domingo, 15 de setembro de 2013

Rendida


E depois de lavar o rosto com as lágrimas, enxugaria no travesseiro e dormiria.
Era isso que ia fazer. Dormir. Chorar sempre a deixava cansada. Com vontade de ficar de olho fechado. Dizem que uma boa noite de sono cura tudo. Mas é que dão muito poder à noite, assim como dão ao tempo. Vai passar, amanhã é outro dia ( não me diga), o tempo faz esquecer, etc. Conversa fiada, ela mal acredita. Consolo de merda.
Bom, só se for que nem aquele remédio para febre que primeiro faz subir bem alto, para bem depois começar a suar. Talvez o caso dela fosse mais grave, precisava era de uma dose maior de noites de sono para se curar. Devia ser isso. Tempo proporcional.
A bem da verdade, ela não chorara até hoje. Derramara sim, uma ou outra lágrima, mas não dava para chamar de choro. Uma emoção meio contida, a cara dela, sempre madura. "Sim, claro, eu entendo, tudo bem, vou ficar bem." Ficar bem o c... Ia tocando, o sorriso colado com superbonder, disfarçando a dor secreta, que escondia atrás de quilos de corretivo. Vestia sua máscara, junto com o jeans, toda manhã. Movia-se, ligada no piloto automático das coisas por fazer, nas coisas de todo dia.
O problema do piloto automático é que às vezes ele falha. E quando acontece, a gente é obrigado a se encarar. Retomar o controle, mesmo que tenha esquecido como se faz. Ainda que se esteja perdida.
Tem que pegar o aspirador, e chupar aquela montanha de lixo que se acumulou debaixo do tapete da sala. Fazer a faxina. Senão, corre o risco de soterrar.
Ou tropeçar, que foi o que aconteceu com ela. Uma coisa tão boba, bateu com o dedinho do pé. Mas doeu, doeu tanto, que chorou. Chorou muito, por mais de uma hora. Chorou a desculpa, um choro quente, de lágrimas que ardem. Queimam. Um choro sentido, que só quem sente muito pode chorar.
Por alguns momentos deixou-se ficar, deitada na cama. Mergulhada em frustração e saudade. Fez-se de vítima, de frágil, permitiu-se sofrer. Sem tentar entender, sem tentar revidar, sem brigar com a dor. Olhou de frente, não procurou a saída. Simplesmente, chorou. Abriu a represa de tudo o que vinha negando, e chorou. Sentiu pena de si mesma, nem se culpou. Sentiu-se fraca, e até gostou. Tantas vezes, quisera ser assim, ou doida, ou fraca. Menos equilibrada. Mais mulherzinha. Para poder receber o que estava cansada de dar. De perder. O mundo é mais gentil com os loucos, pensava. Por pena, ou fascínio. Vai saber.
O choro desligou o automático de tudo o que ela vinha segurando. Deu-se conta de que tentar matar no peito só faz machucar. Percebeu o tamanho do buraco da própria solidão. Pensou em resistir. Mas desistiu, e se entregou. Derramou-se inteira, depois de tanto conter. Não queria mais fingir.
Lágrima que não escorre vira dor de cabeça. Tristeza que não se reconhece vira peso, doença. Curva a coluna, turva a alma. Riso falso enruga o olhar. Não podia mais mentir, decidiu. Envolveu o próprio corpo em um auto abraço, porque ela era tudo o que tinha. Sussurrou um consolo. "Pobrezinha de você".
Um dia vai passar, tudo passa. Com o tempo, durante uma noite qualquer, levado por alguma enxurrada de lágrimas, de algum jeito. Quando menos se espera, acontece. O sofrimento desaparece. Um dia ela vai acordar diferente, indiferente. Talvez melhor, talvez maior, porque a dor faz crescer (dizem). É outro jeito de aprender. Um jeito mais complicado. Mas só cresce quem consegue aceitar.
A hora de esquecer vai chegar. Amanhã, talvez não. Quem sabe em um mês, ou dois. Ou mais. Um dia será. Não tem como não ser. Enquanto isso, admitiu que doía. Muito. Não o dedinho, este curou sem demora.
A dor era outra. Em outro lugar. Também ia passar. Mas, por enquanto, chorar estava liberado. Rezar idem. Afundar a cabeça no travesseiro, o olho pesado, cansado. E dormir bastante. Esperar agir o tal antídoto, tão conhecido, tão bem falado. Acreditar nele. Tempo, o remédio universal.

Dani Altmayer




2 comentários:

  1. "Ela era tudo o que tinha"...
    Solidão. Perdas. Dor.
    Desabafo.
    Muito show, Dani.

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  2. diga para "ela": esta vida é um nada, um pequeno espaço de tempo dentro de uma eternidade, apenas isso!Um sopro!! Nada disso aqui realmente importa. O que virá depois é o que conta! Jesus vai voltar e consertar tudo. Tenha fé, leia a Bíblia que entenderá....tá tudo escrito e explicado ali... Este mundo é que está errado, diga isso a "ela".

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