quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Quem ri por último


Ana arruma a mesa pela décima vez, Paulo desconfia:
- Que neura é essa, mulher? Até parece que quem vem jantar é a rainha da Inglaterra.
Ela quer que fique tudo bonito, como na casa da Lúcia. Mais bonito, até. Olha para o vaso de flores. Nunca pensou que flores do campo fossem tão caras. Paciência. Não ia perder para a outra.
- Você colocou a cerveja no freezer, Paulo? Não quero oferecer cerveja quente.
- Ana, relaxa, é só o Fábio e a Lúcia. Eles são de casa, tá tudo no controle. Você tá gostosa, hein?
Ana confere mais uma vez sua imagem no espelho: vestido curtinho, florido, sandália de salto, o cabelão lindo, santo alisamento. É, tô gostosa, concorda. Pensa na Lúcia, deixa escapar um sorriso. Tão sem sal.
Vai na geladeira, pega uma cerveja, e serve dois copos.
- Pra esquentar.
Como é bom ter a casa sem as crianças, para variar um pouco. Só o som da TV, na novela das oito. Nem está assistindo. Quando as visitas chegarem, vai botar uma música. Já separou os CDs. Nada muito romântico, para não dar bandeira. Coisa suave. Um pagodinho, a Paula Fernandes, o Diogo Nogueira. Fábio gosta. Tão diferente do marido, entende de música, de livro. Fala até uns poemas. Tem assunto, sabe conversar. Deve ser porque é casado com uma professora. A Lúcia dá aula de português. Sem graça!
Paulo sabe falar de carro e de futebol. Os dois trabalham juntos, o Paulo e o Fábio, há anos. Em uma revenda de automóveis. O Fábio é gerente, o Paulo mecânico. Jogam futebol todo sábado. Esta é a primeira vez que vem jantar, fora o aniversário do Júnior, ano passado. Ana caprichou na lasanha. Fez até uma salada verde, o Fábio gosta. Paulo não come verdura, só carne, e massa. Por isso a barriga, depois reclama.
Estão atrasados, Ana fala que a culpa deve ser da obra no viaduto. Anda tudo trancado para aquelas bandas. Deixa escapar um suspiro. Está nervosa, a Lúcia deixa ela nervosa. Ainda mais agora. Tudo bem, vai dar tudo certo. O Paulo nunca vê nada, mesmo. Depois da terceira cerveja, só fala do Grêmio. A Lúcia, coitada, não fede nem cheira. Nem bebe, é quietinha. Duas pessoas tão diferentes, o Fábio e a Lúcia. Casados há quinze anos, sem filhos. Vai entender.
- Está quente aqui, vou ligar o ar.
- Não, mulher. Pra que gastar? Abre a janela, deixa entrar a fresca da rua.
Pão duro, como sempre. Um chato. Mania que tem de chamar de " mulher". Ana vai até a janela, abre a cortina, vê o carro do Fábio. Estão chegando. Sente um arrepio na espinha, ao ver o Fábio descer, de bermuda e camiseta preta, cabelo molhado. Todo cheiroso, delícia de perfume. Comprara até um igual para o Paulo, mas não ficou a mesma coisa.
Lúcia dá um beijo na Ana, entrega um pote de sorvete. Sobremesa, diz ela. Está diferente, mais bonita, deve ser o vestido soltinho.
Fábio disfarça, não chega nem perto. Está esquisito.
Alcança uma garrafa de champagne para o Paulo, que estranha:
-Onde é a festa?- pergunta.
Fábio não fala nada, baixa os olhos. A Lúcia é quem responde, radiante:
- Para comemorar com vocês, agora podemos contar. Estou grávida, de doze semanas! É uma menina, como o Fábio queria. Vai se chamar Vitória.
Olha em volta, e sorri. Elogia:
- Nossa, Ana, que beleza! Até parece que você sabia...  adoro flores do campo, minhas preferidas. Uau, esta mesa está linda mesmo. Arrasou!
Ana fecha a janela, liga o ar. Está muito quente, ali.

Dani Altmayer
( exercício para Oficina Escrita Criativa- módulo II- "Realismo sujo" )

Um comentário:

  1. Show!
    Ficou muito real, consigo visualizar o local, as pessoas, as flores...
    É uma leitura muito agradável.

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