de conviver com quem tem um mundo que você não vê. Que não vê você.
Chega um ponto em que o muro está tão alto, que é preciso tanto grito para se fazer ouvir, tanto esforço para tentar alcançar, que não resta muita escolha. Não cabe mais, escolher.
Já cansado de escalar, já doendo de tanto se dar, chega a hora de dizer chega. E partir não é opção. É necessidade. É isso, ou meio que morrer. Porque já fez calor, e agora faz frio. Faz muito frio.

Dani Altmayer

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Um mar



             Cansada do dia a dia,
             Fim de ano, correria.
             Eu, hoje, só queria
             Uma praia,
             Mesmo com vento.
             Pé na areia.
             Um mar,
             Mesmo gelado.
             Um beijo salgado,
             Mesmo sem sentir.
             Um lugar, um momento
             Para fugir,
             Silenciar.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Como cães e gatos


    Há duas noites, minha gatinha caiu da janela, e fugiu. Não foi a primeira vez, já fez isso antes.Na noite passada, ela voltou. Acordei de madrugada, com o miado forte, vesti uma roupa, enchi o pote de comida e desci. Sentei no chão, na frente da porta do meu prédio e chamei baixinho. Ela estava dentro de uma floreira sem flores, e ficou me espiando. Aparecia e desaparecia, brincando de esconde esconde. Eu, imóvel, esperava. Demorou uns bons dez minutos para ela vir se aproximando, cautelosa, e concluir que poderia voltar a confiar em mim. Chegou por trás, e se esfregou na minha perna, como os gatos costumam fazer quando querem carinho. Com todo o cuidado do mundo, eu a peguei no colo, falando baixinho para não assustá-la e a trouxe de volta para casa. No apartamento, meu cachorrinho a saudou, entre latidos e lambidas, e, em poucos instantes, o caos familiar voltou a funcionar. Detalhe para o horário: 4 horas da manhã. 
       Hoje, lembrando do "resgate", pensei que algumas pessoas são assim, como os gatos. É necessário muita cautela e paciência para que, finalmente, deixem chegar perto, estejam feridos ou não. Gente desconfiada. Que obedece a critérios próprios para classificar quem é e quem não é digno de seu amor. E, mesmo depois disso decidido, ainda é preciso muito cuidado. Qualquer gesto mais brusco, ou palavra dita fora de hora, podem botar tudo a perder. Nenhuma conquista é eterna aqui. 

        Já outras pessoas são mais parecidas com os cachorros, em relação a afeto e fidelidade. Tendem a confiar  logo de cara, demoram para se decepcionar ( se é que isso acontece), e distribuem seu amor de forma generosa e um pouco atrapalhada. Abanam o rabo para o primeiro que lhes fizer um cafuné, pulam na perna de qualquer um, e o seguem com adoração por todos os cantos da casa. São, de certa forma, ingênuos na sua alegria e doação desmedidas. Insistentes e, muitas vezes, chatos na sua carência. Toda atenção pode ser pouco, aqui.  

       Tenho os dois em casa: uma gata e um cachorro. Convivem em harmonia, apesar de todas as diferenças. Ou até por causa delas., mostrando que ser diferente não é empecilho para nenhum relacionamento. Desde que haja respeito mútuo, um pode aprender muito com o outro. O cachorro pode aprender com o gato, muito além de subir nas mesas, a ser mais independente. A respeitar o espaço alheio. A não sair assim, dando seu amor para qualquer um, sem uma mínima análise prévia. A ser um pouco misterioso e se valorizar. Já o gato também pode aprender com o cachorro, muito além de brincar de bolinha, a ser mais generoso no seu afeto. A ser mais alegre, e menos desconfiado. A não se levar tão a sério. Analisar sim, mas também correr riscos, porque de riscos é feita a vida. De riscos são feitas as relações, e também de confiança. Não há garantias, nunca, e aí que está a graça. Que aprendam o significado e o valor da fidelidade. Que possam acreditar que, por mais dura e adversa que seja uma situação, sempre vai ter alguém disposto a um resgate. Numa madrugada  qualquer, de um dia qualquer. Por um motivo bem simples: por amor.

Dani Altmayer

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O dia dela

  Dia 20 de novembro, no Brasil, é o dia da consciência negra. Dia 20 de novembro, para mim, é o dia do aniversário de uma das minhas mães (tive duas), que, por coincidência, era negra. Era, porque não está mais neste planeta, há 12 anos. Parece tanto tempo, mas também parece que foi ontem. Ainda tenho saudades. Saudades de sua gargalhada gostosa, debochada. Da mão áspera, com cheiro de cebola. (ela cozinhava maravilhosamente). De sua conversa fácil,  de seu colo macio, de ser muito mimada. De ouvir uma fofoca, e escutar o CD de fim de ano do rei. De pedir algo, e ouvir um" agora depois". De não ter nenhum pedido negado. De ser amada  incondicionalmente. De levar bronca sim, mas bem de leve, porque ela não sabia ficar braba por muito tempo. Sabia, isso sim, defender com unhas e dentes, cada um de seus quatro filhos. Ai de quem nos fizesse algum mal. Uma vez, em um show no clube da praia (ela adorava um show), chegou a empurrar, dançando, a menina que estava com o cara que eu gostava. E depois se matou de tanto  rir. Saudades dela, de sua alegria, de sua presença firme, da sua nêga maluca.(fazia um bolo como ninguém).
   Vinte de novembro, dia do aniversário dela. Dia da consciência negra. Anda rolando no facebook um vídeo com o ator americano Morgan Freeman, que fala justamente deste assunto. Ao ser perguntado sobre o que ele pensava sobre a data correspondente nos EUA, ele responde: ridículo. Ridículo. A história do negro é a história da América. Pare de me chamar de negro, e eu paro de te chamar de branco. Simples assim. Brilhante.
   Não sei se é porque a minha história é a história dela. Se porque cresci, e convivi, por 31 anos com uma das pessoas mais lindas e puras que já conheci. Uma mulher maravilhosa, que, por acaso, tinha a cor da pele diferente da minha. Puro acaso. Acho que por tudo isso, ou por nada disso, sei lá, mas concordo com o Morgan Freeman. Isto tem que acabar. Teve sentido, talvez, um dia, todas estas datas em homenagem às classes menos favorecidas: negros, mulheres, índios, gays e etc. Historicamente fez sentido. Para alguns talvez ainda faça. Na minha opinião, isso tudo é ainda uma forma de discriminação. De julgar diferente o que é realmente diferente, mas só o é na superfície. O medo do que não é espelho. Narcisismo, ou egocentrismo. Dê o nome que quiser. Por temer o desconhecido, eu me defendo, atacando. Ataco, sem pena. Para provar que sou melhor que você, começo uma guerra. Preconceitos, de todos os tipos, são a causa da maioria dos conflitos que enfrentamos no mundo, atualmente. Idéias pré concebidas, ultrapassadas, e estanques. Em um mundo em constante transformação, em um planeta globalizado.  Como pode ainda ser?  Talvez (?) uma boa hora para se rever conceitos.
     Em tempo, o nome dela era Dolores, a Pia. O meu, Daniela. E você, como se chama?

Não basta parecer

Cuidado! Miragem não mata a sede,
só alimenta esperanças.
Sonhos, oásis da alma.
Colorem a noite, confundem o dia.
É bela a imagem, mas é ilusão.
Nem sempre o possível se torna real.
Tudo pode? Pode ser.
Mas nem tudo é. Ou será.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A hora boa


Toda hora é hora . De começar uma nova história, de acabar uma velha história. Toda hora é hora. De repetir uma boa história. Não precisa ser segunda feira, não precisa ser pela manhã, nem precisa ser primeiro de janeiro. Não precisa haver eclipse, leitura de mapa astral, conjunção planetária. Não precisa a chuva passar, o dia raiar, o verão começar. Não precisa o filho casar, o cabelo crescer, dois quilos perder. Não precisa esperar as férias, o fim de semana, o dia ideal. Toda hora é hora. A todo instante, a cada minuto, a todo segundo. Se o lá não existe, muito menos o tal depois.
Ah, depois eu vejo, depois eu faço, depois eu começo. Depois eu termino. Agora não. Agora está frio demais, o sol está forte, o vento está contra. Agora estou triste, cansado, estou muito feliz. Li no meu horóscopo que hoje não, amanhã talvez. Perguntei para um amigo que disse que outro amigo falou que uma amiga sabia. E me contou. Que hoje não. Isso não. Agora não. Porque não é a hora. Só que não.
Toda hora é hora, a vida não espera, não te dá opção. Ela é. Não será, nunca será.
É.
É hoje, um dia como qualquer outro. Agora é a hora. O instante perfeito. Para começar, para repetir, para terminar. Uma, duas, tantas, todas. Agora sempre é a hora. Não depois. Depois é um lá que não existe.

Dani Altmayer

domingo, 11 de novembro de 2012

Histeria



         
 Neste fim de semana assisti a um filme inglês chamado Histeria. "A palavra tem origem no termo médico grego hysterikos, que se referia a uma suposta condição médica peculiar a mulheres, causada por perturbações no úterohystera em grego. O termo histeria foi utilizado por Hipócrates, que pensava que a causa da histeria fosse um movimento irregular de sangue do útero para o cérebroNas palavras de Freud: "O nome “histeria” tem origem nos primórdios da medicina e resulta do preconceito, superado somente nos dias atuais, que vincula as neuroses às doenças do aparelho sexual feminino." (Wikipedia).
        O filme é uma comédia, aborda o tratamento utilizado por dois médicos na cura desta suposta doença feminina, ambientado na Londres de 1880, século XIX. É engraçado, poderia ser mais, mas é, acima de tudo, interessante. Retrata bem as condições de vida das mulheres há apenas 150 anos. Mostra que percorremos um longo caminho, de lá para cá.
         Estou longe de ser feminista, e acho que as mulheres podem ser umas chatas, muitas vezes. Mas o filme me fez pensar no quanto conseguimos conquistar. Nós, mulheres nascidas no século XX, e estas meninas de hoje, que já nasceram no século XXI, não temos muita noção desta trajetória. Naquela época, a mulher não podia votar, não podia estudar, cursar universidades. Era basicamente preparada para o casamento e filhos. Tinha a vida limitada a obedecer ao marido, cuidar da casa, bordar e, talvez, tocar um instrumento musical. Não participava de decisões políticas ou sociais. Não tinha poder algum.
         Estas mulheres estavam insatisfeitas, como bem mostra o filme. Lá pelas tantas o médico diz que a maioria das mulheres de Londres sofria de histeria. Doença esta que era bem abrangente, em termos de sintomas, variando desde uma leve melancolia até crises psicóticas. Ele estava enganado. Elas não tinham era escolha, perspectivas. Não tinham vida própria. Sua vida sexual era destinada à reprodução, acreditavam não ter direito ao prazer.
         Muita coisa mudou, ainda bem. Ainda existe um ou outro resquício desta época em nossa sociedade, e na cabeça de alguns homens e mulheres, isso é certo.  As mulheres ainda são consideradas loucas. Algumas ainda acham que precisam de um homem para sentirem-se protegidas e seguras. Alguns homens também pensam assim. Mas cada vez menos.  Ainda somos, sempre seremos, resultado de uma combinação maluca de hormônios. Que nos enlouquecem tanto quanto aos homens. Mas que não nos impedem de sermos, muito além de mães e esposas, médicas, engenheiras, advogadas, diretoras, presidentes, artistas, ou seja lá o que for, o que nos der na telha. Não nos impedem de poder sonhar, amar e relacionar-se livremente. De sentir prazer. De dizer sim, e dizer não. De sermos respeitadas. De estarmos no comando de nossa própria vida.
        Se louco é alguém que você nano consegue explicar, acho que sim, sempre seremos um pouco loucas. Bom, nem Freud conseguiu entender o universo feminino, depois de 30 anos de estudo aplicado. "Afinal, o que querem as mulheres? " Esta continua uma pergunta difícil de ser respondida, senhor Freud.  Queremos tudo, sempre, e mais.
           
          Em tempo, o diagnóstico de histeria só terminou oficialmente  em 1952.

"Em 1857 a lei do divórcio foi aprovada e, como é bem conhecido, definiu legalmente diferentes 
parâmetros morais para homens e mulheres. De acordo com essa lei, um homem poderia obter a dissolução de seu casamento se ele pudesse provar um ato de infidelidade de sua esposa; porém uma mulher não poderia desfazer seu casamento a não ser que pudesse provar que seu marido fosse culpado não apenas de infidelidade, mas também de crueldade". 
(Millicent Garrett Fawcett, em seu livro "O voto das mulheres", publicado em 1911)

"Era um período estranho, insatisfatório, cheio de aspirações ingratas. Eu a muito sonhava em ser útil para o mundo, mas como éramos garotas com pouco dinheiro e nascidas em uma posição social específica, não se pensava como necessário que fizemos alguma coisa diferente de nos entretermos até que o momento e a oportunidade de casamento surgisse. melhor qualquer casamento do que nenhum, uma velha e tola tia costumava dizer.
A mulher das classes superiores tinham que entender cedo que a única porta aberta para uma vida que fosse, ao mesmo tempo, fácil e respeitável era aquela do casamento. Logo, ela dependia de sua boa aparência, nos conformes do gosto masculino daqueles dias, de seu charme e das artes de sua penteadeira".
(Charlotte Despard, memórias não publicadas, registro de 1850)

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Tudo em ti


 Eu não mudei.
 Mudou o teu jeito de me olhar.
 Sente...
 Consegue perceber ?
 Tanto amor, tanta mágoa,
 Toda raiva, toda ternura,
 São teus, tão somente.
 Tudo está ali.
 Nos olhos do observador.
 No sujeito, sempre.
 Nunca no objeto.
 O objeto é inocente.
 Eu sou teu olhar,
 Sou transparente.
 Sou tudo.
 Não sou nada.
 Depende.
 De ti.

Dani Altmayer



 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Delicado equilíbrio

  Todos os dias, bem cedinho, no meu trajeto para o trabalho, eu os vejo. Mãe e filho em uma bicicleta. Ela gordinha, na direção. Ele, magrinho, na carona. A mochila da escola  vai no cesto da bicicleta. Vão pela calçada, o que é prudente. Porto Alegre é uma cidade hostil aos ciclistas. A avenida Osvaldo Aranha, que até já teve um projeto de ciclovia, é, neste horário bem cedo, uma via expressa de motoristas. Motorizados e com pressa. Muita pressa.
  Todos os dias eu os vejo. Ela gordinha, ele magrinho, uns 8 anos de idade. Presumo que sejam mãe e filho. Conto esta cena, porque me intriga um fato. Só ele está de capacete. Ela não. Ele sempre. Ela nunca. Por quê?Se eles caírem, não vão se machucar, os dois? A cabeça dele é mais importante do que a dela? Presumo que sim, do ponto de vista da mãe, ao menos. Digo isso sem nenhuma crítica, apenas constatando, sou mãe e também ajo assim, muitas vezes.
  Todos os dias eu os vejo, e penso a mesma coisa: por quê? E me vem à memória as instruções de segurança dos aviões: em casos de despressurização, máscaras cairão automaticamente sobre a sua cabeça. Se estiver viajando com criança, coloque primeiro a sua, depois a dela. Mais ou menos assim. Ou seja, você tem que estar a salvo para poder salvar outra pessoa. É isso.
  É isso, e é simples. Mas não sei se por uma questão cultural, ou intrínseca mesmo, pelo tal instinto, nós mulheres tendemos a nos esquecer disso. E não falo só em relação aos filhos, apesar de principalmente. Na maioria de nossos relacionamentos agimos desta forma. Protegendo e cuidando do outro, e nos deixando de lado. Priorizando e valorizando o outro, em detrimento, muitas vezes, de nossos sonhos e desejos. Em detrimento de nossa própria segurança, física e até mesmo emocional. De que serventia podemos ser, se estivermos todas estropiadas, e machucadas? Esquecemos que, para cuidar, proteger, e alimentar o outro, seja ele quem for, precisamos estar antes cuidadas, protegidas e alimentadas. Saudáveis. Em todos os sentidos. Só podemos dar aquilo que temos. Mas e se dermos mais do que temos? Bom, apesar da matemática não ser o meu forte,  até eu sei esta resposta: o saldo vai ser negativo.
  Olho para aqueles dois na calçada, de bicicleta, todos os dias. Todos os dias desejo que construam uma ciclovia. Várias. Que transformem esta cidade em uma cidade pedalável.  E todos os dias peço, em silêncio, para aquela mãe: coloca um capacete, também, vai. Te cuida aí. Pode ser que você não saiba, mas a sua cabeça é importante. Tão importante quanto a dele. Autoproteção não é egoísmo. É equilíbrio. Indispensável para andar na bicicleta. E para andar na vida,  fundamental.