terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Coisa muito séria


Quando eu era bem jovem,  achava que poesia era uma coisa muito séria. Solene mesmo. Achava que poesia era só sobre amor, casos mal resolvidos, paixões avassaladoras. Os poetas, na minha imaginação, eram seres meio etéreos, melancólicos, eternamente apaixonados. Imaginava-os maltrapilhos, errantes, com a cabeça na lua.
Seres que viviam de vento e de alma, que tinham asas escondidas.
Na minha concepção, poesia tinha que falar de flor, de estrela, de amor. Pensava que poesia não combinava com realidade, que era uma espécie de fuga da realidade. Lia, e achava bonito. Até escrevi alguns poemas bem rebuscados, nas minhas primeiras paixonites de adolescente, poemas que se perderam em meio a tantas mudanças de tempo. Achava bonito, sempre fui romântica, mas não achava real.
Eu não sabia que dava para fazer poesia com o dia a dia. Eu não conhecia Drummond, Quintana, LF Veríssimo e sua poesia numa hora dessas. Eu não conhecia o Carpinejar, o Rubem Alves, o Ferreira Gullar, o Pedro e tantos outros que fazem da poesia uma tradução perfeita das coisas imperfeitas. Eu não sabia que existia poesia na lata, no lixo, na rua. Que nem só de estrelas, amores e flores é feita uma poesia. Nem só de dores e brisas vive um poeta.
Eu não sabia que a poesia também é crônica, é crítica, e é humor. Que a poesia tinha cheiro, gosto, e que você podia comer poesia arroz com feijão, todo dia.
Não entendia que a poesia é simplesmente tudo. Tudo pode se transformar num poema. E um poema pode transformar tudo.
Não imaginava que a poesia estava sempre à espreita, esperando uma deixa qualquer, para, de repente, encher de beleza o que antes era banal. Poesia torna singular o que era plural. Nomeia nossas dores, nossos temores, nossos anseios. Vive enfiada no meio da gente, como um presente camaleão, que muda de cor com o nosso humor. Que deixa mais belo o nosso amor, e até nosso rancor. Falando nisso, poesia não precisa rimar, só precisa tocar. Fazer pensar, emocionar. Ou, simplesmente divertir, e bagunçar. Pode ser confusa, não precisa ser precisa. Não precisa nada, a poesia só precisa que você a saiba enxergar. Que você saiba onde ela está, e ela está em todo lugar.
Você pode ver? ( Afinal, a poesia é de quem dela se apropria).
Pensando bem, poesia é coisa séria sim. Só que, como disse Quintana: a poesia não se entrega a quem a define. Ela é, por si, uma definição.
Para finalizar, mais uma dele. Ele que, para mim, é a síntese da poesia cotidiana:
  "Quem faz um poema abre uma janela.
   Respira, tu que estás numa cela abafada
   esse ar que entra por ela.
   Por isso é que os poemas tem ritmo
  - para que possas profundamente respirar.
  Quem faz um poema salva um afogado."
   ( Mario Quintana)
 Que nunca nos falte a poesia do dia a dia. Que nunca nos falte a janela.

Dani Altmayer



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