Imagino que doa, muito. Tudo.
Vou chamar esta moça de Ana. Mas poderia ser Maria, Lúcia, Cláudia, Rita. Poderia ser qualquer uma, e ter um nome qualquer.
Ana tem 21 anos, e está casada com este homem há quase 7 anos. Tem com ele uma filha de cinco.
Pergunto se ele costuma bater nela, e se faz isso há muito tempo. Ela responde que no começo não, ele não batia. Mas que sim, sempre a agrediu, com palavras. "Ele me ofende muito, diz coisas horríveis." Só há uns dois anos ele começou a bater, de verdade, "nunca na cara, para ninguém perceber".
E quebra tudo em casa, já quebrou o celular dela, a TV nova, até o microondas.
Mas não na frente da filha, isso não, graças a Deus. Agora cismou que ela tem um caso com o gerente do supermercado onde trabalha, porque vai ser promovida. Uma vadia, por isso chegou tarde ontem. Este foi o motivo da briga.
Pergunto porque ela não denuncia, Maria da Penha, etc... e ela me responde: "e adianta, doutora? É até pior. Me diz, adianta?". Eu não tenho o que responder. Fico olhando para ela, e ela fala, e fala, fala muito. Não chora, está conformada. Conta que ele já disse que se ela fizer alguma coisa, qualquer coisa, ele a mata. Que não se importa de apodrecer na cadeia.
Ela vai sair da consulta, depois de pegar a receita dos analgésicos, e pedir demissão. "Não tem outro jeito, doutora, ele exigiu. Falou que se eu não pedir, ele vai lá no mercado e quebra tudo, quebra a cara do gerente."
Pergunto a Ana se não tem apoio na família. Ela diz, "tem a minha mãe, ela fala para eu denunciar ele. Mas e daí? Como ela ia conseguir me proteger?" Finaliza, com um suspiro: "Pior é que eu gosto dele. mas ele não acredita em mim. "
Ela parte e me deixa com dor, também. Nos rins.
Ela vai embora e me deixa as mãos vazias da impotência e da descrença.
No indivíduo, e no sistema.
No indivíduo, e no sistema.
Ela sai sozinha. Mas não está sozinha. E isso não faz a menor diferença para ela. Em breve, pode se juntar às outras muitas, e se tornar mais um número de estatística.
Mais uma, entre tantas. Menos uma.
Ana, Maria, Lúcia, Cláudia, Rita, Fernanda, Daniela. Você. Eu.
Dani Altmayer
Muito bem escrito e colocado, querida Daniela! Como sempre. Sabes descrever e é agradável ler teus *essays*... mesmo quando o assunto é triste e sem solução! Obrigada por compartilhares mais uma constatação da desgraça que acontece a tantas de nós... mulheres e impotentes quanto as agressividades com palavras, ou maus tratos físicos! Continuo te acompanhando e admirando tudo o que escreves! Parabéns, querida! Não pares nunca! Estás sempre melhor e torço por ti e teu sucesso! Beijos da Eliana Braunstein
ResponderExcluirLindo retrato de uma triste realidade. Parabéns!
ResponderExcluirGosto da forma que retratas e a maneira que sentes. É pura sensibilidade!! Um bj em vc.
ResponderExcluir