quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Lembrar de esquecer

Pelas manhãs era pior. Ela acordava, nem mesmo abria os olhos e lembrava. Lembrava que precisava esquecer. E sentia aquela dorzinha chata do coração apertado. Lembrando que tinha um dia inteiro pela frente para esquecer. E pensava que era estranho, em que afinal ela pensava antes de precisar pensar que precisava esquecer? Antes de ocupar as vinte e quatro horas de seu dia pensando nisso, ela pensava nele, todo dia. Mas e antes dele, em que ela pensava? Não conseguia lembrar. Mas precisava. Para poder esquecer.Esquecer de ter vontade de pegar o telefone e dizer bom dia. Esquecer de checar as mensagens a cada dez segundos. Esquecer de querer contar para ele que ele tinha razão, que a gata tinha caído da janela. Esquecer de querer contar para ele qualquer coisa. De querer ouvir ele contar qualquer coisa. Esquecer dos apelidos carinhosos e das palavras doces . Esquecer que ele podia ser muito chato, às vezes, mas mesmo assim ela gostava, muito.Esquecer o modo como ele adivinhava, mesmo longe, como ela estava se sentindo.Como ele a conhecia bem. Esquecer para lembrar como era antes. Para se sentir como antes. Sem dor. Sem aquela dor matinal, que durante o dia, na distração do cotidiano, ela disfarçava com um sorriso triste. Sem aquela necessidade de fingir. Que era madura e entendia, quando na verdade tudo o que ela queria era deitar no chão, esperneando como uma criança, tendo um ataque de birra, e dizer que não, não entendia merda nenhuma. E chorar. Ela queria chorar, mas não podia.Não tinha tempo. E ela não queria ouvir aquelas frases feitas, de que a vida segue, e se for para ser  teu, e etc, porque ela sabia disso tudo, já tinha falado isso tudo para outras pessoas, milhões de vezes, mas ela nem acreditava muito.Paliativos. Ela não acreditava em mais ninguém.Estava desiludida. Só queria esquecer cada detalhe, e só o que fazia era lembrar.De cada pequeno detalhe.Afinal, tudo era detalhe, do começo ao fim. E, se fosse verdade que o tempo cura tudo, ela queria que o tempo passasse bem rápido, e já fosse amanhã, daqui a uma semana, três, quatro, sei lá quantos meses. O suficiente para ter esquecido de lembrar que precisava esquecer. O suficiente para secar suas lágrimas, tirar o sorriso falso do seu rosto e fazer com que as manhãs voltassem a ter sabor de doce, ao invés daquele gosto amargo, de coisa mal digerida, com que tem acordado nos últimos dias.Que o tempo voasse, e o futuro chegasse logo. O futuro de um passado onde ele não estava presente.Nem ausente como agora. Nem nada. Que voasse o tempo,então, para que ela pudesse voltar.Sem precisar lembrar.Sem precisar esquecer.

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