quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Caraminholando

 Não dirijo. Não tenho carro. Uso bicicleta, ônibus e lotação para me locomover. Mas não me queixo, gosto de ser passageira.
 Apesar de viver correndo, não tenho pressa. Minhas ideias costumam surgir nestes momentos solitários, no tempo que gasto me deslocando daqui para lá. Ou de lá para cá. São instantes de devaneios, pensamentos perdidos, uma espécie de sonolência criativa. Um tempo para caraminholar. Bom, às vezes até durmo, mesmo. E sonho, quando estou precisada.
Nenhum lugar é melhor do que a rua, para ver a vida como ela é. Para observar, e ouvir, cada coisa. Acontece de tudo, na calçada. Às vezes, acontece comigo.
 Hoje, por exemplo. Estava eu, na esquina de casa, esperando a lotação. Numa boa, curtindo o solzinho. Distraída, não vi ele chegar. Um homem, como qualquer outro, loiro, de seus cinquenta anos, um sorriso bonito. Chegou falando:
 " Não sei se compro uma kitnet na rua Joana Angélica, perto da lagoa. 
    Ou uma casa. Casa tem que ter cachorro, sabe. Eu gosto de cachorro. 
    Eu gosto de tudo. Sabe por quê?  Não sou invejoso. Consequentemente, não sou recalcado. 
    Engraçado, estou aqui falando contigo, e é como se eu te conhecesse há anos. E olha que eu não bebo. Nunca bebi.
     Bom, vou indo. Ah, Feliz ano novo! -com uma risadinha, justifica: -é que eu sou judeu. E nosso ano novo é por agora, cinco mil e tantos anos."
  Já longe, no meio da rua, grita: "tiau gata. Agora escancarei, hehe. Tiau, gata."
  Não falei uma palavra, ele falou sozinho.
  Quando ele se foi, puxei meu bloco de ideias da bolsa ( sempre ando com um, nunca se sabe), e transcrevi o "monólogo" na íntegra. Tal e qual.
  A lotação chegou em seguida. Veio rápido, até. Às vezes demora muito, dá para fazer duas viagens, ou mais. Sem sair do lugar.
  É... De carro ganha-se tempo, não resta dúvidas. Mas perde-se um bocado da diversão.
  Fazia tempo que ninguém me chamava assim, talvez anos. Gata. Já pensou? Que bom que ele não bebe, nunca bebeu.
Ainda bem.

Dani Altmayer



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