domingo, 25 de maio de 2014

Fica?


Não conhecemos o (dis)sabor de uma meia estação.
Fomos inverno, e verão.
Tudo e nada.
Queimamos a língua no calor. Secamos a saliva, esgotamos. Depois congelamos o amor. Ou o que era.
Já está fazendo frio, agora. De novo.
Tem dias que não sei o que fazer com o que sinto por você. Uns dias são mais complicados do que outros. À noite, é sempre mais. Mais difícil de acomodar.
Já tentei deixar na sala, no sofá. Na cozinha, com o cachorro. "Fica aí", eu falo. Fica quietinho, dorme, que a noite é para dormir. Tranco no banheiro. Guardo dentro de um livro, ou dois. Dois livros. Guardo em dois livros. Na minha cabeceira.
Embaixo da cama tem um colchão, para os hóspedes. "Fica aí." Não é muito confortável, e também não serve. Não comporta. Já falei que faz frio?
Acontece que sentimento não tem limite, nem educação. Não obedece.
Não respeita parede, porta, barreira, tempo. Atravessa.
Eu falo sempre: "fica aí." Mas não adianta, ele não foi bem treinado. Não sabe fingir de morto.
Vem atormentar, insiste em latir, quer deitar no meu peito.
Então, de vez em quando, eu me entrego. E deixo dormir na cama, comigo. Agarrado no meu travesseiro.
São as noites de sonho.
É sempre quando as noites insones adormecem de cansaço que ele dorme ao meu lado.
Quando já não sei o que fazer, eu me rendo. E me aqueço no abraço.
É isso que faço. Quando não sei mais o que fazer.
Isso, ou então escrevo. Mesmo sabendo que você não gosta, que talvez não leia, te escrevo um poema.
Porque isso, isso eu sei fazer.
E não mando, perdi endereço.
Escrevo mesmo é para me descongelar. Porque não sei mais onde botar.
O verão acabou, o outono não vi. Faz frio aqui.
Logo já é inverno. De novo.
E logo ele também vai passar. Não vai ficar.
Nada fica. Quase nada.
Como os dias em que não sei.
"Fica aí".
Só eu obedeço, e deito, e me enrolo.
E só eu fico. Aqui.




Dani Altmayer

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