quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A Benção, Madrinha


   
A campainha soava estridente, insistente. Quem poderia ser, tão cedo? Silvana levanta-se da cama, relutante, calça os chinelos e arrasta-se até a porta. Maldito vinho francês, não devia ter bebido tanto ontem, que dor de cabeça infernal.
- Sua piranha!- Marina empurra Silvana, e entra na casa, aos berros. Tem as bochechas ainda mais vermelhas do que de costume, e os olhos parecem  que vão saltar da face, como molas de desenho animado. Está desfigurada pela raiva.
- Como você pôde, sua puta? Vadia, sem vergonha, filha de uma égua! 
Sem dar chance de Silvana responder, Marina joga um porta retratos na parede, esfacelando o vidro em um milhão de caquinhos. A foto do seu pai, e não era uma moldura qualquer não. Comprara num antiquário, em Praga.
- Sua vaca, amiga da onça, traidora! 
Marina agora pega o elefante indiano da sorte, que ficava com o rabo virado para a porta, de modo a atrair boa fortuna, e o joga contra Silvana, que desvia, e deixa estatelar -se no abajur inglês que fora de sua avó.
Nada pode conter a fúria da amiga. Silvana logo percebe que o melhor a fazer é ficar fora do caminho da outra. Procura com os olhos o celular, pensa em chamar o porteiro, mas desiste e tranca-se no banheiro. Senta para  fazer xixi, a cabeça entre as mãos, ouvindo os sons das coisas sendo quebradas, destruídas pelo desespero da amiga. Tem vontade de chorar, mas não chora.
Nunca pensou que Marina pudesse chegar a este ponto. As duas se conheciam há mais de 20 anos, são amigas desde a faculdade. Foram madrinhas de casamento uma da outra. De batismo dos filhos uma da outra. Das duas, Marina sempre fora a de temperamento mais tranquilo, dócil. Agora isso.
De repente, silêncio. Silvana espicha o ouvido, tentando adivinhar. Nada.
Com muita cautela, abre a porta e se dirige para a sala, onde Marina chora, encolhida num canto, em meio aos escombros das caras lembranças. Chora e soluça, mas sem fazer ruído. Não emite nenhum som. Parece um estranho filme mudo. Como no dia seguinte a uma grande catástrofe, à explosão de uma bomba, o silêncio pesa. Espectral, antecipatório. O começo do fim.
Silvana chega bem perto, senta no chão, e abraça Marina com certo receio. Esta se deixa envolver pelos braços da amiga, e sussurra, em meio às lágrimas:
-  Você ficou louca? Ele só tem 19 anos, Silvana. Uma criança.
Sem dizer nada, Silvana balança a cabeça, e pensa: você está enganada. Ele é um homem, Marina. Seu filho é um homem.

Dani Altmayer
Oficina de escrita criativa-módulo II - Títulos ( outras opções: Amiga da Onça- O Filho Dela)



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