quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Verão de primeira viagem



Todo mundo sabe. Porto Alegre é uma cidade quente no verão e fria no inverno. Mais do que isso. Porto Alegre é uma cidade insuportavelmente quente no verão e insuportavelmente fria no inverno. Alguém diria, então: Porto Alegre é insuportável. Quase isso.
Uma das dúvidas mais comuns no consultório de pediatria, além da alimentação (que é disparada a campeã), é de como vestir um recém nascido. Parece fácil, e devia ser mesmo. A grande dica é colocar uma peça de roupa a mais do que a que você está usando, caro pai, querida mãe.
Na prática, não é o que acontece. Vejamos:
Meados de janeiro, céu sem nuvens, relógio marcando meio dia. Termômetros de rua estragados. O ar da minha sala mal dá conta do recado. Entra no consultório uma mãe com o bebê no colo, enrolado em uma manta de linha.
- Ele está com febre, doutora. E minha mãe disse que ele está com sarampo, porque está todo empipocado.
Gabriel tem quinze dias de vida. Chegou a esse mundo no primeiro dia do novo ano, em pleno verão porto-alegrense. Peço para a mãe colocar o nenê na maca e tirar sua roupinha. Alguns pediatras falam assim, de vez em quando, no diminutivo: roupinha, mãezinha, paizinho. Sou dessas.
Ela deposita a enorme sacola azul e branca em cima da minha mesa, e desenrola a manta, também azul. Começa a despir o Gabriel. Tira o casaquinho de moletom azul. Depois tira o macacão azul. Tira o body, e a calcinha que os antigos chamavam de mijão. Tira as meias. Do grêmio. Quando tira a fralda, Gabriel faz mira e molha a cara da mãe. Ela ri: " ai, sempre faz isso, esse danado".
Examino o bebê, meço a temperatura, trinta e sete e meio. Ele tem algumas bolinhas em volta do pescoço, nas pernas, nas dobras dos braços e bumbum. Olho para a mãe, que usa um vestido de alcinha e chinelos de dedo. Pergunto se ele mama bem, sim, ele mama. Pergunto sobre os hábitos intestinais, tudo certo. Duas vezes ao dia. Xixi, não preciso perguntar. Tosse, espirros?
- Não, doutora, não ligo nem ar condicionado e nem ventilador, vai que ele pegue uma gripe!
Examino Gabriel, que está tranquilo e satisfeito, quase dormindo, do jeito que veio ao mundo. Devolvo o bebê para a mãe, e antes de eu dizer qualquer coisa, ela pergunta se é grave.
- Não, nada de grave.
- O que ele tem então, doutora?
Olho pela janela, está ficando escuro. Mais cedo no rádio disseram que a sensação térmica ia chegar perto dos quarenta. Vai chover. Um fio de suor escorre pela minha nuca, definitivamente o ar está com problema.
Respondo com calma:
- Roupa, mãezinha. O Gabriel tem muita roupa.

Dani Altmayer 

(Exercício para a oficina de verão, Santa Sede)

Um comentário:

  1. Baita!!!!!Qdo cheguei neste país dos 30 graus ano inteiro nos anos 70, me arrepiava só de ver nenês enrolados en mantas e com gorros de lã😱 A eterna preocupação de resfriado.

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