domingo, 15 de junho de 2014

Reflexões de Uma Ciclista Estabanada


Pedaladas. Comparações com a vida. Eu sei que já falei sobre este assunto. Muito. Mas a gente usa aquilo que vive, né? E depois, tem muita coisa que é inesgotável, apesar de não infinita.
Bom, começo pelo título. Eu ia escrever descuidada, em vez de estabanada. Porque venho tentando me livrar deste rótulo há séculos. E S T A B A N A D A. Mas enfim, sejamos honestos. Alguém com mais de quinze anos que vive com as pernas roxas, é o quê, mesmo?
Então, hoje é domingo. Dia de pedalada. Em geral vou sozinha, porque perdi meu antigo parceirinho ( ele cresceu), e ainda não encontrei ninguém à altura. Para falar a verdade, prefiro assim. Eu gosto da solidão e do silêncio das minhas manhãs de domingo. É especialmente bom quando se está triste. Tão bom quanto o chuveiro para chorar a sós, sem testemunha. O vento na cara ajuda as lágrimas a descer. Tá certo que as lágrimas podem atrapalhar um pouco: borram a visão, facilitando acidentes.
Eu queria poder dizer que caí hoje por causa delas. Porque eu estava chorando. Seria mais bonito e romântico, mas não seria justo. Eu caí por outra razão. Um motivo fútil, como são os motivos, em geral. Caí porque as polainas que eu vestia subiram, expondo minhas canelas brancas e as meias ridículas que usava por baixo. (Anotação mental: não usar meias ridículas. Não confiar em polainas. Depilar as pernas.) Freando a bicicleta, numa esquina, eu me abaixei para ajeitá-las. Tudo ao mesmo tempo. Pura vaidade, zero inteligência. Foi lindo. Mas não foi grave. Apenas um hematoma a mais para a coleção, desta vez na barriga. Não me pergunta. E foi rápido, como são as quedas. Mas poderia ter sido evitada. Como a maioria pode, se houver atenção.
A primeira coisa que pensei foi "que bom que estou sozinha. Assim, não tem ninguém para rir de mim. Também não tinha ninguém para rir, comigo." E os carros, passando. Correndo, buzinando.
Limpei o barro das mãos, juntei minha dignidade do chão e segui meu trajeto, pois estava apenas no começo. Então, pensei melhor "e se tivesse sido mais serio, eu não teria ninguém para me ajudar." Prós e contras desta bem (mal) dita solidão.
Outro dia mesmo, caiu a correia da minha bicicleta. Por inabilidade técnica, fiquei um bom tempo tentando colocar no lugar. Só o que consegui foi sujar minhas mãos de graxa. Até que passou um rapaz muito gentil, e arrumou para mim. Talvez, daqui a alguns anos, eu não possa mais contar com este tipo de gentileza espontânea. O jeito vai ser não pedalar mais sozinha. Aprender a pedir ajuda (dureza). Ou aprender a consertar, eu mesma.
Tudo muito tranquilo, a orla, o rio, o estádio bergamota, o museu. Uma delícia.
Aí tem a volta para casa. Uma ladeira enorme, para subir. O vento, contra. Tem carros, sempre tão impacientes.
Quando comecei a pedalar, há dois anos, dava vontade de sentar no meio fio, e chorar. Desistir, no meio do caminho. Às vezes, a vida fica assim também. Dá vontade de largar na metade. Mas não pode. Não dá para andar só um pedaço, e parar. É preciso seguir em frente, chegar em casa para o almoço.
Com o tempo, a gente vai ficando mais forte. Vai ganhando resistência, fôlego e músculos. Além de calos, e cicatrizes. Roxos e amarelos. Na barriga, nas pernas, no coração. Na mão. É tudo uma questão de treino. Com o tempo, vai ficando mais fácil.
Hoje eu subi a ladeira quase rindo, depois de descer chorando.
Voltei inteira depois de quase me estatelar. Nem sempre foi assim. Nem sempre é.
Às vezes, é ao contrário. Nunca igual.
Mas é da vida, este movimento, vai e volta. Este entra e sai.
A vida, bipolar, com seus altos e baixos. Sempre surpreendente.
Esta vida de agora, ao menos.
Inesgotável, se não infinita.
E definitivamente, estabanada. Como a gente.


Dani Altmayer


2 comentários:

  1. Que beleza de texto. Uma história muito humana, muito gente mesmo.
    Muito bom!

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  2. Vc não é estabanada. A vida é que é bipolar. Vc, na verdade, é inesgotável! Biciclete sempre para frente. Linda reflexão.

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