sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Tá tudo certo

"Tá tudo certo, tá tudo certo, tá tudo certo"...ela ficava repetindo mentalmente, como um mantra, está tudo certo. Tudo bem. "Tá tudo bem." Mas ela sabia que nada estava certo, e também não estava bem. Sem conseguir definir exatamente o que não estava funcionando. Era mais uma sensação meio vaga, indefinida, de que as coisas não estavam saindo do jeito esperado. Estava tudo ali, os ingredientes todos, mas sei lá, talvez na hora de misturar tudo tenha esquecido de algo. Ou mesmo acrescentado algo a mais, algo demais. Não conseguia lembrar exatamente o que, mas o certo é que não estava dando certo. Não tinha o gosto que era para ter. A consistência. Não tinha a consistência certa. Ou talvez tivesse. Talvez esta  falta de consistência fosse o que era para ser. Ela nunca fora muito boa nisso mesmo. Mas ela queria tanto, então ficava repetindo seu mantra solitário, tentando se convencer de que estava certo, tudo certo, tudo bem. Mas não se convencia. Porque não estava, né. Ou será que estava?
Ela sabia que pensava demais, muitas vezes. Quase sempre. Tinha este mau hábito. De pensar, sobre tudo. Ela também tinha a péssima mania de sentir demais. De se envolver demais. De não conseguir, simplesmente, jogar tudo fora e fazer de novo. Não, ela persistia, sem saber direito como consertar a massa disforme que tinha nas mãos, mas ela insistia. Cheia de idéias e ideais, com sua capacidade de pensar e sentir sobre tudo, sua auto análise. Sua hetero análise.
Achava engraçado como algumas pessoas colocavam tudo no automático. E viviam uma vida de fazer e ter que não parecia ter fim. Ela conversava com estas pessoas e obtinha uma descrição detalhada de seus dias, desde a hora de acordar até o anoitecer, e era uma sucessão de fatos sem importância, e de coisas adquiridas sem consequências, e de uma ausência de valores e uma falta de qualquer coisa, e um excesso de banalidades que a deixava espantada. Você acorda, toma café, sai para trabalhar, compra uma bolsa nova na liquidação, discute longamente a cor do esmalte com a manicure, vai ao cinema, vê um filme que não entende, sai para jantar em um restaurante da moda, volta para casa, escova os dentes e vai dormir. No outro dia tudo de novo. Ela conhecia pessoas assim. Que para ela pareciam fúteis. Talvez não fosse futilidade, e sim, sabedoria, afinal.Porque  ela sentia uma certa inveja. Da capacidade delas de seguir sem trégua, dia após dia, vivendo suas vidas cotidianas, sem precisarem de mantras. Sem pensarem demais. Sem se preocuparem com massas de bolo que desandam, ou coisa parecida. Algumas vezes ela queria ser assim, ter menos cabeça para pensar. Ter menos, muito menos coração para não precisar se importar tanto. E ter muito mais coragem.Para aceitar que, mesmo que não esteja tudo certo, pode estar tudo bem.Que mesmo não parecendo, pode estar tudo certo. Porque ela sabe que  a vida não precisa de análise diária.Ela sabe, mas  não sabe viver assim, sem sentir nem pensar. Um dia atrás do outro, um momento e depois outro e outro. Ela gosta de respostas, de consistências, de coerências. Vive num mundo incoerente e inconsequente, mas não desiste de ser consistente, a louca. "Tá tudo bem, tá tudo certo, tudo certo". Ela sabe. Que certo é apenas um conceito. Que errado é apenas o conceito oposto. Ela sabe que está tudo bem, assim. Certamente é assim que tem que ser.Ou não.

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