domingo, 14 de fevereiro de 2021

Sonho impossível

 



"E o mundo vai ver uma flor


brotar do impossível chão"

A voz da Bethania ainda ecoa aqui dentro. "Eu quero vacina, respeito, verdade e misericórdia".
Tirei esta foto hoje cedo: a flor que nasce e cresce em meio às ruínas de um telhado.
Ela me fala que lutar é melhor que ceder, que é viável voar num limite improvável, que é certo brotar, tudo bem ser botão num espaço de não.
Ela me diz da invencível primavera, aquela que vem sem pedir licença, vem apesar de você, vem mesmo sem um jardim para recebê-la, vem porque sim, porque venceu uma guerra, é um pouquinho de paz cravada no chão.
A flor na ruína do telhado é o sonho impossível na voz da diva, é a música e a poesia, é a arte nos salvando da aridez dos escombros, do deserto de sonhos e ideias, na força imensa que emana de toda a delicadeza. De toda beleza.
É a vida nos salvando da sorte.
A vacina, o respeito, a verdade e a misericórdia, nos salvando. Da morte.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Viagens possíveis



 

De todas as coisas que a pandemia nos tirou, a que mais sinto saudade é de viajar.
Sei que sou privilegiada porque não perdi ninguém que eu amo para essa maldita doença, e agradeço todo dia por isso.
Também não sou a maior viajante do mundo, não. Mas quase todos os alguéns que amo moram longe de mim. Minhas viagens sempre são por afeto, mais do que por turismo. Hoje é dois de fevereiro, festa de Iemanjá. Passei dois dias dois em anos consecutivos, na Bahia, em Itacaré. Com meus amores. Foi lindo demais da conta.
Passei a maior parte dos dias dois de fevereiro da minha vida na minha praia, o Cassino. A praia repleta das oferendas devolvidas, os barquinhos com flores, uma religião que não entendo muito, cheia de simbolismos e tradições.
Eu não tenho religião, não mais.
Mas respeito profundamente todas as crenças, e hoje que não posso viajar, entro na viagem que é um livro, me deixo transportar para uma fazenda no interior daquela Bahia que só conheço pelo mar, para a história do Torto Arado, piso numa terra estranha, com uma gente sofrida, que vive, como tantos ainda, neste país tão desigual, em situação análoga à escravidão. 

Embarco na vida de duas irmãs, na doçura e no espanto de um lugar árido, duro, mas cheio de magias e encantamentos que me são tão diversos. Ainda estou na metade da minha viagem, não quero que acabe. É um livro belíssimo e já recomendo sem medo de errar.
Dois de fevereiro, um calor escaldante, longe da praia.A pandemia limitando nossos corpos. Mas os livros, sempre eles, libertam nossos espíritos e mentes.
Para a maior viagem de todas, que é viver a vida de um outro, sentir sua dor, sua alegria, e conhecer assim, o que ainda nos é estrangeiro.