sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Remédio Amargo

ilustração Lumi Mae
Acorda com um sobressalto. Uma sensação de vertigem a desperta de seu breve cochilo. Abre os olhos com medo, não sabia se tinha sonhado.
Os lençóis emaranhados, a cama desfeita, um corpo ao lado, dormindo. Enorme, suado. Roncando um pouco. Não fora sonho.
Sente um arrepio na espinha, uma náusea, uma súbita falta de ar. Aquela mão pesada, apoiada na sua coxa. Vira para o lado, devagar, tentando se livrar do abraço indesejado. Querendo se desvencilhar do toque. Querendo apagar o tato, o cheiro, o gosto. Tudo. Querendo apagar a memória do que acabara de acontecer, a lembrança daquele momento e de tudo o que viera antes. Porque não haveria um depois. Naquele exato momento ela soube. Que não haveria um depois. O antes fora um erro.
Uma tentativa, frustrada, de trocar uma coisa pela outra. Um equívoco. Achara que poderia tentar, que precisava. Que devia isso, a si mesma e a ele. Grande engano. Tem coisa que não dá para escolher como verdura na feira, esta sim, aquela não. Este faz bem para a saúde, aquele não.Tem coisas que não podem ser substituídas só porque assim se decidiu. Amor não acontece por decreto. Simplesmente acontece. Ou não.
Tinha ido atrás da conversa de sempre, ele é tão legal, está insistindo tanto, você não devia ficar sozinha, enfim. Decidira arriscar. Precisava do paliativo, e acabara se ferrando. Trocou uma dor pela outra. Pior.Seu corpo todo doía. O resto também.
A sensação era de que tinha sido invadida. Arrasada por uma força contrária, um cabo de guerra. Estuprada emocionalmente, com o próprio consentimento. Fora sufocada por algo disfarçado de paixão, mas que era tão cego como nem a paixão poderia ser. Ele não a viu, além de seu próprio querer. Ele não sabia que precisava ir com calma, não percebeu que estava machucada. Ela, que amava as sutilezas, que gostava de intensidade na medida certa, foi atropelada pelo trator do desejo dele.
E nada torna tão evidente uma ausência quanto a presença dos braços errados. Da pessoa errada. Nada pode ser mais solitário do que acordar com um estranho, ainda que "apaixonado."
Agora queria desaparecer. Sumir sem dar explicação. Como pode dormir? Dormir é tão íntimo. Idiota!
Se veste, apressada. Não se despede, deixa o vento gelado bater na cara e toma uma decisão: nada mais de fugir, negar ou tentar escapar. Nada mais de placebo-vai aguentar no osso, sozinha. Como tem que ser.
Vai engolir a seco o gosto ruim da outra saudade.

Daniela Altmayer

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