quinta-feira, 22 de maio de 2014

Um Bom Momento




A vida é uma sucessão de domingos, com talvez uns poucos sábados, e uma sextas, no meio. Com sorte. Lera isso em algum lugar, ou talvez tivesse inventado. Mas era uma boa frase, ela achava.
Tiveram muitas crises, e uma vez quase se separaram, mesmo. Foi quando ela se apaixonou pelo Carlos, seu instrutor de yoga.
Mas eles tinham acabado de quitar o apartamento, e a cozinha nova nem tinha chegado. A filha mais velha ia ter bebê, e as passagens para Portugal já estavam compradas. Dava para esperar mais um pouco. Já tinham esperado o filho se formar, a mãe dele morrer, a mais nova, que ia casar. Então, como veio, se foi.
Há alguns anos, os dois dormem em quartos separados, desde que a última filha saiu de casa.
Acontece que ela nunca gostara de ver televisão à noite, e ele tinha insônia. Havia também o problema dos roncos, os dele se ouvia a portas fechadas, dos dela só ele reclamava. Sabe lá se existiam, de verdade. Quem haveria de o contestar?
Não foi uma decisão, foi quase por acaso. Começou com ele querendo ver algum programa qualquer, depois foi levando uma ou outra coisa, e acabou montando um home theater no quarto de hóspedes. Que agora era o dele.
Ela pensava nisso, enquanto arrumava seu quarto. Ia ter que meditar em outro lugar. Precisara tirar seus livros e CDs da estante, para dar lugar à enorme TV, que carregara sozinha. Joaquim não podia mais pegar peso, desde a ponte de safena. Por sorte, e graças à musculação que fazia três vezes por semana, ela ainda tinha a força de uma jovem de quarenta anos, apesar de estar um pouco acima do peso. Aliás, em que instante da vida a gente começa a achar que juventude é ter quarenta anos?
Os filhos estavam chegando para o Natal, os três. Fazia muito tempo que não vinham todos. Pensou no netinho português, Gabriel, que estava com quase dez anos, e sentiu seu coração apertar. Estava crescendo muito rápido. Muito longe.
- Joaquim, vem ajeitar estes fios, que disso eu não entendo nada.
O marido ia se mudar para o quarto dela, por duas semanas. Tinham que acomodar todo mundo. Ele poderia até dormir na sala, com o filho, mas as crianças iam estranhar, e fazer perguntas. Melhor se ajeitarem por ali.
- Sofia, você sabe onde está a extensão?
Joaquim observa as mudanças no quarto, e comenta que ficou bonito. Ela não acha. Trocara a colcha da sua cama, por uma mais neutra, em tons de bege e marrom. Achou que o quarto parecia escuro, assim. Triste. A dela mesmo, era cor de rosa, com flores lilás e amarelas. Fora uma das primeiras coisas que fizera quando ele se mudara, comprara uma colcha nova. E muitas almofadas. Sempre sonhara com um quarto de menina, bem feminino. Cresceu dormindo com o irmão, e saiu de casa apenas para casar, aos dezoito anos. Com Joaquim, doze anos mais velho.
- Você vai comigo no aeroporto, Joaquim?- Ele não dirigia mais, embora não estivesse proibido. Também quase não saia de casa.
- Lógico, Sofia, que pergunta! Como foi o filme ontem?
- Bom.
- Ótimo.
Ela fora ao cinema com a Sílvia, às vezes ia sozinha. Joaquim não gostava de ir ao cinema, nem de ver filmes, aliás. Muito menos os franceses. Fora o filme que a fizera lembrar do Carlos, há muito não pensava nele. Era sobre uma mulher casada, aposentada, que se apaixonava por um homem bem mais jovem. No fim, a coisa não funcionava e ela terminava com o marido mesmo.
Ah, Carlos... Carlos e suas mãos fortes, macias. Ele não era mais novo do que ela, não, tinham a mesma idade. Dividiam as mesmas paixões. Tão diferente do Joaquim. O que fora feito dele?
Estremece e sacode a cabeça para afastar o pensamento, bobagem, depois de tanto tempo.
- Vou tomar banho, enquanto você acaba aí.
A água quente dissolve a tensão. Não quer se atrasar, mas demora mais do que pretendia.
Ao sair, Joaquim já terminou de instalar a TV, que está ligada em algum programa de futebol. Uma mesa redonda. Ele dorme, vestido e meio sentado, na cama dela. Ronca feito um urso.
Sofia faz uma anotação mental. Precisa passar na farmácia do aeroporto, e pegar os remédios do Joaquim. Sem falta. E também, comprar uns tampões auditivos, ali ela sabe que tem.
- Que dia da semana é hoje, Sofia? - pergunta Joaquim, acordando do cochilo.
- Sábado. Hoje é um sábado.

Dani Altmayer

Execício para Oficina de Escrita Criativa, módulo III, com Pedro Gonzaga










2 comentários:

  1. Muito triste, mas é assim que muitos casamentos se mantêm. Lindo texto, tocante.

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  2. Lindo texto, profundo, como você.

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