quarta-feira, 4 de julho de 2012

Quando menos se espera


Um rosto sem nome. Era assim no princípio. Todo dia ela o via passar. No começo, não prestava atenção. Estava, como gostava de dizer, fechada para balanço. E ele era apenas mais um dos tantos rostos que via passar todo dia na sua vitrine. Milhares de rostos. Um rosto sem nome. Comum, igual a tantos outros. Mas ele passava todo dia. E se alguém passa todo dia na sua janela, você começa a perceber. E ela começou a reparar. No horário, sempre o mesmo. Nas roupas. No jeito de andar. No sorriso torto. Um dia ele parou para dizer bom dia. Puxou uma conversa boba sobre o calor e "será que hoje chove'? Algo assim. Bobo. Ela não deu assunto, não estava interessada. Fechada para balanço. Sem prazo de reabrir. Estava feliz assim. Ela com ela mesma, depois de tantos anos. Mas ele não se incomodou. Com sua cara amarrada, com seus braços cruzados. Com suas desculpas esfarrapadas. Ele vinha, todo dia. Bom dia. Como vai. Todo dia.Insistente. Todo dia, aquele sorriso torto. Depois de um tempo ela já quase esperava. Já quase sorria. Depois de um tempo, já quase gostava. Ele dizia coisas para ela. Coisas bonitas, doces, bobas também. Depois de um tempo ela já esperava. Já sorria. Sorria até mesmo sozinha. Das coisas bobas e doces que ele dizia. Já gostava. Daquele sorriso. Daquele rosto tão diferente de todos os outros. Um rosto, ainda sem nome. Mas só até hoje, no mesmo horário. Hoje no bom dia, ela ia dizer: "me chamo Maria, e você?" Um nome, ela queria. Fechada, tinha esquecido um detalhe. 
Frestas. Ele tinha entrado pelas frestas.

Dani Altmayer

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