quinta-feira, 5 de junho de 2014

Saudade Boa


Uma saudade boa enche o ar de perfume. 
É saudade que tem cheiro de torta roubada, de desenho animado. Faz fumaça, ou ventinho. Abraça. Inebria.
Uma saudade boa traz um choro de canto de olho. Um choro manso e morno. 
Como quando a gente corta cebola, o choro da saudade boa é bem assim. Choro de cebola.
Ardido, e calado. Se bem que às vezes eu faço fiasco, enquanto descasco. Choro de fungar. De soluçar, quando é forte. Mas pode.
Choro de saudade também é quentinho, como bolo com calda de chocolate. Docinho como o colo da mãe da gente.
Uma saudade boa tem gosto de pipoca e picolé. De bergamota. De mariola. De negrinho.
Até de coca cola. Tem gosto de tudo o que a gente gosta, e só não dá dor na barriga.
Este tipo de saudade pega a gente no susto, cura até soluço.
Chega a qualquer momento, visita surpresa.
Entra por debaixo da porta, na fresta da janela, pela chaminé. Na meia furada no dedão do pé.
É uma criança mimada, quer para a hora. Mas não berra, nem chora.
Saudade boa é quase um silêncio. Uma brisa, um carinho.
É música que toca baixinho, suave, gentil. 
Como uma canção do Roberto. Antiga.
Ou agita. Um samba de escola. Um do Emílio. Uma viagem ao Rio.
Uma saudade boa é uma sonora gargalhada.
Uma bela e gostosa risada. Daquela que faz a barriga doer.
Saudade boa é botar a boca no trombone.
Falar sem parar, numa fofoca escrachada, até doer também o ouvido. Fofoca do bem.
Da vida do vizinho, da atriz, do Martinho. 
Li na Contigo, te contei?
Saudade boa é um abraço apertado e uma pia sequinha. 
"Não me vai molhar, acabei de secar."
Um tapa na bunda, um beijo estalado.
Uma bronca bem dada.
Saudade boa tem jeito e cheiro e gosto de cozinha.
De manhã até de noitinha.
De feijoada. De janta caprichada e cerveja gelada. 
Saudade é um agora, depois. Que foi antes. Muito antes. 
Nem sempre a gente tem um depois, viu?
Não sei se toda saudade é boa. Mas esta eu sei que é. 
Tem cheiro e gosto e tempero da melhor qualidade.
Da melhor saudade.





Para todas as minhas saudades boas.
Em especial para a querida Pia, minha mãe número dois, que temperou a nossa vida com tanto amor. Ela partiu há 14 anos, e deixou uma baita saudade.
Ela, que foi uma das melhores pessoas que já conheci. Hoje eu a senti num vento, e chorei. Porque sim, JP, a gente chora ainda, de vez em quando, mesmo muito tempo depois. Mas é um choro bom. De uma saudade boa.

Dani Altmayer

7 comentários:

  1. Ai minha querida amiga e doce escritora Dani Altmayer,quantas coisas
    tu citou, e me fez as lágrimas rolar.Saudades boas, doces saudades!
    Cada dia te adoro mais.Beijos e muito sucesso nos teus livros.

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  2. Dani, cada frase tua que eu lia era uma lembrança....para variar, chorei, que saudade!!! Márcia Castro.

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    1. Marcinha, eu tenho uma saudade boa da vó... dos pasteizinhos que o pai amava, e daquele bolo de laranja que nunca mais comi tão bom. De abraçar aquele corpo magrinho. De ouvir ela falar sem parar, também. Dela e da Pia, matraqueando. Que bom que a gente reparte uma parte de nossas boas lembranças, né amiga? Beijão

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  3. Muito bom, Dani! A saudade é um "déjà vu" multi-sensorial. Bjs. Frank.

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  4. Peguei carona do Jairo, não sabia desse teu talento. Senti saudade boa da Vó Vivina e da querida Vera, uma saudade com gosto de geléia de morango misturada com o sal da lágrima. bjs, Marza

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  5. Verdade; saudade boa é quase um silêncio.
    Saudade dos sonhos que o tempo me levou.

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