quinta-feira, 6 de março de 2014

Colecionadora de Ilusões


Estou entorpecida, um pouco zonza. Meus olhos secos ardem com lágrimas que não existem. Custo a voltar para o mundo real.
Por três dias me enfiei dentro de um livro que me arrebatou. Amo e odeio quando isso acontece, porque a minha vida para, mas tem sido cada vez mais raro de acontecer. Então, sugo as últimas gotas deste prazer misturado com a dor, por que é sempre assim, dor e prazer? Não quero que acabe, faço como criança, passo os dedos no resto da calda de chocolate que ainda ficou no prato, e lambo devagar, saboreando até o final.
Foi quase por acaso, e eu não consegui resistir. Tenho dificuldade de resistir à tentação, você sabe. Era o último exemplar na livraria, era para ser meu. E ainda assim eu poderia ter esperado, poderia tê-lo esquecido até, junto aos outros que se acumulam assustadoramente na minha cabeceira e em outras prateleiras. Na fila do que está por vir, que talvez nunca venha, apenas desabe. Como tantas outras coisas desabam e nunca vem. Mas não, eu o peguei, por impulso, e levei para o plantão. Depois que comecei, não consegui mais largar. Estava curiosa, é claro. Acho que também queria entender um pouco. Entendi, bem mais do que eu queria.
Você se apropriou deste livro, ele é sobre você. Confesso que, em alguns momentos, fiquei assustada. E, sei lá, meio decepcionada. Não sei se esta é a palavra certa, mas as palavras, sempre elas, nos fogem quando mais precisamos delas. ( Não só elas).  Mas estou usando as suas. "Você ainda vai se decepcionar comigo, muitas vezes."
Teve momentos em que meu coração bateu forte demais, e tive que interromper a leitura.
Quem é você, afinal? E eu, quem eu sou?  Existiu algum dia o nós? Ficção versus realidade.
A vida que vivemos é a vida que inventamos?
Eu só queria arroz e feijão e verdade. Esta é minha fome, sempre foi. E para mim parecia tão simples.
"A verdade não requer estudo, nem arte. "
Mas a verdade, ela existe, assim, absoluta? Você pode responder?
Entendo que você precisasse dividir o que descobriu naquelas páginas, também eu tenho esta vontade, e quantas são as pessoas com quem realmente conseguimos compartilhar? De todas as coisas, acho que é disso que sinto mais falta agora. Das nossas trocas, da sintonia, da cumplicidade. Li, em algum lugar, que o oposto de solidão não é companhia, mas intimidade. Eu acabei duvidando da nossa intimidade. Duvidei de você, da sua lealdade.
Você pensou que eu não o leria, algum dia? Ou você sabia, e não se importava? Você roubou as palavras dele, me entregou como se fossem suas. Eu acreditei. Tudo bem,  não está errado. Era você ali. Elas eram suas, por direito. Isso eu posso entender, esta posse. Você se apropriou, o livro é sobre você.
Mas também, agora, é sobre mim. Porque é sempre sobre a gente quando a gente se entrega. E eu me entreguei a este livro, como um dia me entreguei a um amor. Passei os últimos três dias com ele, viajando. Tentando fugir de você, olha que ironia. Efeito contrário, viajei com você.
Queria acreditar que, por algum tempo, eu fui o teu anjo na plataforma da estação. O anjo imóvel. Seria um consolo, e eu saberia que não foi em vão. Só que já não sei mais nada. Não sei o que fui. O quanto fomos ilusão? Talvez tenhamos sido mesmo um sopro de eternidade. Gostaria disso. Ou talvez, "você nunca tenha se referido realmente a mim. " Acontece. Simplesmente assim.


Dani Altmayer


"Às vezes temos medo de uma coisa apenas porque temos medo de outra."





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