quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

O terceiro




Dias intermináveis, os que eu mais gosto. Dias calados, como você.
Em dias assim eu não escrevo, apenas solto pensamentos. Para desconhecê-los.
São palavras que me chegam desavisadas, no supermercado, à deriva de qualquer entendimento. Como você.
Você, que veio numa tarde chuvosa, como se viesse de lugar algum. Feito um ponto de luz na escuridão, uma estrela silente, um raio sem trovão.
Distante, e belo. Como uma daquelas montanhas com neve no cume, que a gente vê e não alcança. Alto, perene.
No deserto por onde andava, você veio miragem. Talvez oásis. Água, e areia. Matando sedes, causando fomes.
Aprendi seu nome tempos depois. Seu nome, em silêncio.
Você desdobrou minhas asas. Com cuidado, desamarrou os nós que eu não via. Lançou meu corpo ao ar.
Soltou as amarras de uma alma de mulher. (É sempre perigoso falar em almas, dizem. Elas voam.)
Você veio sem pedir licença, na sua calma, com sua mansa alegria. Uma promessa única: liberdade. Essa palavra mágica, também perigosa. Porque também feita para voar. 
Então, por fingimento, ou bem querer, (nunca para prender), eu te recorto e colo no cenário do meu peito. Ali é que te guardo em segredo. É onde você me cabe melhor: no calor do meu seio esquerdo. 
De repente, eu sei que é para sempre.Ainda que "nunca mais", e que voe.
Você não anda a meu lado, vai por dentro. Olho no espelho, não vejo teu reflexo. Não estranho, nem poderia. Te reconheço.
De uma música fez-se encanto, um canto, um conto. Ao desconhecido, dei um nome. Uma história.
Miragem? Pode ser.
Mas se o cenário parece falso, tudo mais é verdadeiro.
Você, meu bem. 
Você foi o terceiro.

Dani Altmayer

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