terça-feira, 10 de julho de 2012

Se ela fosse um livro


Se ela fosse um livro, com certeza seria um livro de autoajuda. Desses bem óbvios. Do tipo que você gosta de pegar num momento de aperto, só para ler tudo o que você já está careca de saber. Conforta por uns instantes. Pode até ser legalzinho e bem escrito, mas largou, esqueceu.
Era assim que ela se sentia. Óbvia. Disponível. Fácil de esquecer. Sempre tentando agradar. Bonitinha, uma feia arrumadinha. Tão querida. Descartável.  
Não que ela mesma nunca tivesse lido um desses livros. Claro, já tinha lido vários. Assim como já lera horóscopo, revista de fofoca, Sabrina e Bianca, e uma dúzia daqueles  romances açucarados de bolso. Tem horas que, né?  
Não custa. É como banho de sal grosso, você pode nem acreditar, mas mal não faz. Então, essa era ela. Não era burra. Só, sei lá, óbvia. 
Útil e confortável, um pouco ingênua. Mas inofensiva. Como um banho de sal grosso, um livro de autoajuda: uma melhor amiga. Gente boa. 
Deixada de lado ao menor sinal de uma história mais interessante, mais picante, ou envolvente. Largada às pressas por qualquer suspense, biografia ou romance épico. Conto erótico ou revista em quadrinhos.
Um bom mistério e ela é esquecida na estante, colocada em modo de espera, até a próxima crise existencial. Até ser necessária, de novo.
Ela e suas páginas sem erros, tão perfeitinhas, de uma clareza quase indecente. Autoexplicativa demais. Irritante, cheia de vírgulas, travessões e novas linhas.
Fácil demais de se ler. 
Ela, que tinha uma admiração explícita pelos livros do Saramago, sem pontuação nenhuma. Achava inquietante. Ela, que tinha uma inveja secreta de quem vai indo de qualquer jeito, comendo os pontos, engolindo as vírgulas, esquecendo os acentos. Atropelando a língua. Dos intrigantes e dos loucos. Repletos de dor, e significados ocultos. Instigantes, indecifráveis. 
E inesquecíveis. 
Tinha ânsia de viver assim... Cheia de reticências, nas entrelinhas. Sem pontos finais, em linhas corridas. E sem crases, definitivamente. As crases atrapalham o fluxo. Entre aspas, né? Entre aspas.

Dani Altmayer

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