sábado, 30 de dezembro de 2017

Outros voos



Mais um dia e se vai o ano. Passou rápido, como passam todos os anos, como passa a vida.
Chove na cidade maravilhosa, as nuvens encobrem o cartão postal, nenhum pescador se arrisca ao mar. Uma brisa fresca entra pela varanda no silêncio da penúltima manhã de 2017. É dezembro e faz quase frio, no Rio.
Deitada na rede enquanto o resto da casa dorme, me embalo no inevitável balanço de ano-novo. Datas são meras convenções, ainda assim não resisto: há algo de esperança nisso de acreditar- comer sete (?) uvas, pular sete ondas, usar roupa branca. Se vestir de amanhãs.
(Só não acredito é em resolução, cansei de prometer e não cumprir. Aliás, de promessas me fartei, não faço e nem espero que me façam, não mais.)
"A cada dia o que é do dia."
E assim eu penso no ano que se vai, que me pôs à prova e me deixou mais forte, um ano intenso de emoções diversas, grandes alegrias, aprendizados imensos, bons encontros, grandes decepções, muitos sustos e alguns medos, a descoberta de vários coragens e a realização de um sonho, meu amor errado mais certo do mundo- no mundo. Um ano superlativo.
Sem saudades e sem remorsos, risco a última folhinha de 2017 com gratidão e em paz, espiando pela sacada o dia nublado. A chuva parou agora e na mureta uma garça levanta voo, graciosa e elegante. Eu espero que a entrada em 2018 seja assim como esse voo: bonito, suave. Desejo que seja um ano mais leve, mas se não for, que não a gente tenha força.
E, chova ou faça sol, não importa: que não falte luz.
Que sobrem, sempre, céu e poesia.


Daniela Altmayer
    


quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Corujas


No Amor errado mais certo do mundo tem uma crônica chamada Ainda ontem, escrita em dezembro de 2014. Meu filho estava se formando no ensino fundamental e eu dizia que nada marca mais a passagem do tempo do que ver nossas crianças crescerem. Pois é.
Hoje, 3 anos depois, ele completa o ensino médio. Não é uma criança e já faz tempo. Chega ao fim de uma etapa importante, cumprida sem maiores dificuldades, anos e anos de colégio, amizades, muito basquete, algum estudo.
Se eu sinto orgulho?
Sim, sinto. Muito.
Não porque ele tenha feito sua obrigação, afinal fez o que era esperado dele com todas as facilidades e todos os privilégios que sempre teve, e ainda bem. Ainda assim, poderia ter dado errado. Muitas vezes dá, apesar. De tudo e de nós. Ou deles mesmos.
Então sim, eu me orgulho. Não tanto por seus feitos acadêmicos, que me deixam muito feliz ( e aliviada), mas porque quem o conhece sabe o quanto de bom caráter e bondade e maturidade se escondem por trás daquela cara bonita.
( É que ele é lindo mesmo, prepara para o clichezão: por dentro e por fora).
Eu brigo, reclamo, implico. Ele idem. Um adolescente- quase adulto, um homem e uma mãe à beira de um ataque de nervos, super normal. Super. Tudo certo.
Só que, quando o bicho pega, e pega pra valer- esse não foi um ano fácil- é onde ele demonstra toda sua força, essa inteligência emocional que é dele, que me deixa de boca aberta e por vezes envergonhada de mim mesma.
Nesses momentos fico pequena, e ele grande: mas, como ele próprio me disse, estamos crescendo juntos. Saímos da bolha juntos (na marra) e ainda que sigamos em direções opostas, estaremos sempre juntos no afeto que nos liga.
Ele me emociona tantas vezes. Me enche o peito de orgulho, sim.
Não só pela formatura hoje, e também por isso. Parabéns, JP.  Comemora, aproveita, vive tua conquista. Que venham os novos desafios, porque tu já sabe: de agora em diante é outra vida, muda tudo.
E eu também sei, tenho certeza: tu dá conta.

Resumindo:
Ele me enche de orgulho, de verdade, porque é um guri muito legal. Um baita cara, mesmo.

domingo, 17 de dezembro de 2017

A mulher e o gato


A mesma ressaca, no espelho o mesmo rosto com a barba por fazer, a mesma desordem de todo dia. O café instantâneo, morno. A geladeira e o estômago vazios, a pia cheia de louça, o computador esperando. Os buracos na estante, o armário desocupado ao meio, a garrafa de uísque no fim. A camiseta branca encardida, uma cueca virada, o caos da área de serviço: nada parecia importante nas pilhas de coisas adiadas para dia algum.
Faz uma semana que ele não sai de casa. Não lembra do último banho. Anteontem, talvez. Do artigo para o jornal de domingo, nem uma linha. Do livro, só um parágrafo: o último. A palavra fim. Consulta o relógio na parede, já são  quase dez horas- pelas cortinas cerradas um raio de sol se insinua na sala, fazendo dançar a poeira do chão.
Nada naquela manhã anuncia que vai ser diferente de qualquer outro dia.
Olha pela janela a cidade acordada, suspenso na névoa de seus pensamentos inúteis, fecha bem a cortina e acende um cigarro. Nesse instante, o interfone toca:
- Sou eu, abre.
Não pensa em perguntar de quem é a voz desconhecida de mulher. Obedece. Minutos depois ela entra. Uma mulher alta, de chapéu, toda vestida de preto. Traz um gato no colo, preto também.
- Lembra de mim?
Tem a voz rouca, lábios muito vermelhos. Não espera ele responder, e solta o animal que foge para baixo do sofá, assustado.
-Volto às cinco.
Sai fechando e porta com delicadeza, e deixa para trás uma bolsa de couro, o gato, e o rastro de um perfume forte, que toma conta da sala fechada há vários dias.
Ele espirra, tem alergia a gatos. Talvez seja o perfume. Olha em volta, procurando o bichano- acende uma luz na sala escura. O bicho sumiu, não está em lugar algum, não que ele possa ver.
Suspira e senta na frente do computador, olha o celular que pisca e vibra.
Tem que comprar comida, acende outro cigarro. Precisa comprar cigarro também. Esse é o último. E uísque. Decide-se. Vai no quarto, abre o armário para pegar a bermuda e o chinelo, o gato salta do alto de uma prateleira, e some novamente em direção à sala.  Uma calcinha cor-de-rosa se enrola nos seus pés, deve ter caído lá de cima. Examina com cuidado a peça pequena e cheia de rendas: não lembra dessa calcinha minúscula. Cheira com força, fungando, espirra e joga de volta para o fundo do armário. Merda. Desiste de sair e pede uma pizza, cerveja e cigarro pelo telefone, uma garrafa de água também. Examina a carteira: o dinheiro está acabando, precisa ir ao banco.
Volta para o computador, liga a TV sem som na sala, e fica mudando de canal. Ouve um miado. O gato deve estar com sede. Abre a torneira da cozinha, e o animal aparece, desconfiado. Tem um olho verde e outro castanho, bebe uns goles, depois roça suas pernas, agradecido, e desaparece. Ele lembra de fechar a única janela aberta, a do banheiro: mora no sétimo andar.
Não vê mais o gato a tarde inteira.
Toca o celular, número desconhecido- deve ser da editora. Atende. A mesma voz rouca avisa que vai se atrasar um pouco e desliga.
Faz calor no apartamento. Decide tomar um banho e fazer a barba, não tem mais roupa limpa, veste uma camisa social por cima da bermuda de sarja. E espera.
Ela chega sem avisar às 17h30, mais perfumada e com os lábios mais vermelhos do que antes, ainda de preto. O gato corre a se aninhar em seus braços, o chapéu se desloca um pouco e ele consegue ver seus olhos: um castanho, outro verde.
Ela pisca, pega a sacola de couro e se despede:
- Volto amanhã, no mesmo horário.
Ele senta em frente ao computador, acende um cigarro, depois outro. A sala tem o cheiro adocicado dela.
Passa a noite inteira escrevendo.

Daniela Altmayer
(exercício para a oficina de escrita, misturar conto de fadas/ fábula num texto concreto)

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Meus agradecimentos



Viajei para Rio Grande lendo Clarice, voltei lendo o livro do Lázaro Ramos ( Na minha pele) que peguei do pai- faço isso sempre- agora os livros todos estão devidamente carimbados e identificados como pertencente à biblioteca do Tônio, coisa que, imagino, vai complicar minha vida. Nossos livros, como a gente, sempre viajaram para lá e para cá sem passaporte ou residência fixa.
Ainda não terminei a leitura, mas já marquei algumas páginas (desculpa, paizinho), uma delas em que ele diz "seu lugar é aquele em que você sonha estar. "
Tudo isso para falar de uma outra coisa: do lugar onde sonhei estar, e estive. Do lançamento do meu livro, MEU Amor errado mais certo do mundo. Ainda custa usar esse pronome possessivo sem me espantar um pouco, mesmo depois de um ano inteiro trabalhando nele, editando, cortando, organizando, relendo, escolhendo a capa.
Talvez porque ele não seja realmente meu, as palavras depois de saírem por aí são como os filhos: não temos controle algum. Estão soltas no mundo, e que bom. Dá um medo danado de largar, mas é como tem que ser. É preciso confiar.
Foi um final de tarde lindo, e o sucesso que tantos amigos me desejaram já aconteceu, na minha definição. Sucesso foi receber o carinho de gente tão querida, ao som de uma ótima música, com direito a muita conversa boa e abraços apertados entre reencontros para lá de especiais.
Eu pedi um pôr do sol e no meio do evento veio um temporal. Como me disseram, foi uma chuva de bençãos- que foi bonita igual, porque tudo é bonito naquele clube com vista para a lagoa, e não teve barulho, ainda bem- tenho medo de trovão, quem me lê já sabe. Foi só água e vento, muita água e muito mais vento, que fazem parte da minha história e da história da minha terra de criança.
Foi o final perfeito de uma semana complicada, com alegrias, tristezas, e um baita susto, porque assim é a vida, e assim é o titulo de uma das crônicas do livro: Faz sol, mas qualquer hora pode chover, como bem me lembraram, e que termino dizendo que existe um sol para cada chuva acolhida.
Assim é a vida. Definitivamente, sol e chuva.
Nessa doce alternância de seguir sem garantias, tenho as batidas do coração renovadas por tanta energia boa e pelo carinho de todos, que de um jeito ou de outro, estiveram presentes.
Agradeço à Concha e à Andréia, por seu trabalho cuidadoso que resultou num livro que é a minha cara. Agradeço ao Pedro pela melhor orelha. Agradeço ao pai, por tornar possível meu sonho, junto com a Alison, uma amiga que ganhei de presente para sempre, e que foi incansável, cuidou de cada detalhe com muito amor, como eu nunca poderia sonhar.
Agradeço ao clube da minha infância, que guarda as minhas melhores memórias, pelo espaço e acolhida. Agradeço à Marianna, fotógrafa linda e competente. À Joselma, pelas dicas e paciência. Ao JP, meu amor mais certo, por estar presente nesse momento tão importante para mim, mesmo estando dividido, e ele sabe porquê.
Agradeço a cada um dos amigos que, apesar das adversidades, estiveram no Yacth naquela noite de nove de dezembro, noite desde já inesquecível- e histórica- e agradeço a todos os que mandaram mensagens queridas, por vibrarem junto comigo e por mim.
É muita gratidão, e não estou fazendo mau uso da palavra, não nesse momento. (Nem ironia, aviso.)
Pensem numa pessoa feliz. Muito feliz.
Obrigada, obrigada, obrigada!
Termino esse texto que já está para lá de piegas (acho que tenho licença para isso) com outra citação do Lázaro Ramos, do livro que roubei, ops, emprestei do pai:
"Esses somos nós, reflexos de um espelho quebrado que, como um mosaico, apresenta um pedacinho de nossas histórias. Se visto com carinho, cada pedaço pode ter sua beleza, valores e complexidades reconhecidos."

Vocês ficaram com pedaços do meu espelho, e espero que curtam o reflexo que vão encontrar.


Daniela Altmayer

Ah, o livro está à venda na editora, com a Alison, em breve na feira do livro da FURG e comigo. Lançamento em POA quando o ano começar. ( depois do carnaval )
A trilha sonora é Chão de giz, tá, Icke Bratz ?( adorei)
Obs: Foto de Flávia Altmayer no dia do evento: o amor no céu em forma de coração. Também emprestada