quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Toda Saudade tem Cheiro


Outro dia, arrumando minhas gavetas, achei um vidro de perfume que estava guardado há quase seis anos. O perfume da minha mãe. Eu não tinha esquecido, sabia que ele estava ali. Mas foi preciso o tempo passar para eu ter coragem de pegar naquele frasco de novo. Com um pouco de medo, deixei cair algumas gotas no meu punho esquerdo. Imaginei que estaria estragado pelos tantos anos, talvez já meio azedo. Mas quis fazer um teste, saber como o sentiria. O cheiro invadiu o meu peito como uma faca. O cheiro dela. Inconfundível, penetrante, suave. O mesmo cheiro. Igual. Deixei cair umas lágrimas. Um pouco da tristeza da saudade, muito mais pela emoção da memória reavivada.
Muitas coisas ativam nossas lembranças, uma foto, um gosto, uma música. De todas estas, talvez seja o cheiro a mais forte delas. Qualquer cheiro.
Cheiro de terra molhada, de grama cortada. Cheiro que lembra casa. Cheiro de liberdade.
Cheiro de pipoca, de bolo quentinho. Cheiro que lembra infância. Lembra carinho.
Cheiro de mar, de calor. Cheiro de corpo suado, cheiro de sexo. Cheiro que lembra verão. Lembra paixão.
Cheiro de campo, de praia, de jasmim em flor. Cheiro de uva, bem doce. Lembra, que simples?
Cheiro de eucalipto, de respiração. De vida. Lembrando que a vida tem cheiros.
E cada cheiro lembra uma coisa. Uma pessoa, uma época, uma vontade, o amor.
O cheiro é como uma máquina do tempo, transporta saudades, desloca as memórias, acende as luzes. Seu efeito é imediato, instantâneo, mas também é fugaz. Faz você esquecer, por instantes, que já tinha deixado de lembrar.
Traz todas as cores de volta. Revive, como um passe de mágica. Momentos, que sejam. Coelhos.
O cheiro viaja na poeira da nossa recordação. É um vento de primavera. Renova.
Faz perceber que tem coisas que não tem como esquecer. Coisas grandes que o tempo não leva.Tem coisas que ficam guardadas, em fundos de coração. Esperando coragens.
Tem cheiros importantes. Que nunca saem da gente. Nem com o tempo.
Algumas coisas até se vão, mas o cheiro não. Cheiro é saudade impregnada. Atemporal.
Achei a coragem, e dei o perfume. Afinal, ainda estava bom. Quem pode saber?
Talvez ele ainda possa perfumar uma outra história. Cheirar bem, em uma outra memória.

Dani Altmayer



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