quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Duas sentenças

                             Resultado de imagem para dois caminhos                                     

                                                    "Nada é perfeito, a não ser que não aconteça."
                                                                                                     (Lionel Shriver)
Já faz alguns anos que li esse livro, "O mundo pós aniversário", de Lionel Shriver, a mesma autora do mais famoso "Precisamos falar sobre Kevin"- e ainda hoje, quando alguém me pede uma dica de leitura, lembro dele. Não foi um livro fácil, apesar do tema aparentemente banal e quase clichê: traição. Dizem que todas as histórias já foram contadas, então o que interessa, aqui e sempre, é a forma como nos contam essas histórias.
O livro é sobre a vida de uma mulher, seus dilemas, seus medos, seus vícios. Irina é uma ilustradora de livros infantis, que está há dez anos num casamento não oficial com um homem atencioso, fiel, com quem ela mantém um relacionamento de cumplicidade e alegria. Ela e Lawrence são felizes, e causa de inveja aos conhecidos. Lawrence tem um amigo, Ramsey, com quem os dois costumam jantar uma vez por ano, no dia de seu aniversário. Ramsey é muito diferente do marido de Irina, um jogador de sinuca sedutor, descuidado, passional. Desta vez, Lawrence não pode comparecer ao compromisso, e Irina sai sozinha com o amigo, meio que por obrigação. Lá pelas tantas rola um clima entre os dois, e ela sente uma vontade irracional de beijar Ramsey. É aí que o livro começa.
A história se divide, então. Cada capítulo ganha duas versões paralelas: Irina beija Ramsey, Irina se mantém fiel ao marido. Os eventos se sucedem de um e de outro jeito, correspondentes, simultâneos, dependentes apenas daquela escolha que ela fez ou não fez.


Quantas vezes a gente se depara com a pergunta mais cabeluda, talvez a única pergunta para a qual nunca acharemos resposta, a mais inútil de todas as perguntas do mundo:
E se​?
Uma vez alguém me disse que não era porque o carro estava puxando para um lado que a gente ia deixar bater no muro. Não deixar o carro explodir num muro me parece uma decisão bem razoável. Só que a vida nunca é razoável, nem tão óbvia assim. A gente flerta com as alternativas, namora o acaso, se perde numa curva qualquer. Apavorados, nos agarramos à direção, mas se ela se solta, e daí?
Nunca saberemos. No entanto o livro me fez refletir que não importa a escolha, algo se ganha e algo se perde no caminho, sempre. Em geral na mesma proporção. Amoral e livre de qualquer julgamento, como só a boa literatura pode ser, a história transcorre sem que se consiga tomar partido de um ou outro lado. Alguém para envelhecer junto,alguém para se sentir mais vivo do que nunca.Cada decisão tomada é um desvio na rota, apenas isso.Tristeza e felicidade se alternam, amarguras e paixões se contrapoem, sexo e amor se intercalam - no mesmo peso e igual medida. Porque é assim que é.
Não tem destino certo, rumo incorrigível ou previsão perfeita. Não tem melhor, nem pior: é a vida, a escolhida. Que a gente vive agora, nesse exato único instante.
E só sabe depois.

Dani Altmayer

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