sábado, 18 de fevereiro de 2017

A culpa é dele



No consultório...
- Tu sabe, doutora, a hora que o colesterol ataca é às quatro e meia da manhã.
Ele diz isso muito sério. Faz meses que procura uma doença que justifique os sintomas que sente, mas só conseguimos achar um colesterol elevado, o resto foi tudo bom: pressão, esteira, raio X, outros exames de sangue e urina. Na última consulta conversei muito, encaminhei ao psiquiatra, ele não foi. "Porque não tem nada errado na minha cabeça."
Na hora que o colesterol ataca, entre quatro e cinco da manhã, ele perde o sono, sente tontura, um aperto no peito como se fosse faltar o ar, um desânimo. Precisa ir para a sala para não acordar a esposa, deita no sofá, liga a TV esperando o sono que demora, ou não vem.
Também eu acordo no meio da noite, de vez em quando. Mais vezes do que gostaria. Mas meu horário é outro, em geral às duas e meia. (Engraçado como a insônia pode ser pontual.)
Meu corpo não acusa nada, nenhum sintoma sequer. Não tenho colesterol alto para culpar, a essa hora da madrugada. De olhos arregalados, eu sei. Tem é algo errado com a minha cabeça mesmo.
Tenho muitos sonhos, errados.
Ele está me olhando fixo, sacode a perna esquerda, enquanto abro os novos exames. Sou obrigada a dar a má notícia:
- Teu colesterol baixou, está normal. O remédio está funcionando.
Ele suspira. Vai embora, cabeça baixa. Inconformado.

Dani Altmayer

Nenhum comentário:

Postar um comentário