terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Tua dor é minha dor

Nós poderíamos ser qualquer um daqueles pais que ligavam incessantemente para celulares que nunca seriam atendidos. Nós poderíamos ser qualquer um daqueles jovens corpos inertes estendidos no chão do ginásio da cidade. Nós poderíamos ser os personagens desta tragédia, e não os espectadores, chocados e impotentes, que na verdade é só o que somos. Poderia ser qualquer um de nós ali. E sabemos disso. Por saber disso, sofremos junto, solidários. Porque alguém já definiu a solidariedade como "a dor do outro doendo em mim". Solidariedade esta que tem sido amplamente demonstrada e reafirmada, através de palavras e atitudes, desde o último domingo. Gestos que monstram o quanto ainda nos importamos, todos nós, com raras exceções. Doações de sangue em massa, trabalhos voluntários, gestos de heroísmo, lágrimas compartilhadas, tudo isso demonstrando o quanto ainda somos humanos. Pena que teve que acontecer algo tão grande, tão trágico para despertar esta consciência, individual e coletiva, de um sentimento de responsabilidade. Não existe um único culpado. Este termo aqui está no plural, infelizmente. É uma soma de culpas e culpados, nos quais todos nós estamos incluídos. Nós e nossa omissão. Nossa negligência. Somos responsáveis na medida em que fechamos nossos olhos para as falhas do sistema. Somos responsáveis sempre que escolhemos uma recompensa imediata, em detrimento de um bem maior e mais duradouro, sempre que deixamos de respeitar medidas e limites. Sempre que pensamos primeiro na grana, no lucro sem escrúpulos. Somos responsáveis por não denunciar, não se fazer cumprir, por deixar passar. Por aceitar leis absurdas e obsoletas. Por sempre achar que não vai dar em nada. Esta é a nossa grande, nossa maior culpa. Omissão. Aos poucos, a dor vai saindo do anonimato coletivo e tomando rosto.Sorrisos e sonhos interrompidos comecam a ter nomes próprios. Você passa a conhecer alguém que conheceu alguém. Histórias tomam forma e individualizam o sofrimento.O que antes parecia surreal, se torna demasiado real. E demasiado próximo. Não podemos ser hipócritas a ponto de esperar que um jovem deixe de ir a uma balada porque a mãe teve um pressentimento de que ele não deveria ir. Ou porque o lugar só tem uma porta. Existem coisas que nunca vamos conseguir controlar. Todos já fomos adolescentes, rebeldes e desafiadores, e não tem nada de errado nisso, faz parte do crescimento. O que podemos fazer é agir para que este crescimento não seja interrompido de forma tão abrupta e dramática.De maneira tão absurdamente evitável. O que podemos fazer é agir para que nossos filhos e filhas possam se divertir sim, bem orientados, e em segurança. Podemos agir para que se cumpram as leis, para que se mudem as leis, sempre que preciso for. O que podemos fazer é usar a incrível força coletiva, que veio à tona nesta tragédia, para voltar a acreditar que podemos mudar o mundo,sim. Que podemos usar nossa solidariedade e empatia, esta força monumental, não apenas para apagar incêndios, mas para evitá-los a todo custo. Que nossas ações possam ser sempre muito mais preventivas do que curativas. Ou paliativas, como foi agora. Que a imensidão do que aconteceu nos sirva de lição. Que sirva de lição a cada um de nós, individualmente. Para pararmos de agir como se não fosse conosco. Como se fôssemos ter sempre um amanhã. Para não mais deixar para outro dia. Que sirva de lição aos órgãos públicos, para que atitudes sejam tomadas antes, e não depois. Antes cedo do que tarde demais. Que ninguém precise esperar uma merda destas acontecer para se dar conta que estamos todos juntos. Sempre estivemos. A tua dor é minha dor, tua paz, a minha paz. Que a morte destes jovens não tenha sido em vão. Que sirva para que reconheçamos nossa própria morte, pequena, e diária, muitas vezes também por asfixia. Morremos a todo instante, aos poucos, sufocados pelo nosso silêncio conivente, e por nossa omissão. Por nossa negação e negligência. Poderíamos ter morrido ali, qualquer um de nós. E quem disse que não morremos, todos nós?

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